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O Universo, Deuses, Pessoas

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Por:   •  8/10/2014  •  Resenha  •  528 Palavras (3 Páginas)  •  286 Visualizações

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O universo, os deuses, os homens (2003) e as memórias intituladas Mito e política são os últimos livros publicados por Jean-Pierre Vernant, e têm o traço comum, que os distingue dos outros livros anteriores do mesmo autor, de apresentar de certo modo programaticamente uma autointerpretação.

Em O universo, os deuses, os homens o autor se apresenta como um contador de mitos gregos, primeiro para o neto Julien e depois para um seleto grupo de amigos isolados numa certa ilha, como se contar e ouvir mitos gregos ainda pudessem fascinar como um entretenimento repetido e repetitível. Esse traço de contador de mitos e esse pressuposto de que estes possam ser um entretenimento repetido e repetitível são, a nosso ver, essenciais à compreensão do que este livro é e se propõe, a saber, reatualizar os mitos gregos.

A persona do contador de mitos gregos confere ao escritor desse livro algo do inefável poder característico dos antigos contadores de mito – o poder de mostrar mediante a narrativa (propriamente dita "mito") como o mundo se estrutura e se explica em seus aspectos fundamentais. O avô contador de mitos não está apenas contando histórias para o neto antes de dormir, mas transmitindo à geração seguinte o conhecimento do mundo. Assim, ainda que por profissão fosse eminente helenista, o avô transmitia ao seu neto não só o conhecimento dos mitos contados, mas o conhecimento do mundo em tempos vividos pelo avô.

Nesse sentido, O universo, os deuses, os homens reflete, a nosso ver, a imagem do mundo nos tempos vividos por Jean-Pierre Vernant. Parece-nos que poderíamos distinguir, na imagem do mundo descrita pela narrativa vernantiana do mito, o que pertence aos tempos vividos por Jipé (como o neto Julien o chamava) e o que pertence ao pensamento mítico documentado na Teogonia de Hesíodo.

Para o propósito dessa distinção, retomemos a descrição da noção mítica de Caos na narrativa vernantiana e o que podemos ler e colher da noção mítica de Caos no texto da Teogonia (2006) de Hesíodo, tentando comparar e distinguir o que há a mais e a menos por um lado nessa narrativa e, por outro, nesse texto.

Jean-Pierre Vernant aceita de Paul Mazon a tradução de Kháos por "Abismo" e entende "Abismo" no mesmo sentido que Tártaro, com o que se compromete a compreensão da relação entre Kháos e Gaîa, cuja tradução por "Terra" não nos parece tão questionável quanto a de Kháos por "Abismo". Parece-nos que esse compromisso na compreensão da relação entre Kháos e Gaîa se deve antes aos tempos vividos por Jipé do que ao pensamento hesiódico documentado na Teogonia. Trocando em miúdos, examinemos as razões de nossa suspeita de que o "Abismo" vernantiano possa não ser o Kháos hesiódico.

"Abismo", por via do latim abyssus, vem do grego ábyssos, que significa literalmente "sem fundo", formado do prefixo negativo "a-" e de bússos, "fundo (do mar)". Isso corresponde à descrição do Tártaro na Teogonia, mas, a nosso ver, não necessariamente à de Kháos.

Pressupomos uma distinção de Kháos e Tártaro, porque são dois nomes distintos, com conotações e evocações distintas, ainda que sejam associados.

Há na Teogonia quatro ocorrências

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