Antropologia Aula 2
Monografias: Antropologia Aula 2. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: DIASRENATOS • 1/3/2015 • 1.983 Palavras (8 Páginas) • 282 Visualizações
"A arte de sensibilizar o olhar ou por que ensinar antropologia?" (Débora Krischke Leitão)
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. "
Livro dos Conselhos. *
Marcel Duchamp se permite uma licença poética para definir a pintura como atividade retínica, como arte do olhar. Proponho que se pense então a questão da Antropologia no ensino médio, se não como uma arte do olhar, como um exercício de brincar com a retina. Ensinar Antropologia seria, assim, possibilitar e estimular jogos de luzes, de ângulos e distâncias.
Um par de óculos e uma centenas de lentes
A relação do homem com o mundo é sempre mediada por suas ferramentas. Ele constrói, apreende e interpreta a realidade a partir dos instrumentos que lhe são fornecidos pela cultura. Tecelão quase compulsivo de si próprio, borda sem cessar teias de significados para dar sentido ao mundo (GEERTZ,1989:15) Essas teias, onde se misturam pontos abertos e fechados, novos e antigos, e linhas de todas as cores, são a cultura. É a partir desse véu da cultura, dessas lentes, que vemos então as coisas, os outros, e a nós mesmos.
Cada cultura, entretanto, teria seu par de lentes próprio, ou, no máximo, um certo número de lentes utilizáveis, um certo leque de possibilidades de formas de ver o mundo. As lentes de uma sociedade nunca são as mesmas de outra (BENEDICT, 1997:19). Ainda que tenham semelhanças, são encontradas certas nuanças e particularidades. O que pode ser considerado ponto comum entre todos os homens é a armação, a existência dos óculos em si. As lentes, sempre diferentes, vão variar em espessura, cor e formato.
Uma vez vendo os outros por detrás dessas lentes, e a partir de uma visão de mundo, há uma tendência em considerar nossa forma de ver e fazer as coisas como a mais correta, ou mesmo a única correta. Tal postura etnocêntrica consiste em tomar o que é nosso como o verdadeiro, e o que é do outro (e o que é o outro) como digno de reprovação, dando assim aos nossos valores um suposto caráter de universalidade (TODOROV, 1993: 21).
Uma vez estando ao nosso lado todas as verdades e a certezas, estaríamos autorizados a interferir, em nome de nossa bondade e piedade, no que é do outro. Partindo desse pressuposto muitas formas de dominação, e mesmo etnocídios, tentaram ser legitimados.
O Etnocentrismo não é, entretanto, exclusividade de nossa sociedade ocidental e moderna. É um fenômeno que se registra por toda a parte. Sobre o assunto, Heródoto já nos contava que:
"Se fosse dada a alguém, não importa a quem, a possibilidade de escolher entre todas as nações do mundo as crenças que considerasse melhores, inevitavelmente... escolheria as de seu próprio país. Todos nós, sem exceção, pensamos que nossos costumes nativos e a religião em que crescemos são os melhores... Existe uma multiplicidade de evidências de que este sentimento é universal... Poderíamos lembrar, em particular, uma anedota de Dario. Sendo ele rei da Pérsia, chamou alguns gregos presentes em sua corte e perguntou-lhes quanto queriam em troca de comer os corpos de seus pais defuntos. Os gregos replicaram que não havia dinheiro suficiente no mundo para fazer isso. Depois perguntou a alguns índios da tribo chamada Callatie - que realmente comem os corpos de seus pais defuntos - quanto queriam para queimá-los (referindo-se, é claro, ao costume grego da cremação). Os índios exclamaram horrorizados que nem se devia falar em coisa tão repugnante"*
Binóculos: explorando territórios desconhecidos
Partir para o território do outro, dar espaço ao que não é familiar: esse é o primeiro passo para uma possível transformação do olhar, uma relativização de ponto de vista. A curiosidade do homem sobre si próprio sempre existiu, mas a passagem do curioso, do exótico e do bizarro, para uma consciência da alteridade é que marca realmente o pensamento do homem sobre o homem (LAPLANTINE, 1995:13), e a reflexão a respeito da diferença.
A diversidade cultural só pode ser compreendida se a postura frente ao estranho e ao estrangeiro se tornar mais flexível e permitir existência da diferença enquanto diferença, não enquanto hierarquia.
Deve-se então, em primeiro lugar, aceitar que o outro existe, conhecê-lo e reconhecê-lo. É preciso perceber que somos apenas uma das culturas possíveis, e não a única. Conhecendo as diferentes formas de lidar com o mundo, as diferentes respostas dadas pelas mais diversas culturas é que se pode relativizar o que nos é o estranho, tentando encontrar, assim, no olhar do outro, o ponto de partida. Nossas lentes muitas vezes nos cegam, quando tentamos ver o que está distante. Ajustemos então essas lentes para mais longe, não deixando que nos ceguem para o outro e, principalmente, nos tornem míopes para nós mesmos.
Ensinar a olhar é, assim, antes de tudo, apontar os caminhos desse olhar, fazendo nascer a consciência da diversidade cultural e da pluralidade das culturas.
O Jogo dos Espelhos
É a partir do reconhecimento do outro que eu posso, finalmente, entender quem sou. Cruzar a fronteira, deixando meu território, é a melhor forma de - olhando para trás - ver meu mundo com o espanto e a curiosidade que não podia germinar enquanto eu estava dentro dele.
Por mais que o antropólogo tenha esse quê de viajante, não precisamos aqui falar em transposição de fronteiras físicas. A viagem que proponho é a de simplesmente enxergar o outro lado, a outra margem do lago, o que não me pertence e é diferente de mim. Através do estranhamento provocado pelas outras culturas, modifica-se a forma que temos de olhar sobre nós mesmos.
A reflexão antropológica é, em certa medida, o exercício de um desejo narcísico de conhecer a si próprio. O Narciso antropológico, ao contrário daquele de que tanto ouvimos falar, não vê no lago sua imagem familiar refletida, e sim a imagem de algo que é desconhecido, rica em detalhes que, antes de ver o outro, passavam desapercebidos.
É um Narciso que, em vez de apaixonado, se aproximar cada vez mais do lago para mergulhar em si próprio, toma certa distância para admirar-se de mais longe e a partir de outros ângulos. Começa, então, a estranhar a si próprio, a se espantar com tudo que lhe parecia banal.
O conhecimento de nossa própria cultura só é possível, assim, através do conhecimento do outro, das outras culturas. A partir da experiência da alteridade tem lugar, então, um descentramento do olhar. Essa revolução no olhar (LAPLANTINE, 1996: 19) provocada pelo distanciamento permite,
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