A RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO E AS LEGISLAÇÕES ESCRAVISTAS NAS COLÔNIAS ANGLO-AMERICANAS
Por: Vitória Perrone • 3/6/2021 • Resenha • 2.179 Palavras (9 Páginas) • 198 Visualizações
A RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO E AS LEGISLAÇÕES ESCRAVISTAS NAS COLÔNIAS ANGLO-AMERICANAS
Rugemer, Edward B. Slave Law and the Politics of Resistance in the Early Atlantic World. Londres: Harvard University Press, 2018, 400 pp.
Como um historiador especializado em escravidão e abolição, Edward B. Rugemer escreveu seu primeiro livro, The Problem of Emancipation: The Caribbean Roots of the American Civil War, em 2008, que explora como a abolição da escravidão nas colônias britânicas caribenhas desembocaram na Guerra Civil Americana. Seu segundo livro, Slave Law and the Politics of Resistance in the Early Atlantic World, publicado dez anos depois do inaugural, aborda como a resistência da população negra moldou o sistema escravista Atlântico, principalmente na esfera legislativa[1].
Em seu mais novo livro, que será tratado aqui nessa resenha, Rugemer ressignifica as ações dos africanos escravizados, examinando como o comportamento da população negra desenhou o perfil da legislação escravista nas colônias inglesas de Barbados, Jamaica e Carolina do Sul. Em outras palavras, ele analisa como a resistência à escravidão influenciou a reação política no momento de produção das leis dos escravos no Atlântico Britânico.
De forma comparativa entre a história da escravidão em Barbados, na Jamaica e na Carolina do Sul, o livro Slave Law and the Politics of Resistance in the Early Atlantic World explora o horizonte da luta entre o senhor e o escravo, que, de acordo com o autor, forma a discussão entre o controle e a resistência no cerne da escravidão. A partir disso, sua pesquisa parte para duas direções opostas, mas completamente interligadas: da resistência escrava como um episódio social, com consequências políticas refletidas nas mudanças da legislação escravista em Barbados, Jamaica e Carolina do Sul; e da análise da legislação escravista em si para a história social das pessoas escravizadas. Realiza, desse modo, uma abordagem marxista, na qual a história é a história da luta de classes.
Edward Rugemer coloca essas sociedades escravistas em confronto, pois, como ele afirma, elas foram desenvolvidas a partir da mesma origem legal traçada no século XVII, no contexto de expansão imperial inglesa, mas experienciaram o fim da escravidão de formas surpreendentemente distintas. Em uma produção de apenas trezentas páginas de leitura extremamente agradável, Rugemer combina um riquíssimo conjunto de conhecimento sobre o desenvolvimento do sistema jurídico escravista. Dessa forma, como o livro demonstra uma combinação de similaridades e diferenças entre Jamaica e Carolina do Sul, rende uma nova abordagem para a compreensão das políticas da resistência à escravidão e suas relações com as leis desses locais.
É evidenciada de forma muito clara como a legislação escravista, cronologicamente, foi sendo alterada ao passo que os ingleses viam as reações dos escravos nas colônias. Assim, as leis dos escravos de Barbados influenciaram a aplicação e a mudança conformacional dessas leis ao serem implantadas na Jamaica, e, posteriormente, as leis escravistas da Jamaica foram adotadas e adaptadas para a Carolina do Sul, que tornou essa legislação ainda mais abrangente. Portanto, há três diferentes narrativas interligadas no livro que conectam a história social dos sistemas de plantation com um foco nas rebeliões escravas, na história da legislação escravista e nas políticas escravistas do atlântico inglês.
O livro começa no cenário de Barbados do século XVII, onde os colonos ingleses sistematizaram o status de escravo em 1636 e escreveram uma longa legislação para servidão e escravidão menos de trinta anos depois. Apesar de Barbados não ser a única colônia inglesa que estivesse experimentando um código legislativo que reforçava a escravidão como um sistema econômico, as leis barbadianas tronaram-se modelo para a Jamaica e Carolina do Sul. Mesmo que o foco inicial não fosse esse, as maiores e mais significativas comparações se desenvolvem ao longo dos duzentos anos de história conectada das duas colônias citadas por último. Em sua análise de adoção e adaptação das estruturas legais de Barbados na Jamaica e na Carolina do Sul, Rugemer habilmente movimenta seus holofotes em direção à contraposição entre o controle e a resistência, que criou sucintas diferenças nos sistemas legais em ambos os lugares.
No decorrer do livro, o autor faz profundas conexões entre a anglo-américa e o mais amplo mundo ibero-atlântico, tal como o Brasil e as colônias espanholas. Assim, Rugemer aponta que a legislação escravista nos primeiros momentos de Barbados não inventou a escravidão do zero. Colonos ingleses em Barbados sabiam muito bem sobre a escravidão, visto que pertenciam ao mesmo mundo Atlântico em que centenas de milhares de africanos escravizados já trabalhavam para as colônias portuguesas e espanholas desde o século anterior ao estabelecimento das colônias inglesas. Esse empréstimo é evidente no Barbados de 1661 que conceitualizou os ingleses como “cristãos” e os cativos como “negros”. Essa primeira conceitualização de senhores e escravos retratou uma profunda alteridade em termos de mentalidade racial e religiosa. Além disso, de modo jamais visto antes, o código escravista jamaicano de 1696 designava os escravos como bens imóveis. Em vez de regulamentar “escravidão” como uma instituição, essas primeiras leis vieram para policiar as relações senhor-escravo e fornecer um suporte adicional para legitimar os escravos como propriedade.
No entanto, a relativa autonomia que os colonos ingleses tinham em Barbados, devido à falta de regulamentações escravistas da metrópole, gerava um limitado acesso às cortes para escravos, ao contrário da América espanhola, onde códigos da escravidão como a alforria foram inseridos na lei e aplicados nas colônias. Essa lógica de que senhores de escravos determinavam a lei e as políticas da escravidão com autonomia além da autoridade da metrópole foi replicada no século XIX, quando a independência dos Estados Unidos deu uma segunda vida à escravidão e fez com que ela prosperasse na Carolina do Sul, tanto quanto nos outros estados da união, enquanto a escravidão estava sob ataque na Jamaica e nas outras colônias ainda sob controle britânico.
O conceito utilizado por Rugemer de Segunda Escravidão foi desenvolvido por Dale Tomich. O argumento de Tomich é que, a partir da Revolução Haitiana, em 1791, e da proibição do tráfico negreiro para as colônias inglesas, em 1807, houve um significativo decréscimo da atividade escravista, especialmente nas áreas inglesas e francesas que utilizavam o sistema de plantation. Essa mudança sinalizava o fim da escravidão mercantilista, o fim da Primeira Escravidão. Essa retração, contudo, não resultou no recuo da escravidão negra em outras áreas das Américas. O impacto da revolução industrial e do comércio atlântico decorrentes da aceleração da industrialização teriam impulsionado uma aceleração da atividade escravagista, que incluía o crescimento do tráfico transatlântico e da produção de mercadorias voltadas para os emergentes na Europa e no norte dos Estados Unidos. Dessa forma, o aumento da demanda e interesse por produtos como açúcar, café e algodão fundamenta a expansão da escravidão em Cuba, no Brasil e no sul dos Estados Unidos. Assim, o sistema escravista foi transformado por novas forças políticas e econômicas, e essa mudança incluiu essas localidades à jovem lógica da produção industrial[2].
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