Popper Wettgensten
Exames: Popper Wettgensten. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: adessos2 • 15/7/2014 • 2.543 Palavras (11 Páginas) • 254 Visualizações
Popper no varejo, Wittgenstein no atacado
Algumas pessoas imaginam que a filosofia tem algo a ver com os manuais de boas maneiras da Danuza Leão. Mas não tem. O filósofo polido demais e incapaz de se irritar deveria desconfiar desse seu comportamento, talvez ele não seja um bom filósofo. Esse é um aviso que vem desde Heráclito, de gênio forte e, como sabemos, filósofo de mão cheia. Por outro lado, desde Sócrates, filósofos incapazes de irritar alguém, de provocar mesmo, corajosamente, nunca foram glorificados como autênticos filósofos. Os filósofos vivem intensamente suas doutrinas
As disputas em filosofia são necessárias – e a veemência e o ardor da disputa fazem parte do fato de que as discussões filosóficas não são “meramente sobre idéias”. São de fato e principalmente sobre idéias e discursos – o que os filósofos possuem como o de mais pessoal. Quem diz, eu atacado idéias e não pessoas, ou está mentindo e é hipócrita, ou não entendeu nada de filosofia. As idéias da filosofia são todas pessoais, pois direta ou indiretamente eles podem mudar a vida de cada um de nós. Os filósofos são os que sabem disso de modo apropriado, e por isso se exacerbam na defesa e ataque do que podemos contar e argumentar. Wittgenstein chegou a dizer que um filósofo que nunca entrou numa disputa dura por suas idéias seria como um boxeador que nunca subiu ao ringue.
Ora, por falar em ringue, foi exatamente para este lugar que Karl Popper e Wittgenstein quase se deslocaram na primeira e única vez que se encontraram, e por poucos minutos. Popper sempre foi um polemista ardoroso e adorava uma contenda. E se confiarmos nas observações de Bertrand Russel sobre Wittgenstein, que dizia “vou ver se Deus chegou” ao avisar a esposa que iria buscar seu jovem amigo na estação, o quase-pugilismo (ou esgrima – por conta do “poker”) é perfeitamente compreensível. Isso não os fez menos inteligentes, nem mesmo menos razoáveis. Ambos sabiam bem – como também Russell sabia – que filósofos ocidentais são, antes de tudo, ocidentais, não são monges.
Bem, é certo que Nietzsche até achava que todos os filósofos eram da mesma linhagem de Buda e Cristo, mais (dissimuladamente) mansos do que deveriam ser. Mas, o fato é que entre o folclore que restou do encontro, uma das versões diz que a mansidão só imperou porque o anfitrião Bertrand Russell interveio, e assim Wittgenstein e Popper não chegaram a se machucar.
As versões sobre o evento são contestadas, sendo que as fãs de ambos os contendores ainda hoje se mobilizam para puxar brasa para suas sardinhas. Além disso, essa é uma disputa esquisita, pois ao contrário do que ocorre no esporte, nesse caso surgiram até mesmo os fãs do árbitro. Há os que viram Bertrand Russell no papel de herói do momento que, com sua autoridade, rugiu na sala em favor de Popper, o visitante. Tudo teria ocorrido a partir de um determinado momento da palestra de Popper. Ele estava ali para falar sobre “os problemas da filosofia”, e os estava enumerando. Wittgenstein interveio e de maneira rápida tentou desqualificar todos os problemas, insistindo que eram pseudo-problemas. Wittgenstein gesticulava com um tipo de bengala na mão, que costumava usar, e Popper aproveitou a chance: “Not to threaten visiting lecturers with pokers.” Ainda na versão de Popper, Wittgenstein jogou a bengala no chão e saiu batendo a porta fortemente.
Wittgenstein de fato usava tal bengala e, não raro, quando se entusiasmava, gesticulava agressivamente aquilo, mas sem intenção de ir adiante, é claro. É certo que a maneira que Popper contou o caso o colocou em boa posição; era como se ele tivesse tido presença de espírito e, ao colocar jocosamente Wittgenstein em situação de agressor, desmontou-o. Era a única coisa a fazer, diante da maneira seca de Wittgenstein atuar. Dado que Wittgenstein o desqualificava de modo rápido, sem grandes argumentos, o melhor seria se livrar dele com um tipo de piada, de brincadeira. Usando de um tom grave, Popper teria atraído a atenção de Russell que, conhecendo bem Wittgenstein – e também Popper – preferiu intervir o mais cedo possível.
Os adeptos de Danuza Leão podem ler tudo isso hoje e achar que os filósofos são “mal educados”. Os medíocres podem achar que os filósofos são como que crianças – seres egocêntricos, imaturos. Os medíocres falam de “disputas de egos” para avaliar o encontro de filósofos, mas não possuem a menor idéia de como que um ego filosófico funciona, pois não entendem o material de manuseio do filósofo.
Ambos os filósofos sabiam que o que defendiam era importante – importantíssimo. E de fato ali ocorreu um confronto entre as duas principais maneiras de se compreender a filosofia no mundo contemporâneo. Popper sempre acreditou que podia distinguir ciência de não-ciência de uma maneira filosófica tão rigorosa quanto os critérios que exigia para que uma teoria fosse ciência. Por sua vez, Wittgenstein acreditava – contra o seu passado – que a filosofia não tinha esse poder, uma vez que seu papel, ao menos até então, havia sido o de criar problemas por causa de sua vocação para a desterritorialização da linguagem.
Tantos anos após esse episódio – que rende bastante no campo da literatura de biografias – é interessante notar o quanto esses dois austríacos estão unidos pelo contraste. O destino não os aproximou alterando suas teses por meios de interpretações. Eles se tornaram próximos na medida em que aquilo que defenderam continua tendo o apreço de outros filósofos e um modo especial: cada lado absorveu um pouco do espírito do contendor. E isso não só pelo trabalho deles dois, mas pelo desenvolvimento geral da filosofia.
Entre as inúmeras possibilidades de sentir como é a convivência hoje das teses centrais de Wittgenstein e de Popper, coloco minhas cartas na mesa. Não são todas as cartas, são somente as minhas.
A filosofia caminhou de um modo no século XX que é difícil não ver agora, no final da primeira década do século XXI, que vários entre nós, até mesmo os que fazem filosofia de modo tradicional, temos estado bem menos dispostos a escrever e a falar de um modo fundacionista. Ainda que ninguém mais use o termo pós-moderno, o clima pós-moderno é agora vigente. Saiu da moda para se acomodar em nossa alma. Ou seja, todos nós estamos mais dispostos a tomar nossas teorias filosóficas em um sentido ad hoc. Pode ser que não com o radicalismo de Richard Rorty, mas com muito mais boa vontade do que há trinta anos. Wittgenstein deixou uma contribuição nesse sentido, em especial nas Investigações filosóficas. E penso que é neste clima que a melhor idéia de Popper deveria ser lida. Ou seja, no atacado vamos de Wittgenstein, ainda que no varejo
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