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Pra Que Filosofia?

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Por:   •  1/5/2014  •  4.990 Palavras (20 Páginas)  •  295 Visualizações

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As evidências do cotidiano

Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou

recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “ que horas são?”,

ou “que dia é h oje?”. Dizemos frases como “ ele está sonhando ”, ou “ela ficou

maluca”. Fazemos afirmações como “ onde há fumaça, há fogo ”, ou “não saia na

chuva para não se resfriar ”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo,

“ esta casa é mais bonita do que a outra ”e “Maria está mais jovem do que

Glorinha”.

Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode

gritar ao outro: “ Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e

alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um

diga o que viu e vamos nos entender ”.

Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos muito

subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. Freqüentemente,

quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos q ue essa

pessoa “ é legal ”.

Convite à Filosofia

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Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano.

Quando pergunto “que horas são?”ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a

de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em

que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo

existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é

diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o

passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim,

uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas

por nós.

Quando digo “ ele está sonhando ”, referindo -me a alguém que diz ou pensa

alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas

crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no

sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e

também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona

com o que existe realmente.

Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso percebê -la e

conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão.

A frase “ ela ficou maluca”contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que

sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma

realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de

loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que é a mesma

para todos, ainda que não gostemos das mesmas coisas.

Quando alguém diz “ onde há fumaça, há fogo ”ou “não saia na chuva para não se

resfriar ”, afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de

causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma

causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça

como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito). Acreditamos, assim, que a

realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se

encadeiam em relaçõescausais que podemos conhecer e, até mesmo, controlar

para o uso de nossa vida.

Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, ou que Maria está

mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações,

os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio,

bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim,

que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá -las em

nossa vida.

Se, por exemplo, dissermosque “ o sol é maior do que o vemos”, também

estamos acreditando que nossa percepção alcança as coisas de modos diferentes,

ora tais como são em si mesmas, ora tais como nos aparecem, dependendo da

Marilena Chauí

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distância, de nossas condições de visibilidade ou da localização e do movimento

dos objetos.

Acreditamos, portanto, que o espaço existe, possui qualidades (perto, longe, alto,

baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largura, altura). No

exemplo do sol, também se nota que acreditamos que nossa visão pode ver as

coisas diferentemente do que elas são, mas nem por isso diremos que estamos

sonhando

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