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Encontro de Pós Graduação em História Econômica

Por:   •  5/9/2019  •  Pesquisas Acadêmicas  •  13.755 Palavras (56 Páginas)  •  118 Visualizações

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Dominação de Classe, Desenvolvimento Industrial e Reformismo Burguês em Inglaterra

A Revolução Industrial Enquanto Projeto Político

Daniel Schneider Bastos (PPGH - UFF)[1]

Resumo        

        A influência do marxismo sobre a história social britânica teve, entre seus muitos frutos, o desenvolvimento de valiosas reflexões sobre a dominação de classe durante a Revolução Industrial. As questões mais relevantes sobre esse tema, contudo, perderam espaço na historiografia, conforme novos paradigmas desprestigiaram o  emprego das referências e modelos macro-históricos de orientação marxista, que possibilitavam conceber a industrialização em sua dimensão de projeto de dominação. O presente artigo se divide em duas partes. Na primeira, argumenta que o abandono do quadro teórico-metodológico marxista explica a razão pela qual  parte influente da história social perdeu a capacidade de abordar satisfatoriamente esse objeto. Na segunda, propõe um novo olhar sobre a intelectualidade orgânica da burguesia inglesa como forma de retomar e avançar os estudos sobre a dominação de classe nessa conjuntura.

Palavras-chave: Revolução Industrial, dominação de classe, burguesia, marxismo, capitalismo, liberalismo, história da Inglaterra.

Abstract

        The influence of Marxism over the British social history had, among its many fruits, the development of valuable reflections about the class domination during the Industrial Revolution. The most relevant questions about this subject, however, lost field inside historiography, as new paradigms discredited the use of the references and macro-historical models of Marxist orientation, which made possible to conceive the industrialization in its dimension of domination project. This article is divided in two parts. In the first one, it argues that the abandonment of the Marxist theoretical-methodogical framework explains the reason why an influent part of the social history lost the capacity of approach properly this object. Secondly, it offers a new insight above the organic intellectuality of the English bourgeoisie as a way of resume and push forward the studies about class domination inside this conjuncture.

Key-words: Industrial Revolution, class domination, bourgeoisie, Marxism, capitalism, liberalism, history of England.

        

        A Revolução Industrial britânica suscita, por seu pioneirismo, debates intermináveis sobre sua natureza e as dinâmicas engendradas em seu desenrolar. Esse artigo retoma especificamente o problema da dominação de classe durante esse processo, apresentando duas proposições principais. A primeira é a de que, nas últimas décadas do século passado, novos paradigmas historiográficos, dentro da história social, conduziram o tema da dominação a um esvaziamento de suas grandes questões essenciais. Trata-se de uma reflexão analítica sobre os rumos de uma tradição historiográfica que, ao afastar-se gradativamente de modelos macro-históricos de orientação marxista, atingiu um estágio onde não mais dispõe de arcabouços teóricos que possibilitem o grau de abstração necessário para inquirir sobre a dominação.

        Em segundo lugar, defendo a centralidade das categorias de "intelectualidade orgânica" e "burguesia não-econômica" como modo de compreender a ação política dos setores sociais alinhados ao interesse industrialista durante a Revolução Industrial, e como essa atuação esteve orientada em torno de um programa político-ideológico de escopo totalizante, a partir do qual se construiu uma ideia de sociedade mais afinada às expectativas de acumulação de capital das novas formações econômicas. Se a primeira proposição segue a linha de diagnóstico, a segunda sugere efetivamente um caminho para a história social, que restabeleça sua capacidade de operar em nível de totalidade, condição indispensável para que retome as grandes questões referentes à luta de classes.

A história social britânica: da tradição marxista ao determinismo linguístico

        Desde sua emergência em meados do século passado, a história social britânica teve na Revolução Industrial um objeto privilegiado. Nessa trajetória, a ideia de "classe" esteve no centro das narrativas historiográficas desenvolvidas, mesmo entre historiadores não-marxistas. A centralidade desse conceito não refletia um consenso geral em torno do arcabouço teórico-metodológico marxista, muito menos acerca de juízos morais de natureza anti-capitalista. Mas até a década de 1970, podemos dizer que a história social manteve, em suas disputas, referências macro-históricas abstratas. "Abstração", nesse caso, deve ser entendida não como finalidade ou categoria estática, mas tomada enquanto etapa necessária de um processo epistêmico dialético. Isso é, reconhecer que o trabalho empírico realizado pelo historiador junto às fontes não deve se encerrar sobre os limites textuais das mesmas, mas reverberar para além do que está contido no texto da própria fonte, de modo a contribuir para a elaboração de um quadro macro-histórico, no qual a história pode desempenhar seu papel de campo de luta política como forma de orientar o presente.

        A melhor expressão desse processo se deu através da dialética entre empiria e modelo descrita por Thompson[2]: a primeira, ao operar dentro de recortes estritamente delimitados, identifica as inevitáveis contradições que caracterizam o social, exercendo atritos em relação aos modelos que orientam a pesquisa; o modelo, por sua vez, deve ser repensado à luz das revelações da empiria, para que possa ser adequado às novas contribuições, refinado de modo a incentivar estudos que potencializem essas descobertas. Ao se constatar que, perante o trabalho empírico, o modelo não pode se adaptar sem com isso se esgarçar ao ponto de perder sua coesão interna, é porque se tornou uma ferramenta obsoleta para impulsionar  a pesquisa histórica, devendo ser abandonado em prol da elaboração de um novo arcabouço teórico-metodológico.

        A tentação por abandonar os modelos, que começou a calcar ao patamar de paradigma a partir de 1968, explica em grande medida certa tendência redundante, para a qual convergiram influentes abordagens empíricas popularizadas nas últimas quatro ou cinco décadas. O apego ao discurso enquanto instância absoluta da narrativa histórica, a convicção de que o aparato teórico-metodológico deve se restringir às estratégias mais imediatas de captação desse discurso, rejeitando seu desdobramento em categorias generalizantes que almejem ordenar a totalidade histórica, se traduziu na incapacidade de dar seguimento satisfatório aos debates que atravessavam essas generalizações. Fonte alguma há de responder às questões que o historiador não pode mais formular. Na ausência das referências macro-históricas abstratas, a empiria estará fadada a se encerrar nos limites da linguagem do texto das fontes.

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