Valor do trabalho
Por: karenfa • 4/5/2015 • Resenha • 517 Palavras (3 Páginas) • 276 Visualizações
Do valor do trabalho
Eduardo Calvo
No Japão nos anos 90 fiz uma palestra para detentos de uma instituição penal. Até à última hora hesitando sobre que tema escolher no meu mais ou menos correto, mas limitado japonês, cheguei pela frente da seleta audiência e uma luz se acendeu no meu espírito. Decidi discorrer sobre o valor regenerador do trabalho. Perante aqueles olhos entre curiosos e surpresos que me fixavam como a um extra-terrestre, fila sim fila não de detentos e agentes penitenciários, encontrei as palavras.
Nas prisões japonesas se pratica o trabalho. Os reclusos trabalham obrigatóriamente 8 horas por dia sob um regime fortemente disciplinador, em verdadeiras fábricas.
Não sei se o regime japonês está certo ou errado mas acredito que o ritual do trabalho pode ser um veículo de regeneração do ser humano, com sentido pedagógico e formativo para uma reintegração no fluxo harmónico da existência.
Mas o trabalho não tem valor apenas para os encarcerados. Vivemos debaixo de vários conceitos e preconceitos gerados nos USA, sendo um deles o de que menores de idade não podem trabalhar porque têm que estudar apenas, e por isso condenamos, por exemplo, famílias de catadores de lixo que trabalham juntas, desde tenra idade dos filhos. Ao mesmo tempo premiamos os crimes mais hediondos com penas curtas e bolsas família. Naturalmente que existe exploração do trabalho infantil em várias regiões do mundo, com prejuízo da saúde e do futuro dos explorados. Mas a tendência dos governos pseudo-democráticos e pseudo-humanistas deste planeta, é a de emitir decretos simplistas e pouco profundos que cobrem situações muito variadas e dispares, sem análises caso a caso. Assim são igualados os casos de ajuda à família por inevitabilidade na sobrevivência com os casos de exploração capitalista de crianças. Mas mesmo esta, empalidece perante os padrões de exclusão social que levam inocentes ao caminho do desespero e do crime.
O valor educativo do trabalho real na resolução da vida cotidiana, na sobrevivência ou na expressão de uma vocação, não é reconhecido na escola. O aluno é colocado perante situações hipotéticas, desligadas da realidade da vida, quando poderia estar resolvendo problemas existentes para além da escola.
Como a prisão produtiva, a escola produtiva, centrada em projetos de trabalho real, com objetivos de edificação da sociedade humana na relação consigo mesma e com o seu ambiente, pode ser um modelo ideal para o futuro. Isto porque não temos tempo a perder na reversão do enorme dano que o modelo vigente causou e vem causando ao planeta e ao futuro das próximas gerações.
O trabalho pode ser um prazer, como no caso do artista, ou uma enorme carga como o do escravo. Ser livre significa poder escolher a que atividade se dedicar. Já que somos todos servidores do dinheiro, então que façamos aquilo de que gostamos, para compensar. O mais desejável, dentro desta situação de que não conseguimos sair, é que o dinheiro seja uma consequência do trabalho e não o seu objetivo.
Existe muito mais dignidade na existência da criança catadora de lixo do que na vida do consumidor cego e compulsivo que o produz, por muito que isso choque nossas mentes burguesas.
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