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MITO E FILOSOFIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

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Por:   •  9/9/2014  •  5.910 Palavras (24 Páginas)  •  1.097 Visualizações

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Universidade de São Paulo – Faculdade de Educação

Seminários de Estudos em Epistemologia e Didática – 1o semestre / 2007

Coordenador: Nílson José Machado

Vladimir Fernandes

vladfernandes@ig.com.br

1. MITO E FILOSOFIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Mito: primeira forma de atribuir sentido ao mundo

O desejo de conhecer ou de buscar um sentido para o mundo circundante parece ser inerente

aos vários agrupamentos humanos em diferentes épocas e lugares. Essa busca de sentido ocorre a

partir do momento que o ancestral humano passa a enterrar seus companheiros mortos e ter idéias

mágico-religiosas para explicar os fenômenos a sua volta.

Platão, no Teeteto (155 d), afirmou que a Filosofia começa com o thaumátzein, com o

admirar-se com o espantar-se, tese reafirmada por Aristóteles na sua Metafísica (982 b13).

Admiração e espanto diante de um mundo carregado de interrogações, cujas explicações por vezes

não satisfazem ou que não se possui as respostas. Aí então, diante de interrogações que se

configuram como problemas, inicialmente sem solução, experimenta-se um misto de espanto e

admiração. Espanto diante do próprio espetáculo da natureza, da multiplicidade de coisas existentes,

de fatos surpreendentes, das diferentes formas de vida, dos astros que deslizam na abobada celeste e

admiração, um sentimento de estranhamento por algo que se apresenta como não obvio, não comum,

que oculta alguma conexão lógica.

Pode-se ampliar e ao mesmo tempo retroceder esse espanto e admiração como impulso para

filosofia, como também impulso para o mito.1

O homem primitivo diante de um mundo desconhecido, cheio de mistérios como o

nascimento, a morte, a sucessão alternada entre dias e noites, as mudanças climáticas etc, tinha

necessidade de entender esse mundo. Essa necessidade é própria da condição humana já que o ser

humano, diante do medo, da admiração e do desconforto produzido pelo desconhecido precisa darlhe

sentido. O caos necessita ser ordenado pela cosmogonia mítica para o ser humano encontrar o

seu lugar.

Segundo o filósofo Ernst Cassirer, em sua obra Filosofia de las Formas Simbólicas II: el

pensamiento mítico, o mito é a forma mais primitiva de conformação espiritual do mundo. “Muito

antes que o mundo se dê a consciência como um conjunto de „coisas‟ empíricas e como um

complexo de „propriedades‟ empíricas, se lhe dá como um conjunto de potências e influxos

mitológicos”.(1998, p.17). Os mitos resultam das experiências coletivas dos homens, que não se

reconhecem como produtores desses mitos, já que não têm consciência da projeção do seu eu

subjetivo para os elementos do mundo. Segundo Cassirer, os “mitos” construídos por indivíduos,

como por exemplo, os “mitos platônicos”, não podem ser considerados mitos genuínos.2 Em Platão,

os “mitos” foram elaborados de forma livre, com finalidades éticas e pedagógicas definidas. Platão

não estava submetido ao seu poder. Já o mito verdadeiro não se reconhece a si mesmo como uma

1 É verdade que se trata de graus diferentes, já que a admiração e espanto da filosofia podem ser movidos por

uma explicação mítica e o contrário não ocorre.

2 Por isso mesmo é mais correto designá-los como alegorias.

2

imagem ou metáfora; a sua imagem é a própria realidade. As emoções expressas são transformadas

em imagens e essas imagens são a interpretação do mundo exterior e interior. Ou seja, “... com o

mito o homem começa a aprender uma nova e estranha arte: a arte de exprimir, e isso significa

organizar, os seus instintos mais profundamente enraizados, as suas esperanças e temores”

(CASSIRER, 1976, p.64). Por isso, o pensamento mítico não deve ser compreendido como mera

ilusão ou patologia, mas sim como uma forma de objetivação da realidade mais primária e de caráter

específico.

1.2. A busca de uma explicação racional para o existente

Conforme foi abordado anteriormente, o mito é a primeira forma que o ser humano utilizou

para dar sentido ao mundo. Ele é um tipo de saber afetivo, coletivo e dogmático. Mas chega um

momento no decorrer do processo histórico que a explicação mítica passa a ser questionada, por

aqueles que seriam conhecidos como os primeiros filósofos, pelos pré-socráticos, preocupados em

buscar a arché, o princípio fundamental das coisas. Estes, agora, buscam dar uma explicação

sustentada em argumentos racionais para o existente. Mas como foi possível o surgimento dessa

busca de explicação racional para o existente em oposição ao pensamento mítico?

Essa transição foi um processo lento e gradativo e não significou o desaparecimento das

concepções míticas. Segundo Jean Pierre Vernant, em As origens do pensamento grego, esse

pensamento

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