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Machado De Assis

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Por:   •  3/3/2015  •  9.713 Palavras (39 Páginas)  •  241 Visualizações

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O Alienista, de Machado de Assis

Fonte:

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar 1994. v. II.

Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>

A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:

Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística

(http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/literat.html)

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O alienista

CAPÍTULO I - DE COMO ITAGUAÍ GANHOU UMA CASA DE ORATES

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o

Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de

Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou

ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a

universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.

—A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.

Dito isso, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência,

alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos

quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco

anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de

pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho.

Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas

de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e

excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além

dessas prendas,—únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta

de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir

os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.

D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem

mofinos. A índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos,

depois quatro, depois cinco. Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu

todos os escritores árabes e outros, que trouxera para Itaguaí, enviou consultas às

universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen alimentício

especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não

atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência,—explicável, mas inqualificável,—

devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.

Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou

inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe

chamou especialmente a atenção,—o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não

havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal

explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência lusitana, e

particularmente a brasileira, podia cobrir-se de "louros imarcescíveis", — expressão usada

por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto,

segundo convém aos sabedores.

—A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.

—Do verdadeiro médico, emendou Crispim Soares, boticário da vila, e um dos seus amigos

e comensais.

A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é argüida pelos cronistas, tinha o de não

fazer caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na

própria casa, e, não curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício

da vida; os mansos andavam à solta pela rua. Simão Bacamarte entendeu desde logo

reformar tão ruim costume; pediu licença à Câmara para agasalhar e tratar no edifício que

ia construir todos os loucos de Itaguaí, e das demais vilas e cidades, mediante um

estipêndio, que a Câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer. A

proposta excitou a curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é

...

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