Discussão Da Filosofia Da Modernidade
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Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011
A DISCUSSÃO FILOSÓFICA DA MODERNIDADE E
DA PÓS – MODERNIDADE
Daniel Nery da Cruz
Orientador: Prof. Dr. João Santos Cardoso
Resumo:Este trabalho faz uma reflexão filosófica sobre a modernidade e
pós-modernidade e os seus impactos sobre o sujeito. Em primeiro instante,
será abordado como a idéia de modernidade e sujeito foram forjadas a
partir de Descartes. Em seguida, discorre-se acerca do sujeito e a pósmodernidade
na concepção de Lipovetsky e como o esvaziamento do
sujeito na sociedade do prazer e bem-estar dissolve os valores deixados
pela modernidade ocasionando um universo sem referenciais, sem sentido
e sem objetivo.
Palavras-chave: Pós-modernidade. Sujeito. Narcisismo. Lipovetsky.
Abstract: This work is a philosophical reflection on modernity and
postmodernity and their impacts on the subject. In the first moment, we shall
discuss how the idea of modernity and subject were forged from Descartes.
Then talks about the subject itself and postmodernity in designing and
Lipovetsky as emptying into the subject in society of pleasure and well-being
dissolves the values left by modernity causing a universe without references,
without meaning or purpose.
Key words: Post-modernity. Subject. Narcissism. Lipovetsky.
A Modernidade e a Descoberta do Sujeito
difícil definir a modernidade, pois se trata de um
período histórico que é ao mesmo tempo passado e
presente. No geral, ela é um processo de transformações do
pensamento ocidental iniciado no século XVI onde há uma
ruptura com a tradição medieval. Michel Focault (1984) no seu
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texto o que é o iluminismo diz que o tempo moderno é “tudo
isso, a filosofia como problematização de uma atualidade e
como interrogação para o filósofo dessa atualidade da qual
faz parte e em relação à qual tem que se situar, poderia
caracterizar a filosofia como discurso da modernidade e sobre
a modernidade.” Duas noções são importantes para entender
o moderno:
a idéia de progresso, que faz com que o novo seja
considerado melhor ou mais avançado do que o
antigo; e a valorização do individuo, ou da
subjetividade como lugar da certeza e da verdade, e
origem dos valores, em oposição à tradição isto é, ao
saber adquirido, às instituições, à autoridade externa.
(MARCONDES, 2004, p. 140).
Com a inauguração dos tempos modernos, o homem se
torna o centro, a medida do conhecimento em que tudo está
estritamente ligada à razão. Daí a importância da
compreensão da modernidade para, então, se compreender
como foi descoberta a idéia de sujeito, de agente dominador.
As grandes navegações dão uma nova visão de mundo no
contato de novas culturas, o Renascimento e a Reforma
Protestante trazem mudanças cruciais principalmente no
âmbito religioso e político. É indispensável considerar o
Renascimento como o momento chave nas profundas
transformações do Ocidente, em que a visão de mundo do
homem é marcada “por uma verdadeira paixão pelas
descobertas”. “Eruditos redescobrem as antigas doutrinas
filosóficas e cientificas, forjadas pelos gregos, e em nome das
quais torna-se possível constituir uma sabedoria nova, oposta
às concepções que prevaleceram na Idade Média”
(AMÉRICO, 2004. p. 07).
A modernidade é a época em que a alma se retira do
mundo das coisas e recolhe-se no mundo dos
homens, bem como a época em que os homens se
acreditam suficientemente fortes e poderosos, qual um
novo, qual um novo Prometeu, se não para elevaremse
contra a divindade e se imporem aos deuses, ao
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menos para prescindirem de sua proteção e
dispensarem seus serviços. (DOMINGUES, 1991,
p.32)
Com todas essas novidades, o mundo parecia está
desordenado, fragmentado e sem referência ou centro, era
preciso achar alguma orientação ou método para centralizar o
mundo. É aqui que a razão entra como aquela que vai restituir
a unidade perdida, pois ela está para além das culturas e é
universal.
A razão é de fato, o elemento comum a todos os seres
humanos e, por isso, assume a condição de
fundamento a partir do qual o mundo deve ser
organizado. É ela quem deve, a partir de agora, dar
unidade e sentido a todas as esferas que compõem a
existência humana. Tudo quanto pretenda ter
legitimidade para existir necessita, pois, de submeterse
ao crivo da Razão. (HANSEN, 1999, p. 37).
Ela, a razão, desmonta antigas crenças e reconstrói o
novo edifício do saber como destaca Cassier:
A razão desliga o espírito de todos os fatos simples, de
todos, de todos os dados simples, de todos as crenças
baseadas no testemunho da revelação, da tradição, da
autoridade; só descansa depois que desmontou peça
por peça (...) Mas, após esse trabalho, impõe de novo
uma tarefa construtiva (...); deverá construir um novo
edifício, uma verdadeira totalidade (CASSIER, 1992,
p.32-3)
Não é mais a vontade da divindade e entidades que
garantem ou definem o sentido do agir humano, é o próprio
sujeito quem dá significado à sua existência. O próprio
indivíduo é responsável pelo progresso ou decadência da sua
vida.
O Movimento Iluminista, grande propagador do projeto
moderno, depositou uma confiança cega e ilimitada na razão
a ponto de o século XVII ser denominado o “Século das
Luzes”. A razão teria chegado a um tal estágio de
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desenvolvimento que ela seria capaz de dissipar as trevas da
ignorância que obscurecem o espírito humano (MONDIN,
1980). Kant, ao tentar dar uma resposta ao o que é o
esclarecimento (Was is Aufklärung?) define Aufklärung como
uma saída do homem para a sua maioridade. Afirma Kant
sobre o esclarecimento, “é a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é culpado” (KANT, 1974,
p.100), e continua: “fazer uso de seu entendimento sem a
direção de outro indivíduo” (KANT, 1974, p.100).
Segundo Touraine (1994), o que distingue a filosofia do
iluminismo da que a precede é a sua intenção de estender a
todos os homens o que havia sido propriedade de apenas
alguns, a saber, uma existência conduzida em conformidade
com a razão. Uma autonomia que leva o indivíduo à busca do
saber: “Sapere Aude” (KANT, 1988, p. 100), pois é do
conhecimento livre e correto que o ser humano alcançará o
progresso, a tranqüilidade e a felicidade. Como afirma Lyon
(1998, p. 14), “[...] a ênfase ao movimento progressivo da
história foi facilmente combinada com a convicção de que as
coisas, de uma maneira geral, estavam melhorando,
especialmente sob o impacto do pensamento iluminista
emergente.”
A ideologia moderna alicerça toda forma de conhecimento
num modelo natural sem relação a crenças religiosas, o que
deve valer é o que se pode medir “e o individuo só está
submetido às leis naturais” (TOURAINE, 1994, p. 20). O
pensamento científico deve ser totalmente transparente e a
sociedade deve refletir essa transparência sendo organizada
pela razão que, “nesse sentido, nada mais é do que cálculo,
isto é, adição e subtração [...]” (HOBBES, 2002. p. 39).
Já não mais indaga por aquilo que é a realidade, mas
por suas possibilidades. Se na antiguidade e na Idade
Média, o homem considerava verdadeiro o pensar de
acordo com o que existe na realidade, nos tempos
modernos inverte sua postura dizendo que aquilo que
pode pensar, poderá realizar. O homem passa a
interessar-se não tanto por aquilo que já é, mas por
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aquilo que ainda poderá ser. (URBANNO ZILLES,
1993, p. 10).
A Modernidade foi construindo assim um personagem
independente, livre das pressões tradicionais. Fazer a
pergunta o que é o sujeito ou o que se entende por sujeito
deve levar o investigador a buscar respostas nas duas “figuras
da modernidade: a racionalização e a subjetivação”
(TOURAINE, 1994, p. 218).
A absolutização da razão com a promessa de uma vida
de progresso, equilibrada e segura para o ser humano, fez o
sujeito se identificar e confiar plenamente na ciência que até
hoje existe um certo traço dessa influência iluminista. Porém,
a história mostrou principalmente no século XX, o mau uso da
razão pelo homem, não legitimando a promessa iluminista. “A
sociologia, por exemplo, que prometia conseguir o equilíbrio
nas relações sociais, presenciou contraditoriamente o caos
contemporâneo produzido pelo perverso e desumano uso da
razão” (CHAUÍ, 2003, p.). Habermas em o discurso filosófico
sobre a modernidade, faz uma reflexão de uma razão que não
busque conhecimento somente da relação sujeito objeto ou
que ela não seja fechada em si mesma. Ele busca uma
filosofia que seja pautada na comunicabilidade dos sujeitos
frente aos novos paradigmas da modernidade. Essa razão
moderna está centrada na sua auto-afirmação e na autoafirmação
da subjetividade é ai que Habermas alerta sobre o
perigo do purismo da razão: “Só a razão reduzida à
capacidade subjetiva de entendimento e de atividade
teleológica corresponde à imagem de uma razão exclusiva
que, quanto mais aspira triunfalmente às alturas se
desenraiza até finalmente cair, vítima da força da sua oculta
origem heterogênea.” (HABERMAS, 1990, p.284).
Quais as conseqüências de uma razão que subjuga tudo
em volta de si? Esse sujeito, guiado por um modelo de
absolutização do racional presenciou inúmeras ações
destruidoras: Confecção de bombas atômicas, massacres
totalitários, as guerras mundiais dentre outros atos
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destruidores, tudo isso levou o sujeito a perder confiança na
razão, entrando de forma descontrolada no universo das
emoções. Os ideais iluministas pareciam não garantir o que
prometeu.
Antes disso Nietzsche já fazia a crítica à modernidade, o
pensamento tradicional desde Aristóteles era totalizante e
coerente com a realidade, a verdade era procurada em um
sistema lógico e formal. Com Nietzsche há uma
desconstrução do modo de pensar tradicional. Desfazendo a
idéia de um pensamento sistemático, ele fundamenta sua
linguagem filosófica na vontade de poder e a própria verdade
é colocada em questão. Agora a verdade não está mais
pautada na razão, (que se engana) mas na vontade.
A descoberta do sujeito em René Descartes
O poeta inglês John Donne exprimiu em 1611 sua
preocupação e a inquietude provocadas pelo
desaparecimento da antiga ordem das coisas:
A nova filosofia Poe tudo em dúvida, o elemento do
fogo está extinto, o sol está perdido, e também a terra,
e nenhum espírito humano tem com o que se orientar
para a procura. E os homens confessam livremente
que este mundo está em ruínas, quando entre os
planetas e firmamento eles procuram tantos mundos
novos; Eles vêem então que tudo está de novo
pulverizado em átomos, tudo está em pedaços, toda a
coerência perdida (...).” (DONNE, 1949, p. 202)
Essa mesma angústia foi sentida por René Descartes.
Sua tomada de decisão em meio a uma época de inovações e
incertezas deu uma nova perspectiva no campo
epistemológico. Abandonando uma visão cosmológica do
homem centralizada na autoridade e na religião, ele propõe
um olhar centrado na certeza do conhecimento a partir do
próprio individuo. Esse fundamento antropológico deu origem
ao chamado racionalismo.
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O filósofo diferenciou seus escritos dos outros medievais
que usavam um modo impessoal de se comunicar,
escrevendo na maioria das vezes na primeira pessoa,
relatando suas meditações filosóficas.
Procurando encontrar um método seguro e indubitável
para as novas ciências, “em uma época em que haviam
afirmado e se desenvolviam com vigor novas perspectivas
científicas e novos horizontes filosóficos” (REALE, 2004, p.
287), Descartes desenvolve uma metodologia fundamentada
no conhecimento a partir de “[...] regras que se fundamentam
na certeza adquirida de que o “nosso eu” ou a consciência de
si como realidade presente se apresenta com as
características da clareza e da distinção.” (REALE, 2004, p.
293).
Formei um método pelo qual me parece que eu
consiga aumentar de forma gradativa meu
conhecimento, e de elevá-lo pouco a pouco, ao mais
alto nível, a que a mediocridade de meu espírito e a
breve duração de minha vida lhe permitam alcançar
(DESCARTES, 2004, p. 36).
Esse método é pautado na chamada “Dúvida Metódica”.
Ele começa duvidando de tudo, a reviravolta causada pelo
cogito está na desconfiança dos sentidos que podem enganar.
Duvidando até mesmo de sua própria existência, Descartes
conclui:
A noção que possuo do espírito humano, enquanto é
uma coisa pensante e não extensa, em comprimento,
largura e profundidade e que não participa de nada
que faz parte do corpo, é incomparavelmente mais
clara do que a idéia de qualquer outra coisa corporal.
(DESCARTES, 2004, p. 291)
Desconfiado de todos os sentidos e das opiniões que
enganam o gênero humano e não garantem uma certeza
sobre as coisas existentes, Descartes encontra segurança no
próprio indivíduo que com a capacidade de se autoconhecer
define-se claramente como um ser pensante, traduzido nas
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clássicas palavras: “cogito ergo sum” (“penso, logo existo”).
Descartes parte do pressuposto de que o sujeito, antes de
procurar conhecer o objeto, precisa voltar-se para si mesmo, e
a partir daí o conhecimento é comprovado.
Como no cálculo matemático, Descartes através de
dispositivos estritamente racionais declara o que está imerso
no seu “se duvido penso” a convicção de existir e esse existo
do eu é dependente do pensamento e, por ser o pensamento
colocado como fundamento do existir, naturalmente há uma
separação entre a subjetividade e a objetividade. Esta última
agora é dominada pela primeira, ou seja, a substância
pensante (res cogitans) mantém o domínio sobre a res
extensa (matéria). A razão é o instrumento por excelência da
conquista do sujeito que com o novo método garantirá a não
desarticulação das novas formas do saber.
Com as ideias de Descartes, o sujeito aparentemente
“livre”, “obedece a si mesmo e não a forças exteriores.”
(REALE, 2004, p. 305). O primado da razão é definido no “res
cogitans”, no eu interior onde deve haver uma perfeita
harmonia entre a realidade subjetiva e objetiva.
Assim, fica claro por que o racionalismo cartesiano é
considerado o marco da modernidade, pois ele produziu um
pensamento tão ousado para a ciência e para a formação do
sujeito moderno que perpassou a partir de sua época até os
dias atuais, provocando mudanças em todos os campos da
sociedade.
Pós-Modernidade e sujeito
O termo "pós-modernismo" teve sua origem na Espanha
na década de 1930. Perry Anderson em "As Origens da Pós-
Modernidade" (1999), aponta ter sido, Frederico de Onís, o
primeiro a usar o termo pela primeira vez. Mas foi o filósofo
francês Jean-François Lyotard, com a publicação "A Condição
Pós-Moderna" (1979), que expandiu do uso do conceito. Logo
no inicio do primeiro capitulo dessa obra Lyotard usa o termo
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idade pós-moderna se referindo ao objeto de estudo em
questão: “Nossa hipótese de trabalho é a de que o saber
muda de estatuto ao mesmo tempo em que as sociedades
entram na idade dita pós-moderna.” (LYOTARD, 1979, p. 03).
Em Lipovetsky o conceito é encarado como continuação
do processo moderno e elevação exagerada de seus ideais,
daí ele preferir usar o termo hiper-modernidade para se referir
a esse processo. O termo “hiper” faz menção a uma
exacerbação dos valores da modernidade, é a cultura do
excesso determinada e marcada pelo efêmero em que o
sujeito em ritmo acelerado busca a satisfação dos seus
desejos.
A sociedade contemporânea é a mais alta fase da
modernidade. É uma sociedade do excesso e do vazio que
dão autonomia e produz novas formas de liberdade causando
“novos problemas, novas angústias e novas expectativas”.
(MACHADO, 2005, p. 11). Em “A Era do Vazio” o filósofo
chama a atenção para a fragmentação da sociedade e seus
costumes, o consumo, o hedonismo, o individualismo e a
urgência de um novo paradigma social. Com o
enfraquecimento de todos os setores da sociedade e,
principalmente, do indivíduo contemporâneo emerge um modo
“inédito” de vivência, “numa ruptura com o que foi instituído a
partir dos séculos XVII e XVIII”. (LIPOVETSKY, 2005, p. 15).
Zigmund Bauman, outro filósofo contemporâneo, não
utiliza o termo pós-modernidade, mas “Modernidade Líquida”.
Em que os preceitos duros, sólidos e sedimentados da
modernidade derreteram-se (BAUMAN, 2001). Ele também
concorda com Lipovetsky quando afirma que “a sociedade de
consumo não é nada além de uma sociedade do excesso e da
fartura” (BAUMAN, 2007, p. 111).
Para Lyon (1998), a pós - modernidade existe como uma
idéia ou forma de critica na mente dos intelectuais e nos
meios de comunicação. Embora muitos autores usem
variados conceitos para discorrer sobre o fenômeno, um fio
une todos eles, a mudança: “o conceito de pós-modernidade
faz parte do pensamento social porque nos alerta para
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algumas mudanças sociais e culturais importantes que estão
acontecendo neste final de século XX” (LYON, 1998, p. 09).
Essa época, principalmente o século XX, é um ambiente
de muitos contrastes, onde acontecimentos desastrosos dão a
idéia de uma deserção social nunca ocorrida na História:
[...] o desenraizamento sistemático das populações
rurais, depois urbanas, langores românticos, o spleen
dandy, Oradour, os genocídios e etnocídios, Hiroshima
devastada em dez quilômetros quadrados, com 75 mil
mortos e 62 mil construções destruídas,os milhões de
toneladas de bombas jogadas sobre o Vietnã e a
guerra ecológica com produtos herbicidas, a escalada
do estoque mundial de armas nucleares, Phnom Penh
espoliada pelos Khmers vermelhos, as figuras do
niilismo europeu,os personagens mortos vivos de
Beckett, a angústia e a desolação interior Antonioni,
Messidor de A. Tanner, o acidente de Harrisburg...
com certeza a lista se alongaria desmesuradamente se
quiséssemos inventar todos os nomes do deserto.
(LIPOVETSKY 2005 p. 17)
É interessante notar que para Lipovetsky, diferentemente
de outros críticos, esse deserto, depois dessa hecatombe, se
alastra no interior do homem, sem catástrofes, sem tragédias
ou vertigem e acaba por se identificar com o nada e com a
morte.
Não é verdade que o deserto induz a contemplação de
crepúsculos mórbidos. [...] O deserto se alastra e nele
lemos a ameaça absoluta, o poder do negativo, o
símbolo do trabalho mortífero dos tempos modernos
até seu termo apocalíptico. (LIPOVETSKY, 2005.
p.18).
Numa incessante busca do seu bem-estar e uma
supervalorização do EU, o individuo moderno torna-se frágil e
vulnerável á medida que se fecha para o outro e imerge
dentro de si. Esse individualismo estimulado pelo consumismo
foi esvaziando o sujeito a tal ponto que ele já não tem mais
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forças para lutar pelos ideais comunitários e transfere a
responsabilidade política para os partidos por não ter tempo
disponível para a “res publica” estando envolvido nos seus
próprios negócios, em seu mundo, cuidando dos seus
interesses.
Todas as instituições, organizações e todos os valores
estão sendo esvaziados de sua substância. O saber, o poder,
o trabalho, o exército, a família, a Igreja, já não estão em
funcionamento como princípios absolutos e intangíveis. Há
uma descrença geral em todos eles.
Entretanto, o sistema funciona e as instituições se
desenvolvem multiplicando-se assustadoramente, a diferença
é que agora num ritmo livre e leve, no vazio e sem sentido. É
preciso saber viver ou sobreviver nos “espaços desativados”.
Uma onda de apatia invadiu a sociedade que
acompanhou a morte das ideologias e “a morte de Deus”
prevista por Nietzsche.
Deus está morto. Nós o matamos. Deus permanece
morto. E fomos nós que o matamos. Como nos
consolar, nós, os assassinos dos assassinos? Aquilo
que o mundo possuía até agora de mais sagrado e de
mais poderoso perdeu seu sangue sob nossos
punhais. Quem limpará esse sangue de nossas mãos?
Que água instral poderá jamais nos purificar?
(NIETZSCHE, 2002)
Nietzsche nos carrega de culpa diante da depreciação
mórbida dos valores e anuncia o niilismo europeu. Porém,
Lipovetsky vê um deserto pós-moderno todo feito de
indiferença e em que cada vez mais se afasta do niilismo.
“Deus morreu, as grandes aspirações se extinguiram, mas
ninguém está dando a mínima importância para isso”
(LIPOVETSKY, 2005, p.18). Essa é a boa noticia, eis o limite
do diagnóstico de Nietzsche em relação à tristeza européia.
Não estando sob pressão, livre das correntes tradicionais
e guiado pela lógica hedonista, a pós-modernidade forjou um
indivíduo “narcisista” voltado para si mesmo em busca de
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satisfação e realização pessoal. Na verdade, o que
caracteriza uma sociedade narcisista é a vivência do
presente e não mais atrelada ao passado e ao futuro. O
sentido histórico já não faz mais sentido, as pessoas não se
prendem mais às instituições e desacreditam em seus
valores. É instaurado por assim dizer um narcisismo coletivo.
“A cultura narcisista é a celebração da aparência física, o
triunfo do espelho e o culto da própria imagem” (PEREIRA
2006, p. 03). Narciso segue um caminho incerto, mas
consegue caminhar, atravessando sozinho o deserto, levando
a si mesmo sem qualquer apoio transcendental, o homem de
hoje é definido pela vulnerabilidade.
O que Lipovetsky quer demonstrar a respeito do individuo
é que a deserção da “res pública” foi limpando o terreno para
a ascensão do sujeito puro, em busca de si mesmo.
Obcecado por ele mesmo pode desmoronar a qualquer
momento por não se apoiar em nenhuma força exterior. “O
homem descontraído está desarmado” (LIPOVETSKY, 2005,
p.29).
Agora, os problemas da vida pessoal ganham proporções
desmensuradas, a grade psicológica e psicanalítica tenta
apresentar soluções para acabar com um devastador
solipsismo. A solidão não é apenas uma excepcional idade de
alguns “românticos” ela tomou proporções populares.
“Na verdade o narcisismo foi gerado pela deserção
generalizada dos valores e finalidades sociais [...]”
(LIPOVETSKY, 2005, p. 34). Com o enfraquecimento do
interesse pela esfera política nasce o narcisismo, marcado
pelo fim do “homo politicus” e o surgimento do homo
“psicologicus”, ansioso por identidade e bem-estar.
Um marasmo sem precedentes invade o interior do sujeito
pós-moderno, enfraquecido na vontade, ele já não tem forças
para a mobilização de massa. É o homem “cool” (vontade
enfraquecida), ele não é, segundo Lipovetsky, nem o
decadente pessimista de Nietzsche, nem o trabalhador
oprimido de Marx:
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O homem cool não é nem o decadente pessimista de
Nietzsche, nem o trabalhador oprimido de Marx, ele se
parece mais com o telespectador tentando “assistir”
uns após outros aos programas noturnos ou com o
consumidor enchendo o seu carrinho ou, ainda, com a
pessoa em férias que hesita entre uns dias nas praias
espanholas ou num acampamento na Córsega. A
alienação analisada por Marx,resultante da
mecanização do trabalho, deu lugar a uma apatia
induzida pelo campo vertiginoso das possibilidades e o
self–service generalizado. (LIPOVETSKY, 2005, p. 24)
O que deve ser percebido na visão lipovetskyana sobre a
pós–modernidade e o sujeito é uma abordagem critica em que
essa época não é vista de modo tão pessimista, porém é
oferecido um panorama sobre as realidades maléficas
infiltradas no interior da “era do vazio” em que surge uma
vasta gama de problemas relacionados principalmente à
pessoalidade humana.
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