HAGIÓGRAFOS - INTRODUÇÃO
Por: Abílio Lisboa • 9/11/2016 • Trabalho acadêmico • 19.785 Palavras (80 Páginas) • 366 Visualizações
- HAGIÓGRAFOS -
INTRODUÇÃO
Ao falar dos sábios de Israel referimo-nos a um grupo de pessoas bastante heterogéneo que inclui desde o educador até ao filósofo ou o teólogo, passando pelos preceptores dos príncipes ou da nobreza e pelos conselheiros da corte.[1] O que nos remete directamente para um ambiente social elevado, sem contudo excluir as expressões populares -frutos da observação, da experiência e dos anos...
Os temas da sabedoria remontam, por vezes, a altos níveis teóricos, “como quando trata do problema do mal, o sentido da existência e da actividade humana. Mas, em muitas outras ocasiões, move-se em níveis mais rasteiros e quotidianos: fala da amizade, do orgulho, da educação dos filhos, das formas de governo, do domínio de si, do recto uso do dinheiro...”[2]
A resposta aos problemas é procurada na experiência humana geral (ainda que iluminada pela fé): enquanto que o historiador a procura nos arquivos e bibliotecas, e o profeta no contacto directo com a palavra de Deus... “É o pai e a mãe, são os antepassados, os anos, os que ensinam e transmitem essa sabedoria. O sábio não diz: «Oráculo do Senhor». Contenta-se com um modesto: «Meu Filho...»”[3] (Prov. 5, 1; 6, 20). Onde experiência pessoal e séculos de reflexão se fundem na pessoa e na tarefa do sábio de Israel: profundamente inserido na cultura da sua época, no contacto com outros povos vizinhos (Egipto, Babilónia e Grécia)[4].
Contudo, foi-se impondo a ideia que toda a sabedoria vem do Senhor (Ecli. 1,1), o que torna o sábio, sobretudo nas últimas épocas, um homem profundamente religioso, que «desde o alvorecer entrega o coração à vigília para se consagrar ao Senhor que o criou, e faz a sua oração na presença do Altíssimo.» (Ecli. 39, 5). O que não anula a personalidade de cada autor: “desde o ancião sensato e modesto no seu ensino até ao ansião desencantado com a vida(...) Optimistas e pessimistas, serenos e apaixonados, homens refinados e outros de escassa cultura vão aparecendo(...)”[5].
“A minha opinião particular é que (...) se trata de profissionais e não profissionais[6] que possuíam uma boa cultura segundo os tempos e que percorrem o larguíssimo período de tempo que vai desde os começos da monarquia em Israel até aos fins do AT, com prolongamentos prováveis antes, certos depois.”[7]
A experiência pessoal e a partilha de experiências foram protagonistas de um enriquecimento mútuo dos que viviam no mesmo espaço vital. O intercâmbio entre sábios e não sábios, mas cultos, é, de certo, uma autêntica fonte para a Sabedoria de Israel, e criadora de uma Tradição que garante a forma de transmissão às gerações futuras a sabedoria e os conhecimentos adquiridos. “Os sábios e os mestres de Israel procuravam transmitir aos seus discípulos o que haviam apreendido pela própria experiência, ou de outros sábios anteriores, ou ainda do que recolhiam de entre o povo.”[8] Desta dinâmica fazia parte a própria reflexão como expressão de uma experiência mais profunda realizada à luz da fé javista e desembocando/concretizando “em formas específicas de interpretação da vida e em muitos temas até então nunca tocados”[9].
DEFINIÇÕES RECENTES
-Segundo Von Rad (conhecimento empírico do criado), a sabedoria postula um conhecimento empírico da ordem do criado, «um conhecimento prático das leis da vida e do universo, baseado na experiência»[10], em que o êxito do homem na vida dependia da sua disposição e habilidade para descobrir esta ordem e viver em harmonia com ela. Há um «sentido» escrito por Deus na criação, o divino mistério do criado: uma qualidade do mundo, uma «razão universal» inscrita nele e que interpela o homem constantemente.[11]
Os dois conceitos de sabedoria surgem profundamente associados: a experimental surge na própria vida do homem e se põe em movimento mediante da reflexão e adequação à ordem percebida; a vinculada ao mistério tem a sua origem no Criador, o que faz com que os homens que queiram ter acesso à segunda tenham que previamente se dispor à aquisição da primeira. “Se a sabedoria experimental deve ser entendida como meio para ter êxita na vida, a aquisição da sabedoria teológica constitui a meta da própria vida.”
-Whybray (atitude diante da vida) tem uma perspectiva diferente da sede social da sabedoria: não crê na existência de um grupo profissional ou esotérico, enquanto Von Rad atribuía essa acção a um grupo específico. Prefere fala de «tradição intelectual» do que de «tradição sapiencial». “Para ele, a «sabedoria» do AT é um mundo de ideias que reflecte uma atitude diante da vida. Em cada geração existem pessoas que reflectem sobre as eternas perguntas da vida e que fazem outros participantes das suas reflexões.”[12] Ambos estão de acordo em que a reflexão sobre a vida constitui o ponto de partida do trabalho da empresa «sapiencial»; também em que a articulação de tal reflexão acabou adquirindo um carácter distintivo. Contudo, não partilham critérios sopbre dois aspectos:
- a função desempenhada por essa reflexão articulada na formação da tradição israelita;
- e a existência de uma classe profissional de sábios responsáveis pela conservação e eventuais desenvolvimentos da tradição intelectual.
“A partir fundamentalmente dos seus estudos sobre os termos hokmah (sabedoria) e hakam (sábio), Whybray chega à conclusão de que, a julgar pelo uso destes termos no AT, «a sabedoria não é mais que uma dotação natural que algumas pessoas possuem em maior grau que outras... Uma inteligência inapta de tipo geral» (...). Mas numa sociedade como a israelita daquele tempo, a inteligência estava naturalmente associada com o domínio da linguagem”[13] o que segundo Whybray induziu autores a pressuporem a existência de escolas de formação.
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