A Escrita Epistolar Como Fonte Para Pesquisa em História
Por: Fernando Luz • 14/5/2017 • Trabalho acadêmico • 6.753 Palavras (28 Páginas) • 448 Visualizações
ESCRITA EPISTOLAR E PESQUISA EM HISTÓRIA: USOS E LACUNAS NO DEBATE HISTORIOGRÁFICO (2012-2015)
Fernando Silva da Luz[1]
RESUMO: O artigo visa examinar o debate sobre o uso de fontes documentais na pesquisa em História, em específico, registros epistolares, no caso, as cartas. A partir de que momento foi possível problematizar esse tipo de registro como um documento dotado de historicidade? Quais as potencialidades da escrita epistolar para os estudos históricos? Quais problemáticas os estudos brasileiros apontam e quais grupos institucionais estudam a correspondência? A problematização considera o tema no âmbito da teoria da história, bem como identificar potencialidades da correspondência para a investigação histórica a partir do levantamento de artigos nos quais os autores usaram a correspondência como fonte. A metodologia, pautada no mapeamento em bancos de dados, catálogos e acervos disponíveis on-line, em âmbito nacional, de revistas identificadas pelo extrato A1 no portal Qualis/CAPES, permitiu reconhecer possibilidades e limites em relação aos usos de documentos epistolares nos estudos históricos. Como resultado, é possível concluir que o uso da escrita epistolar, nos diferentes artigos levantados, permitiu perceber que embora em variados contextos e com objetivos distintos entre si, no que tange aos estudos históricos, a fonte epistolar apresenta certas características privilegiadas para a análise de múltiplos temas, por outro lado, seu uso implica em variadas dificuldades no âmbito do acesso e manuseio das fontes. ainda se revela recente a ideia de que esse tipo de escrita pode ser considerada privilegiada e transformada ela mesma, o próprio objeto da pesquisa histórica.
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Palavras-chave: Teoria da História; Escrita Epistolar; Correspondências.
- INTRODUÇÃO
As mudanças em relação à fonte documental, que serve de base para análise histórica, devem ser pensadas como um processo gradativo, mas não progressista ou evolutivo. O uso de fontes documentais na pesquisa em História remonta o debate sobre o que se considera como documento, temática que abrange o debate sobre o uso da escrita epistolar. No caso deste estudo em específico, será avaliado o debate em torno do uso de correspondências, isto é, de cartas como fonte para a pesquisa em História.
O paradigma histórico tradicional mostra uma história objetiva, a corrente conhecida como Escola Metódica, representada na figura de Leopold von Ranke, pregava a neutralidade ao historiador quanto ao exame de suas fontes. Acreditava-se que para obtenção de resultados cientificamente aceitos o historiador deveria manter uma postura isenta e imparcial, nunca se deixando condicionar pelo ambiente sócio-político-cultural estudado ou vivido. Os fatos narrados por esta corrente histórica eram eventos políticos, administrativos, diplomáticos, religiosos e, de modo geral, o que analisavam eram documentos oficiais, mesmo que estes registros trouxessem não somente o ponto de vista emanado do centro, do poder, seu uso resultava na apresentação de uma história vista de cima, desprezando aspectos considerados menores na escala de análise.
Em contraponto, aconteciam outros movimentos intelectuais no âmbito da História com o objetivo principal de renovação da historiografia, a expansão de possíveis pontos de vistas novos. No entanto, esses pontos de vistas não eram tão novos assim como permite observar o referencial consultado:
Para muitas pessoas, a nova história está associada a Lucien Febvre e a Marc Bloch, que fundaram a revista Annales em 1929 para divulgar sua abordagem, e na geração seguinte, a Fernand Braudel. Na verdade, seria difícil negar a importância do movimento para a renovação da história, liderado por esses homens. Todavia, eles não estavam sozinhos em sua revolta contra os rankeanos. Na Grã-Bretanha dos anos 30, Lewis Namier e R.H. Tawney rejeitaram ambos a narrativa dos acontecimentos para alguns tipos de história estrutural. Na Alemanha, por volta de 1900, Karl Lamprecht tornou-se impopular, expressando seu desafio ao paradigma tradicional. A desdenhosa expressão histoire événementielle, “história centralizada nos acontecimentos”, foi inventada nessa ocasião, uma geração antes da época de Braudel, Bloch e Febvre. Expressa as idéias de um grupo de estudiosos concentrados em torno do grande sociólogo francês Emile Durkheim e sua revista Année Sociologique, publicação que ajudou a inspirar os Annales (BURKE, 1992, p.17).
Assim, embora a documentação considerada oficial usufruísse de um destaque e de teor de “verdade absoluta”, como pressupunha a Escola Metódica de Ranke e o Positivismo de Augusto Comte, no início do século XX era possível perceber, ainda que de forma embrionária, a ideia de renovação no campo da História. Essas transformações consequentemente atingem as fontes de pesquisa, objeto central desse estudo. Em contraposição à definição positivista e historicista de documento, surgia uma nova forma de interpretação do que poderia ser considerado como fonte para a pesquisa em História.
A possibilidade de uso de outros registros além dos documentos oficiais é iniciada nos anos de 1900, conforma aponta Burke (1992), uma geração antes dos Annales. Todavia, é com esse movimento paradigmático no campo da História que a ideia vai se fortalecer, principalmente pela interdisciplinaridade proposta por Lucien Febvre e March Bloch. Ambos acreditavam que a História isolada não produziria mais do que um conhecimento parcial, daí a importância de um paralelo com as ciências vizinhas como, por exemplo, Filosofia, Sociologia, Geografia, Antropologia, Psicologia, entre outras, não tão próximas. Essa mudança, que trouxe a possibilidade de maior interdisciplinaridade entre as Ciências Humanas colaborou para a ampliação de metodologia e também das fontes.
A fonte documental utilizada com a finalidade de interpretar fatos do passado/presente sofreu diversas transformações ao longo do tempo histórico, tanto em relação à noção do que pode ser considerado ou não uma fonte dotada de historicidade, quanto à transformação do próprio termo documento:
O termo latino documentum, derivado de docere 'ensinar', evoluiu para o significado de 'prova' e é amplamente usado no vocabulário legislativo. É no século XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres et documents e o sentido moderno de testemunho histórico data apenas do início do século XIX (LE GOFF, 1990, p.536).
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