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O épico e o trágico na história do Haiti. (Resenha do livro Os Jacobinos Negros: Toussaint L'Ouverture e a revolução de São Domingos de C. R. L. James)

Por:   •  1/12/2019  •  Seminário  •  2.208 Palavras (9 Páginas)  •  320 Visualizações

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GORENDER, Jacob. O épico e o trágico na história do Haiti. (Resenha do livro Os Jacobinos Negros: Toussaint L'Ouverture e a revolução de São Domingos de C. R. L. James). Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 50, 2004.

O épico e o trágico na história do Haiti

No início do século XIX, o Haiti era a colônia mais produtiva das Américas e a primeira a conquistar a Independência nacional, em 1804. Como explicar então que não tenha tido uma trajetória progressista, mas, ao contrário, se tornasse o país mais pobre do continente, talvez um dos mais pobres do mundo?

Além de produzir café, anil, cacau, algodão e outros gêneros, o Haiti produzia sobretudo o açúcar, em condições mais competitivas do que as outras colônias da época. Nessa produção, empenhavam-se meio milhão de escravos, a maioria africanos, na proporção de dois terços.

À época dos acontecimentos que nos interessam, a ilha de São Domingos se dividia entre o domínio francês (que só mais tarde se chamaria Haiti) e o domínio espanhol. A ilha fora descoberta por Colombo, já na primeira viagem à América, e ele a denominou de Hispaniola. Os nativos foram completamente exterminados no processo da colonização europeia.

O meio milhão de escravos negros, que labutavam nas plantagens e nos engenhos, era dominado por trinta mil brancos, incluindo os proprietários e seus auxiliares (feitores, técnicos, vigilantes etc.). Além dos negros e brancos, havia um segmento de poucos milhares de mulatos, já livres, mas submetidos a extorsões e agressões dos brancos escravocratas. Apesar de tal desvantagem, vários mulatos espertos e ambiciosos conseguiam aproveitar as oportunidades de negócios e enriquecer.

O tratamento dado pelos escravistas aos seus servidores era terrivelmente cruel. A par do trabalho, que esgotava rapidamente as energias, pesavam sobre os escravos a alimentação escassa, a moradia sórdida e a inexistência de assistência médica. A labuta diária se processava durante longas jornadas, sob acionamento frequente do açoite dos feitores. Qualquer expressão recalcitrante era logo duramente castigada. Os mais indisciplinados sofriam o castigo de serem enterrados de pé, apenas com a cabeça de fora. Assim imobilizados, acabavam mortos depois de sofrer a horrível tortura de ter o rosto lentamente devorado pelos insetos e abutres.

O regime escravista de São Domingos se identificava, sob muitos aspectos, com o brasileiro. Daí a relevância da obra de James para os estudiosos da historiografia de nosso País.

O levante dos escravos

A Convenção, constituída em Paris logo após a Revolução de 1789, proclamou a libertação dos escravos nas colônias francesas. A notícia da proclamação se propagou rapidamente em São Domingos. Em 1791, inicia-se a rebelião dos escravos, que abandonam as plantagens, destroem engenhos e agridem os brancos, matando vários proprietários. A rebelião não tem liderança definida e estabelece uma situação caótica na ilha. A liderança e a luta organizada só seriam concretizadas três anos depois, quando entra no processo rebelde um personagem com características privilegiadas para o papel histórico que desempenhou: Toussaint Bréda (nome depois cambiado para Toussaint L’Ouverture). Doravante, em meu texto, será chamado simplesmente por Toussaint.

Antes da sua entrada em cena, um escravo chamado Mackandal tentara acabar com o domínio dos brancos envenenando a água utilizada nas suas casas. Mas, ao embriagar-se, falou demais e o denunciaram. Prenderam-no e o queimaram vivo.

Toussaint era filho de um chefe tribal africano transferido como escravo para São Domingos. Ali, comprou-o um senhor dotado de alguma benevolência, que percebeu as qualidades intelectuais do novo escravo. Deu-lhe a condição de capataz de uma turma de trabalhadores e uma esposa. Deste conúbio nasceram oito filhos, o primogênito dos quais foi precisamente Toussaint.

O mesmo senhor percebeu que o filho não era menos dotado do que o pai e lhe conferiu certos privilégios, no contexto da condição de escravo. Pierre Baptiste, um velho negro instruído que morava na fazenda, alfabetizou o jovem e lhe ensinou a ler e a falar o francês culto (em vez do degradado francês crioulo coloquial). Transmitiu-lhe princípios de geometria e desenho e ensinou-lhe rudimentos de latim.

Toussaint teve, então, a possibilidade de ler duas obras, que o influenciariam notavelmente. A primeira – o livro do Abade Raynal História filosófica e política do estabelecimento e comércio dos europeus nas duas Índias.

Abade Raynal fez uma descrição realista da situação nas colônias europeias do Caribe, mostrando que a massa de escravos submetidos ao regime mais desumano de exploração se encontrava num ponto crítico, próximo de explosiva rebelião. A par com a condenação moral do regime escravista, afirmava que, para a rebelião ter início, faltava apenas uma liderança, o surgimento de um homem capaz de chefiar os escravos no caminho da revolta. “Onde está este homem?” – perguntava o Abade. E respondia confiante: “ele, com certeza, surgirá”.

Também teve influência marcante em Toussaint o livro de Júlio César acerca da guerra contra os gauleses. Os comentários sobre as operações militares, na Roma da Antiguidade, forneceram ao futuro líder de tropas negras a concepção do que significavam as manobras militares em um confronto armado.

Quando resolveu mergulhar na batalha, em 1794, três anos depois de iniciada, Toussaint já contava com 45 anos, idade avançada para a época. Era baixote e feio, mas forte, e excepcionalmente habilidoso na arte de cavalgar. Casara com uma mulher que já tinha um filho e teve com ela um filho próprio. Ocupava-se com a criação do gado e com o herbário da propriedade, o que lhe propiciou o aprendizado prático dos problemas de administração.

Dotado de instrução bem acima dos ex-escravos, Toussaint não encontrou grandes obstáculos para ganhar ascendência entre eles e aglutinar um exército de combatentes sob o seu comando. Com uma tropa disciplinada e organizada, derrotou os exércitos dos franceses, dos espanhóis, que pretendiam apossar-se da parte francesa da ilha, e dos ingleses, preocupados com a contaminação que o exemplo da possessão francesa poderia produzir nas suas próprias possessões antilhanas.

Companheiros de Toussaint, destacaram-se na luta outros ex-escravos, como Dessalines, Henri Christophe, Maurepas, Pétion e Moïse, um jovem sobrinho adotivo de Toussaint. Este último é considerado por James como a mais bem dotada figura da história mundial do período 1789-1815, com a exceção apenas de Bonaparte.

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