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País Que Fica Até 3 Meses Sem Ver O Sol

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Por:   •  19/3/2015  •  1.815 Palavras (8 Páginas)  •  293 Visualizações

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Miguel Bas

Norilsk é um dos poucos lugares do mundo onde uma pessoa pode perguntar se é de dia ou de noite sem ter medo de que alguém ache que ela está maluca. Três meses por ano, de novembro a fevereiro, o sol não nasce em Norilsk e somente a aurora boreal rompe a escuridão da longa noite. Em troca, de maio a junho o sol não desaparece do horizonte e é sempre dia.

O longo dia acaba não sendo menos difícil para o ser humano que a noite interminável, aos quais se somam os ventos e o frio quase eterno. "E o verão, é quente?". "Sim, mas este ano caiu em um dia de trabalho", respondem em Norilsk, onde a temperatura média de julho, o mês mais "quente", é de 15ºC.

O senso de humor é obrigatório para sobreviver em Norilsk, como o melhor remédio para evitar a doença que os médicos chamam de síndrome de tensão ártica.

A primeira impressão sobre o clima e a interminável noite polar atemorizam o turista que poderia ser acometido de uma rara doença se ficasse aqui mais tempo, mas depois de seu primeiro contato com os habitantes de Norilsk os medos desaparecem.

De manga curta acima do círculo polar

Para a primeira viagem a Norilsk, onde já em outubro a temperatura pode chegar a 30 graus negativos, deve-se carregar a bagagem de roupa térmica, peças grossas de lã etc. E se passará mal no destino, pois em cada casa, escritório, cafeteria, em cada local que entre encontrará homens de camisetas de manga curta e mulheres com vestidos de verão. O calor invade toda a cidade, apesar das casas serem erguidas sobre o gelo perpétuo, que se estende sob seus alicerces até cerca de 100 metros.

A exceção é a rua, onde as temperaturas atingem às vezes os 60 graus abaixo de zero com ventos de 30 metros por segundo, por isso que de todo modo é preciso usar um casaco grosso. Certo é que a rua é adaptada como em nenhum outro lugar da Rússia para proteger o transeunte das inclemências árticas. Os prédios têm forma de quadrado, para proteger os pátios interiores do vento, e sob os arcos que levam para dentro das edificações há varandas que ajudam a suportar as investidas dos furacões árticos.

Graças em grande parte a Norilski Nikel, o todo-poderoso consórcio industrial que tudo controla para bem de seus cidadãos nesta cidade, as paradas do transporte público são sólidas edificações com calefação, portas e janelas. Lugares aptos até para viver, pois não será uma piada o relato de um autóctone, que apanhado pela tempestade, com visibilidade nula e ventos fortes, teve que pernoitar em um parada de ônibus a 50 graus abaixo de zero.

Embora hoje esta situação já não seria vista, pois o Norilski Nikel comprou para a cidade ônibus capazes de continuar em funcionamento no meio de qualquer tempestade. Fez-se muito para que a vida nesta inóspita cidade seja menos desagradável e somente um lugar lembra tempos ainda mais obscuros que a noite ártica, quando o homem fazia tudo para que a vida dos seus semelhantes, os primeiros habitantes, fosse muitos mais difícil.

Norlag, o inferno glacial

Como em muitos outros lugares da imensidão da Rússia, os pioneiros destas inóspitas terras foram os presos que tiveram a "sorte" de não ser fuzilados, mas condenados a trabalhos forçados, em autênticos campos de concentração, dignos da Alemanha nazista, durante as expurgos stalinistas de meados dos anos 30. Os mais sortudos chegavam aqui durante o curto verão por rio ou a pé, outros, a maioria, tinham que percorrer andando, sob o terrível frio, dezenas de quilômetros desde a ferrovia mais próxima.

Delinquentes comuns não eram enviados para lá. Todos os internos do Norlag, como se chamava a mais fria ilhota do terrível arquipélago Gulag, descrito anos depois pelo Nobel Aleksandr Solzhenitsin, eram presos políticos - homens e mulheres de toda a enorme União Soviética - cientistas, médicos, engenheiros, professores, artistas.

Com os anos, Norlag foi se transformando no reflexo da expansão do império de Stalin e das repressões do sanguinário ditador. Primeiro chegaram os oficiais das repúblicas bálticas, letãos, lituanos, estonianos; depois os poloneses. Foram os presos que com picareta e pá, no meio do perpétuo congelamento, construíram as primeiras pedreiras, a fábrica e a velha cidade. Entre 1935 a 1956 passaram por Norlag pelo menos 400 mil prisioneiros.

No meio do frio polar trabalhavam mal vestidos e desnutridos durante 12 horas diárias, para depois ir 'descansar' nos barracões, tiritando de frio e escutando os uivos do vento polar. Viviam ou sobreviviam, sonhando com a liberdade sob a aurora boreal, e aqui morriam, esperando-a.

Hoje, ao pé do Monte Shmidt continua o cemitério onde os presos eram enterrados. No começo dos anos 90, após a queda do comunismo, se levantou neste lugar o monumento "O calvário de Norilsk". Ao pé do monte, o vento gelado se introduz por todas as partes entre as roupas do viajante, entrando até os ossos.

Protótipo de estação lunar

Somente as enormes riquezas naturais do subsolo justificam a presença do homem em condições tão desumanas, sugerindo a comparação de Norilsk, onde toda a vida circula em torno da produção da Norilski Nikel, com uma futura estação lunar.

Toda comunicação com o "continente", como chamam aqui o resto da Rússia, é feita por cabo marítimo, fluvial e aéreo do gigantesco consórcio. Para transportar os metais que produz, o gigante industrial construiu toda uma frota de quebra-gelos e navios de transporte capazes de navegar ente as geleiras durante a maior parte do ano.

No outono do ano passado, o quebra-gelos de carga Monchegorsk, propriedade da Norilski Nikel, cobriu em uma só temporada de navegação a rota desde Murmansk, no extremo norte europeu da Rússia, até a cidade chinesa de Xangai.

A Norilski Nikel desenvolve o ciclo completo de produção, desde a prospecção e produção de matéria-prima até a fundição e comercialização dos metais. Seus produtos são exportados para 20 países e nas joalherias de Norilsk podem ser compradas joias elaboradas de sua platina e paládio.

Durante o breve verão, a frota fluvial se encarrega de transportar tudo o que for necessário para a vida durante o longo inverno pelo rio Yenisei até o porto de Dudinka, que junto com a ferrovia local também pertence ao consórcio.

No entanto, salvo pelas provisões de alimentos, e nem todos, Norilsk é praticamente uma cidade autossuficiente.

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