As Criaturas Mitológicas Judaicas
Por: copiador33 • 18/8/2021 • Trabalho acadêmico • 7.075 Palavras (29 Páginas) • 173 Visualizações
Behemoth, Lilith e Anjos: três monstros judaicos em Jorge Luis Borges
Behemoth, Lilith and Angels: three Jewish monsters in Jorge Luis Borges
Marcos Fabio de Faria*
Resumo: Análise dos verbetes de monstros judaicos recriados por Jorge Luis Borges em Manual de
zoologia fantástica e O livro dos seres imaginários, a saber: Behemoth, Lilith e os anjos Haniel, Kazfiel,
Azriel e Aniel. As múltiplas representações e versões desses verbetes, bem como seu diálogo com a
Torah e sua inscrição na literatura.
Palavras--‐‑chave: Monstros. Judaísmo. Jorge Luis Borges.
Abstract: Analysis of Jewish monsters recreated by Jorge Luis Borges in the Handbook of Fantastic
Zoology and The Book of Imaginary Beings, named: Behemoth, Lilith and the Angels Haniel, Kazfiel,
Azriel and Aniel. Some multiples representations and versions of these entries as well as its dialogue
with the Torah and its inscription in the literature.
Keywords: Monsters. Judaism. Jorge Luis Borges.
Pasemos, ahora, del jardín zoológico de la realidad al jardín
zoológico de las mitologías, al jardín cuya fauna no es de leones
sino de esfinges y de grifos y de centauros. La probación de este
segundo jardín debería exceder a la del primero, ya que un
monstruo no es otra cosa que una combinación de elementos de
seres reales y que las posibilidades del arte combinatorio lindan
con lo infinito.
Jorge Luis Borges
A epígrafe acima, de autoria de Jorge Luis Borges, foi retirada do prólogo do Manual de zoologia
fantástica. Nessa introdução, o escritor reflete sobre um possível método de classificação de monstros,
seres imaginários e animais fabulosos, bem como o projeto de elaboração do livro. Datadas de 29 de
janeiro de 1954, essas palavras iniciais apontam para um empreendimento enciclopédico, que
consistiria em catalogar mitologias, fantasias e narrativas engendradas pelo imaginário do homem em
distintas culturas. Alegava, na ocasião, o escritor, que esse tipo de projeto teria caráter infinito, tal qual
o seu tema, bem como as combinações que justificariam a criação dos seres que compõem o livro. Em
1967, Borges publica O livro dos seres imaginários, uma espécie de continuação desse projeto literário,
em que o escritor mantém os verbetes anteriormente elaborados, acrescido de outros textos. Em
muitos outros contos e poemas, a preocupação com as monstruosidades de seres fantásticos serão
objeto de interesse de Borges.
Como o prefácio de Borges, outros autores também pretendiam e pretendem elaborar teorias sobre a
classificação dos monstros e dos seres imaginários nos estudos literários e, também, na filosofia, na
história. Cada uma dessas disciplinas, por lidarem com seres de diversificadas culturas, pois cada
monstro é criado em um meio específico e a eles são conferidos particularidades inerentes ao seu lugar
de origem, parecem evidenciar que classificar todos os monstros é impossível, bem como é arbitrário
classifica--‐‑los em um único sistema epistemológico.
Das inúmeras culturas visitadas por Borges para a construção de seus manuais, a cultura judaica
revela--‐‑se como um arquivo, ou acervo, privilegiado. Em Manual de zoologia fantástica, há, no mínimo,
cinco verbetes retirados da tradição judaica: o Behemoth, o Golem, Os anjos: Haniel, Kazfiel, Azriel e
Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 3, n. 5, out. 2009. ISSN: 1982--‐‑3053.
Aniel. Em O livro dos seres imaginários, além dos já citados, acrescentou--‐‑se: Lilith, alguns Demônios do
Judaísmo e o Filho de Leviatã. Jeffrey Jeremy Cohen afirma em “A cultura dos monstros: sete teses”
que o corpo do monstro é uma espécie de representação de certo momento em uma cultura,
afirmando, ainda, que “o corpo monstruoso incorpora – de modo bem literal – medo, desejo,
ansiedade e fantasia” (COHEN, 2000, p. 26--‐‑27). Sabe--‐‑se, que a maior parte dos monstros judaicos
catalogados por Borges, em ambos os livros, tem sua origem na Bíblia. A Torah representa para esse
povo a maior fonte de seu legado cultural, mantendo--‐‑a como uma cultura coesa e unida, mesmo com
todas as tentativas de extinção, perseguições e ameaças, justificando, assim, as origens de seus mitos
(SCLIAR, 2000).
Este artigo busca analisar esses monstros criados por Borges, seu diálogo com a Torah e com textos,
suas inscrições e reverberações. Assim, serão estudados: o Behemoth, a figura de Lilith e o
aparecimento dos anjos Haniel, Kazfiel, Azriel e Aniel. A partir deles, espera--‐‑se apontar para as
múltiplas representações e versões desses verbetes, bem como a produção de signos infinitos na
ficção.
1 Behemoth: de Jó a Borges
Existe, na história das letras, uma linhagem que permanece desde tempos imemoriais. Uma
ascendência que se preserva, não pelo sangue, propriamente dito, mas pela escritura. O judaísmo
apresenta, em sua condição cultural, um legado e uma resistência, a Torah. Essa biblioteca, ou livro
dos livros, configura--‐‑se como um amplo arquivo genealógico e, ao mesmo tempo, de sobrevivência de
um povo que se manteve unido pela letra. Estão presentes nessa herança a memória de uma cultura
que não se extinguiu nem com os mais diversos atos de extermínio a que foi submetido. A Torah se
configura, ainda, como uma “pátria portátil” (SCLIAR, 2000, p. 25), em que está amalgamada a idéia
de memória em conservação, da escrita como resistência, além de as bases da religião, dos costumes,
da cultura, das leis.
A partir da Lei, e de sua concisão, com seu ideal de verdade e moral, se originaram comentários,
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