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Muito Além Do Hit: Considerações Sobre A Junk Music

Por:   •  11/6/2024  •  Artigo  •  8.483 Palavras (34 Páginas)  •  27 Visualizações

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Muito além do hit: considerações sobre a junk music

Alex Kantorowicz Buck

Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” - UNESP alexbuck16@gmail.com

Resumo 

Acreditando na potência do encontro interdisciplinar, o presente trabalho problematiza a escuta musical no Brasil atual apoiando-se em duas pesquisas recentes que compartilham do mesmo objeto de estudo, a saber, os efeitos da alimentação de produtos industrializados e a consequente pandemia de obesidade. O documentário brasileiro ‘Muito Além do Peso’ e o livro ‘Salt, Fat, Sugar:  How de Giants of Food Hooked Us’  tratam da impotência da sociedade  - em escalas macro (políticas governamentais) e micro (orientação familiar) – no enfrentamento as ações das grandes corporações do segmento alimentício que manipulam as taxas de sal, açúcar e gordura dos alimentos (processo denominado ‘otimização’) como estratégia de sedução, captura e manutenção de consumidores.[pic 1]

A questão principal deste trabalho se faz a partir da observação de que um hit1 musical é elaborado com a mesma finalidade com que são sintetizados os alimentos industrializados: existe uma intenção comercial evidente, a de se efetuar e “contaminar” o maior número de pessoas. Em música, o sal, a gordura e o açúcar parecem ser substituídos por padrões tonais simples, métricas binárias, pulsos regulares, discursos curtos, letras fáceis de se decorar e compreender.

Encontrados os denominadores comuns entre a maioria da produção de músicas comerciais pode-se especular sobre os efeitos da presença hegemônica deste tipo de música nos meios de comunicação de massa no Brasil, além da possível existência de efeitos maléficos à saúde quando da exposição a estas músicas grudentas e descartáveis que cotidianamente são lançadas pelos diferentes tipos de mídia.

Palavras-chave

hit1 musical, jingle, indústria musical, indústria alimentícia, junk music, junk food

Introdução: a Analogia entre junk food e junk music

Duas pesquisas recentemente lançadas que tratam da produção e consumo de alimentos industrializados, nos servem como base para problematizar a escuta musical no Brasil atual. A primeira destas pesquisas (MOSS, 2013) nos apresenta em detalhes como se dão as estratégias dos químicos contratados pelas empresas do segmento alimentício para a elaboração dos diversos tipos de alimentos industrializados.

A outra pesquisa, uma produção nacional em forma de vídeo-documentário (RENNER, 2010), trata dos efeitos do consumo em excesso desses produtos, sobretudo pelo público infantil, relacionando tais efeitos à pandemia de obesidade que se espalha por diversos países industrializados. Inúmeras doenças provocadas pelo sobrepeso - tais como diabetes, problemas no coração ou desnutrição - vêm aumentando as taxas de mortalidade e diminuindo a expectativa de vida das novas gerações.

Trata-se de um problema muito complexo e sua raiz encontra-se na maneira como  as empresas do segmento alimentício construíram seu modelo de negócio: encaram a sociedade como um coletivo de pessoas  potenciais consumidoras; o objetivo destas empresas seria o de persuadir os consumidores a comprarem seus produtos e para isso investem muitos recursos em publicidade e em pesquisas para elaborar alimentos saborosos e viciantes.

Com efeito, a junk food tomou conta das prateleiras de supermercados, lojas de conveniência, da grande maioria dos estabelecimentos destinados à comercialização de alimentos. O acesso a esse tipo de alimento tornou-se muito fácil. Tais produtos são baratos, prontos para o consumo, com sabores atrativos mas de qualidade questionável pois não possuem os valores nutricionais que o organismo humano necessita.

Mas o que isso teria a ver com música?

Nossa percepção é a de que o segmento musical vêm enfrentando problemas muito semelhantes. Problemas, estes, que têm sua origem também no modelo de negócio industrial que sustenta toda a rede de produção e consumo de músicas, e estão diretamente ligados  ao surgimento e estruturação das mídias:

“Desde seu advento, a mídia formou uma dupla indissociável com a música. Não há filme, programa de televisão ou de rádio que não a tenha como elemento construtivo. É tão intensa a propagação da música pelos meios de comunicação que ela adquiriu ares de onipresença e, hoje em dia,  considera-se essa presença como natural. No entanto, tal fenômeno surgiu somente no início do século XX... Certamente, as mídias contribuíram para que a música se tornasse uma das artes mais acessíveis e populares, em especial uma de suas modalidades: a canção.” (VALENTE, 2007)

De meados do século XX, quando os aparelhos de televisão e rádio se popularizaram e passaram a ser prioridade nas compras das famílias, aos dias atuais, com a popularização dos aparelhos capazes de armazenar e reproduzir arquivos em MP3 e o aumento da acessibilidade  à internet, o mercado que está envolvido direta ou indiretamente com a produção, difusão e consumo de música assumiu uma enorme importância econômica. Comporta as empresas que desenvolvem instrumentos musicais, instrumentos de escuta, as produtoras fonográficas (majors), os conglomerados de comunicação (rádio, TV), os estúdios de cinema e as empresas de publicidade. A música, a partir do século XX, transformou-se num grande negócio, e é hoje em dia um ativo que pode gerar lucro.

As pesquisas que tratam do problema da obesidade relacionada ao excesso de consumo de junk food têm contribuído para revelar a impotência da sociedade  - em escalas macro (políticas governamentais) e micro (orientação familiar) – no enfrentamento às ações das grandes corporações do segmento alimentício. A presente pesquisa pretende demonstrar como a indústria musical constrói sua rede sob as mesmas bases, utilizando os mesmos preceitos que a indústria alimentícia e comercializa um produto sonoro tão vazio quanto o alimento empacotado pronto para o consumo. Daí surge a analogia proposta entre junk food e junk music.

Na primeira parte do artigo estão contidas informações extraídas das duas pesquisas sobre alimentação supracitadas e as respectivas relações feitas com o segmento industrial da música. A segunda parte concentra-se  na tarefa de definir os critérios e delimitar o repertório de músicas que fariam parte do que por aqui denomina-se  junk music.

1. Sal, açucar e gordura: o processo de Otimização e a constituição de um alimento junk 

Substâncias essenciais ao organismo humano, o sal, o açúcar e a gordura são ingredientes indispensáveis para a constituição de um alimento industrializado de sucesso. Ao menos um desses três elementos assume papel protagonista entre os ingredientes de um alimento junk. Para que um hit do segmento alimentício seja produzido, este produto necessariamente passou por um processo  denominado otimização  - optimization (MOSS, 2013) . Tal procedimento pode ser dividido em duas etapas: a primeira consiste em criar algumas variações de uma fórmula de um produto, alterando apenas as taxas de sal, gordura ou açúcar do alimento em questão. Sobre o inventor dessa técnica, o jornalista escreve:

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