Quando o mundo se tornou cristão
Por: Heloisa Ribeiro • 9/3/2016 • Resenha • 1.349 Palavras (6 Páginas) • 314 Visualizações
VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão (312-394). Trad. Marcos de Castro. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
29 de outubro de 312 é o que os historiadores das religiosidades entendem como a data limite que marca um período de ruptura entre as ideias evocadas pela forma de religiosidade por nós compreendida como antiguidade pagã e a época que postulamos consensualmente como o primeiro advento do cristianismo.
Seu principal fato é dado como a época em que Constantino (272-337), Imperador Romano (Augusto) entre 306 e 337, considerado um dos fundadores do Império Romano do Oriente se converteu ao cristianismo após ter um sonho em que recebeu um sinal do céu que lhe garantiria a vitória em uma batalha, sendo assim, depositou sua fé no Deus dos cristãos. Constantino se converte em uma época na qual se considera que apenas cinco ou dez por cento da população do Império era cristã. Sua pretensão ao tornar-se cristão não foi como os outros imperadores bizantinos de ser Deus aqui na terra, mas ser inspirado e ajudado por Deus, acreditasse que por crença e fé.
O autor cita que haveria a possibilidade do Imperador Constantino já ter o desejo de se tornar cristão e usar o episódio do sonho apenas como oportunidade para expôr sua fé. Paul Veyne, ainda indaga outras questões para tentar entender a real razão da conversão de Constantino para um modelo de religiosidade que a todo o momento era posto em dúvida, seja pela novidade que representava, pelas diferenças para com o paganismo, ou mesmo pela suposta “igualdade social” em um mundo que a superioridade do Imperador perante os súditos se colocava no mesmo nível no entendimento cristão.
A nova religião de alguma forma trazia muitos “benefícios secundários” ao imperial convertido. Aos olhos do Imperador, o cristianismo era a única religião que, por sua verdade e seu caráter elevado, seria digna de um soberano. Ele não dizia a si mesmo que o futuro era dos cristãos, mas via no catolicismo uma energia e um sentido de poder e de organização muito próximo do seu. Constantino tinha uma fé maciça, mas boa, e uma coisa o prova: não tinha nenhuma necessidade da Igreja para suas conquistas e poderia ter reunificado o Império sem se tornar cristão.
Se Constantino quisesse apoiar sua autoridade na Igreja faria um mau negócio, porque favoreceria uma corporação que se considerava a referência última e que cuidava de si própria, mais do que do poder imperial. Com o cristianismo recomeça o problema milenar das relações entre o trono (política) e o altar (igreja).
O cristianismo era, na realidade, a religião do príncipe apenas a título privado e ninguém poderia prever ainda se Constantino daria consequências públicas àquela situação. O Império continuava pagão. Porém, Constantino mandou restituir aos cristãos os bens confiscados por ocasião das perseguições, sem pagar indenizações, e começou a beneficiar o clero. Não era um cristão batizado (realizou-se seu batismo próximo a sua morte), assim sendo não teve de confessar sua fé publicamente por ocasião da conversão. Mantinha-se ao lado da Igreja, mas a ela não pertencia e, como diz Alfoldi, “a Igreja não tinha ordens a lhe dar, ele podia espontaneamente dirigir a ela um olhar cheio de gratidão”.
Constantino tinha “posto” a Igreja no Império, acrescentara a Igreja a tudo aquilo que o Império comportava, mas, se não falarmos em fé, ele permanece um Chefe de Estado bem Romano. Os costumes não se tornaram cristãos em quase nada. Continuaram as corridas do Circo, teatros, strip-tease, caçadores na arena e até gladiadores, coisas que por sua vez desagradavam os bispos. A prova de que Constantino queria manter uma fachada pagã são as suas moedas, que nos reversos continham divindades pagãs e continuaram as mesmas, como a sua nada concreta devoção e suposta crença de proteção, num primeiro momento defendendo a bandeira de ser o protegido de Hércules, num segundo momento de ser o protegido do Deus Sol Invictus, e por último de ser protegido do cristianismo.
O marco final do autor é 6 de setembro de 394 quando deu-se a derrota no Rio Frio, foi então a morte do paganismo, que não reivindicou mais nada. O sistema duplo, pagano-cristão, de Constantino, conseguiu ter vida, o cristianismo tinha se tornado a religião do Estado, e o paganismo durante todo o período continuo sendo a religião do povo. Somente dois ou três séculos depois de Constantino, a religião de dez por cento da população tornou-se nominalmente a fé que a grande maioria viria a abraçar: a pessoa passou a nascer cristã como se nascia pagã. Logicamente a empreitada do Rio Frio é apenas emblemática sobre a questão, o certo é que momentos de transformações sobre a religião passaram a ser discutidas. A “desmagificação” do mundo substitui alguns elementos religiosos (os oráculos) pela técnica (a medicina), tornou-os autônomos (legitimação política, utopias sociais); o que mais subsistiu é o medíocre: a solenização e os ritos de passagem.
A tolerância não era o único princípio reinante: os cristãos e só eles, tinham o dever de adorar a Deus como verdade e de obedecer à Igreja, a fim de que Deus protegesse o Império e o imperador. O resultado foi que os imperadores pagãos perseguiram os cristãos que eram considerados hereges ou cismáticos, enquanto que os judeus e os pagãos professavam suas crenças como algo natural, em que o grande poder de manutenção estava justamente na tradição que estas religiões antigas tinham e sua permanência entre as pessoas sejam desde os imperadores até os seus súditos remontava a mais de sete séculos, isto é, um sistema quase inconteste de crença.
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