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O PERFIL DE ÁTILA NA GETICA DE JORDANES

Por:   •  24/11/2022  •  Ensaio  •  1.749 Palavras (7 Páginas)  •  79 Visualizações

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1. Introdução

Esse trabalho pretende desenvolver uma análise técnica da Getica, de Jordanes, com base na metodologia exposta por Pedro Paulo Funari em Antiguidade clássica: a história e a cultura a partir dos documentos (1995). Busco também construir uma análise específica do trecho “Perfil de Átila (406-453)”, retirado da coletânea da Idade Média: textos e testemunhas (2000), organizada por Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez. Tenho como objetivo central apresentar uma argumentação que nos leve a entender como o autor compreendia a figura de Átila, rei dos hunos, ao redigir sua famosa Getica; e entender como se dá a elucidação do poderio militar de Átila no texto, além dos motivos retóricos presentes em tal construção literária.

2. Tipologia e contexto

De origine actibusque Getarum (Sobre as Origens e Feitos dos Godos), conhecida apenas como Getica após a edição de 1882 feita por Mommsen, foi uma empreitada ambiciosa de contar a História e a origem dos povos godos escrita por Jordanes. A autoria da Getica é amplamente aceita como sendo de Jordanes; entretanto, houve debates sobre sua origem. Alguns autores, como Walter Goffart, discutiram sobre a posição de que a obra de Jordanes pôde ter sido, na verdade, baseada em um texto hoje perdido, escrito cerca de vinte anos antes de Jordanes finalizar sua Getica.

O caráter historiográfico da Getica pode ser especificado em um recorte que Goffart chamou de “a inauguração de uma história nacional”. O autor argumenta em seu livro The Narrators of Barbarian History (1988) que, nas passagens da Antiguidade para a Idade Média, tendo em vista o estabelecimento dos povos ditos bárbaros em reinos e o surgimento de homens letrados entre eles, houve certa tradição literária de escrever sobre o passado de cada povo.

A partir disso [dos trabalhos de Jordanes], sucedem autores como Gregório de Tours escrevendo sobre os Francos, Beda escrevendo sobre os Anglo-Saxões, Paulo, o Diácono, escrevendo sobre os Lombardos, bem como todas as outras “histórias nacionais” que pulularam nos primórdios da literatura medieval.[1] (GOFFART, 1988, p. 20)

É difícil estipular um lugar de origem exato para a fonte, assim como sua datação. Acredita-se que Jordanes escreveu a Getica quando estava em Constantinopla a serviço do Papa Vigílio, pois lá havia um eclesiástico Jordanes de Crotona (Iordane's defensor ecclesiae Romanae) mencionado pelo Papa Pelágio I em suas cartas dessa década[2]. Além disso, autores como Charles Christopher Mierow, autor da introdução na edição da Getica usada nesse trabalho, apontam o fato de Jordanes ter lido as obras de Cassiodoro sobre os godos pouco tempo antes de redigir sua Getica, ou seja, nos tempos em que Cassiodoro estava em Constantinopla a serviço do Imperador Justiniano.

Especula-se que a obra tenha sido escrita por volta de 551 d.C., pois o autor menciona a grande peste de 546 como tendo ocorrido “nove anos atrás” no trecho: “Nessa época, uma peste tão destrutiva quanto a própria Morte arruinou toda a face da
Terra, devastando especialmente Alexandria e todas as terras do Egito”
[3] (GETICA, 104). Mierow argumenta em favor desta datação.

Esta é provavelmente a peste que surgiu no Egito em 541, chegou a Bizâncio em outubro de 542, causando grandes devastações por quatro meses, para finalmente devastar a Itália em 543. Portanto, isso também serve para apoiar a opinião de que a Getica foi escrita em 551.[4] (MIEROW, 1915, p.13)

Quanto aos aspectos linguísticos da obra, Gustavo H. S. S. Sartin, um de seus tradutores, aponta que Jordanes escreveu sua Getica no que podemos chamar de “Latim tardio”, uma sequência linguística já diferente dos autores clássicos; ou seja, o Latim que tentava se preservar com a dissolução do império romano nos séculos V e VI.

Se levarmos em consideração que o autor não era etnicamente romano, que escreveu em Latim enquanto vivia em uma área predominantemente grega e que não teve qualquer formação em Retórica durante a juventude, perceberemos que foi inevitável, além de absolutamente natural, que ele tenha sido incapaz de escrever em uma linguagem idêntica à dos autores clássicos. (SARTIN, Gustavo H. S. S., 2014, p. 138)

3. Resumo da obra

A obra consiste em uma narrativa de História geral do povo godo, uma tradição historiográfica bastante comum no medievo. Muitos autores medievais escreveram histórias desenvolvidas partindo de uma concepção mitológica (cristã ou não) – como Snorri Sturluson, por exemplo –, ou mito-poética, como nomeada por Gurevitch[5]. Esta característica também está presente em narrativas da historiografia cristã, onde, por exemplo, em uma história sobre um determinado reino ou povo, o início será narrado como a criação do Mundo e do Homem em Gênesis, bem como o fim da narrativa é descrito como o Apocalipse. Isso é observável em Jordanes, em partes, pois sua História tem início com o surgimento dos godos e sua relação com os deuses romanos; o poder militar de Átila é também justificado em consequência deste possuir o gládio de Marte. Sartin apresenta um resumo em forma de sinopse da obra:

A Getica, por sua vez, narra a trajetória dos godos desde tempos mitológicos na Scandza (região correspondente à Escandinávia atual, imaginada como sendo uma ilha) até 540, quando o rei ostrogodo Vitiges rendeu-se a Belisário, comandante militar do Império Romano do Oriente, em Ravenna. A primeira parte trata das origens e migrações dos godos, a segunda conta a história dos visigodos e a terceira, dos ostrogodos. (SARTIN, Gustavo H. S. S., 2014, p. 137)

4. Átila na Getica

Átila é o foco de nossa análise. O trecho determinado para esse trabalho inicia-se com uma descrição que associa a pessoa de Átila à sua visão geral pelos outros. Ou seja, o rei dos hunos é descrito como “o terror de todos os países” (JORDANES, p. 29). Depois disso, a descrição parte para uma perspectiva física acerca do porte, olhar, compleição do peito, cabeça, cabeleira e nariz.

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