ARTIGO SOBRE FILOSOFIA
Por: 513306 • 15/9/2015 • Artigo • 10.949 Palavras (44 Páginas) • 465 Visualizações
Artigo de Reflexão 1 Filosofia em um novo século Philosophy in a new century 2 John R. Searle Universidade da Califórnia Tradução: 3,4 Felipe Oliveira de Sousa UFRGS RESUMO: O fato intelectual central da presente era é que o conhecimento cresce. Tal avanço está gradativamente transformando a fi losofi a, fazendo possível a prática de um novo tipo fi losófi co. Com o abandono da tendência epistêmica centrada no sujeito, tal fi losofi a pode ir bem além de qualquer coisa imaginada pela fi losofi a da metade do século passado. Ela começa não com o ceticismo, mas com aquilo que nós conhecemos acerca do mundo real. Começa a partir de fatos, tais como aqueles determinados pela teoria atômica da matéria e pela teoria evolucionista da biologia, assim como com aqueles fatos tidos como do senso comum, segundo os quais todos nós somos conscientes, possuímos estados mentais intencionais, formamos grupos sociais e criamos fatos institucionais. Uma fi losofi a como essa é teórica, ampla, sistemática e universal, no que concerne ao seu objeto de análise. Palavras-chave: conhecimento, fi losofi a, pós-ceticismo. ABSTRACT: The central intellectual fact of the present era is that knowledge grows. This growth of knowledge is quietly transforming philosophy, making it possible to do a new kind of philosophy. With the abandonment of the 1 Texto originalmente publicado em Philosophy in America at the Turn of the Century, 2003, Philosophy Documentation Center, p. 3-22. A versão em inglês se encontra disponível em: http://www.pdcnet.org/ pdf/2searle.pdf. 2 Professor da Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA). Departamento de Filosofi a. 314 Moses Hall #2390, 94720-2390, Berkeley, CA, USA. E-mail: john@johnsearle.com. 3 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFCE) e Mestrando em Filosofi a do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista da CAPES. Avenida João Pessoa, 80, 2° andar, 90040-000, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: felipexoliveira@gmail.com. 4 Gostaria de agradecer ao professor John Searle por ter-me gentilmente cedido a sua autorização para publicar a presente tradução, e à Cândida Jaci que procedeu a uma competente revisão do texto de uma versão anterior desta tradução. John R. Searle epistemic bias in the subject, such a philosophy can go far beyond anything imagined by the philosophy of a half century ago. It begins, not with skepticism, but with what we know about the real world. It begins with such facts as those stated by the atomic theory of matter and the evolutionary theory of biology, as well as such “common sense” facts we are all conscious that we all really have intentional mental states, that we form social groups and create institutional facts. Such a philosophy is theoretical, comprehensive, systematic, and universal in subject matter. Key words: knowledge, philosophy, post-skepticism. Refl exões gerais acerca do presente e do futuro da fi losofi a frequentemente produzem superfi cialidade e autoindulgência intelectual. Ademais, uma rápida e arbitrária visão do calendário, neste início de um novo século, não parece ser sufi ciente, por si só, para superar uma presunção geral contra o engajamento em tais refl exões. No entanto, irei arriscar-me a dizer algumas coisas sobre o estado corrente e futuro da fi losofi a, mesmo pensando ser isso um sério risco. Um número de importantes mudanças globais, nesse tema, tem ocorrido ao longo de minha vida e quero discutir sobre a sua signifi cância e sobre as possibilidades que elas suscitam para o futuro de tal assunto. Filosofia e conhecimento O fato intelectual principal da presente era é que o conhecimento cresce. Ele cresce diária e cumulativamente. Conhecemos mais do que nossos avós conheciam; nossos fi lhos conhecerão mais do que nós conhecemos. Agora temos uma enorme acumulação de conhecimento, o qual é certo, objetivo e universal, em determinado sentido desses termos que irei brevemente explicar. Esse avanço do conhecimento está, gradativamente, produzindo uma transformação na fi losofi a. A era moderna na fi losofi a, iniciada no século XVII por Descartes, Bacon e outros, baseou-se em uma premissa que agora se tornou obsoleta. Segundo essa premissa, a própria existência do conhecimento estava em questão e, por essa razão, a principal tarefa do fi lósofo era a de enfrentar o problema do ceticismo. Descartes considerou que seu trabalho provia uma fundação segura para o conhecimento, e Locke, numa linha similar, pensou o seu Ensaio como uma investigação acerca da natureza e da extensão do conhecimento humano. Parece razoável, no século XVII, esses fi lósofos considerarem a epistemologia como o elemento central de todo o empreendimento fi losófi co, pois, por estarem no meio de uma revolução científi ca, a possibilidade simultânea de um conhecimento certo, objetivo e universal parecia problemática. Não estava nem um pouco claro como suas várias crenças poderiam ser estabelecidas com segurança, nem mesmo como torna-las consistentes. Em particular, houve um confl ito importuno e difundido entre a fé religiosa e as novas descobertas científi cas. Devido a isso, tivemos, ao longo de três séculos e meio, a epistemologia no centro da fi losofi a. Por um longo tempo deste período, os paradoxos do ceticismo encontravam- se no coração do empreendimento fi losófi co. Somente se fôssemos capazes de responder ao cético, poderíamos ir além na fi losofi a ou na ciência. Por essa razão, a epistemologia se tornou a base de muitas disciplinas fi losófi cas nas quais as 204 questões epistemológicas são, realmente, periféricas. Logo, por exemplo, na ética a questão central tornou-se: “Pode existir uma fundação objetiva para as nossas Filosofi a Unisinos, 10(2):203-220, mai/ago 2009 Filosofi a em um novo século crenças éticas?”. E mesmo na fi losofi a da linguagem, muitos fi lósofos pensaram, e alguns ainda pensam, que as questões epistêmicas são centrais. Na fi losofi a da linguagem, então, “Como podemos saber o que outra pessoa signifi ca quando ela diz algo?”, foi tomada como questão central pelos fi lósofos. Acredito que a era da epistemologia cética está, agora, ultrapassada. Devido ao avanço seguro de um conhecimento certo, objetivo e universal, a possibilidade do conhecimento não é mais uma questão central na fi losofi a. Atualmente, é psi- cologicamente impossível levarmos a sério o projeto de Descartes da mesma forma que ele levou: nós conhecemos muito. Isso não signifi ca que não há mais espaço para os paradoxos epistêmicos tradicionais, mas, simplesmente, que tais paradoxos não mais se encontram no coração do tema. A pergunta “Como eu sei que não sou um ‘cérebro de proveta’, que não sou ludibriado por um espírito maligno, que não estou
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