Resenha I História do Futebol
Por: betommasi • 15/1/2017 • Resenha • 2.349 Palavras (10 Páginas) • 351 Visualizações
Afirma José Miguel Wisnik, em seu livro “Veneno Remédio: O futebol e o Brasil.”, que o futebol é uma “língua geral que coloca em contato todas as populações do mundo.” (pág. 20). Muitas são as interpretações para o papel do futebol, não apenas, mas principalmente, na sociedade contemporânea. Sua origem, adaptação, mudanças, representações, interpretações, símbolos e infinitas características, passivas de interpretação e estudos sociológicos, antropológicos, históricos e econômicos mais aprofundados, permeiam e revelam bastante sobre a constituição e organização dos Homens enquanto sociedade. Isso é o ponto de partida para responder de forma conclusiva, por exemplo, aos questionamentos acerca do estudo do futebol academicamente levantados, respondidos por Wisnik e por Alei Sander Damo.
Primeiramente é importante compreender a função dos esportes nas sociedades. É possível afirmar que os esportes, de forma geral, revelam muito sobre as diferentes manifestações culturais em que estão inseridos. Nesta linha interpretativa encontramos na obra de Clifford Geertz, “A Interpretação das Culturas”, um excelente capítulo intitulado “Um Jogo Absorvente*: Notas Sobre a Briga de Galos Balinesa”. Nascido nos Estados Unidos, Geertz formou-se doutor em Antropologia em Harvard (1956) e empenhou trabalho de campo em Bali (1957-58). No presente trabalho a obra de Geertz acrescenta mais valores da ordem teórico/metodológica para uma posterior interpretação do futebol, do que um aprofundamento nos estudos da briga de galos em si.
Alguns conceitos, retirados dessa obra, são fundamentais para nossa compreensão. O primeiro é de que a briga de galos é um jogo profundo, ou seja, ele mexe com as questões mais profundas da sociedade. No caso, estas questões, para Jeremy Bentham, correspondem às apostas altas, criticadas do ponto de vista utilitarista, que objetivam tornar a disputa mais interessante diretamente relacionadas ao tamanho dessa aposta. Para além de todas as especificidades do sistema de apostas nas brigas, é mais importante por hora compreender o sistema de status ali simbolicamente representado. O que seria uma irracionalidade, a aposta de valores (que quando não se perde, o lucro é quase sempre irrisório), na verdade representa algo além do lucro material: a (re)afirmação do status, uma vez que após as disputas o status segue inalterado. Mas o fundamental é que não é o dinheiro em si que o torna um jogo absorvente/profundo. O valor das apostas serve para reforçar a diferença e a distância entre os status daquela sociedade, ele reforça a hierarquização ali presente. Através, talvez, de uma interpretação desta obra e uma adaptação equivocada para a realidade do futebol, surgiu a teoria de que os perdedores na vida se associariam aos times vencedores no esporte. Chamado de “pop-psicologismo” por Arlei Sander Damo em seu ensaio “Futebol e Estética”, e pelo mesmo descaracterizado por não explicar como se daria a relação dos “bem sucedidos na vida” com o pertencimento clubístico, que por si só atende a processos particulares.
Além disso, e principalmente, não considera a derrota enquanto algo comum ao processo de disputas que caracteriza o futebol. Para Damo, o futebol é um ritual disjuntivo, ou seja, inicialmente igualitário nas suas condições de disputa (11 x 11 jogadores, o placar começa empatado, etc.), mas que encaminha-se para um processo de disputa que define um vencedor e um perdedor. O futebol seria um ritual tão caracterizado enquanto disjuntivo que mesmo no que seria uma brecha, o empate, há vencedores e perdedores psicológicos e morais.
A melhor forma de definir este processo é através de um conceito de Wisnik: o "real da perda". O real da perda (que será retomado e aprofundado mais a frente) é basicamente a aceitação de que é intrínseco ao processo de disputa tanto a vitória quanto a derrota. Segundo Wisnik: "O futebol pode ser visto como um sistema simbólico que traciona o imaginário colocando-o aparentemente à beira de um precipício: o real da perda." (pág. 46). Para além do fator do resultado em si, pode-se entendê-lo enquanto potencial de questionamento da "estrutura dialética e diferencial do sujeito" (pág. 47). A sujeição à vitória (de elevação ao imaginário) e/ou à derrota (de queda no real), antecipadamente imprevisível, caracteriza as conotações nas quais se apoiam o modus operandi dos grupos quanto ao entendimento e o comportamento para com os demais. Estando este fator, em casos específicos, ligado ao acirramento e à atribuição de conflitos raciais, religiosos, políticos, sexuais, etc. Ainda, justamente por não poderem ser antecipados os resultados, invalidam a possibilidade de uma teórica compensação de perdedores na vida que escolheriam vencedores no esporte.
A partir desta conclusão, torna-se fundamental o aprofundamento no tema do pertencimento clubístico. Um dos temas mais importantes ao se tratar de futebol, o pertencimento é um dos elos mais representativos do papel da cultura e do meio social na identificação do indivíduo enquanto pertencente a um coletivo. Podemos definir a escolha de um clube do coração como a passagem do “ser indivíduo” para o “ser pessoa”, ou seja o processo complexo de inserção do indivíduo nas diversas redes de sociabilidade.
Geertz nos fornece um excelente depoimento da relação dos homens balineses com seus galos. Os animais são por vezes tratados com apego e recebem atenção e tratamento de primeira importância. Os galos eram vistos, e o termo na língua nativa reforçava isso, como o pênis dos homens. Um verdadeiro símbolo da masculinidade, e não sem justificativa as mulheres são afastadas deste mundo da briga de galos. O galo é ainda alimentado com uma dieta especial e recebe banhos constantemente, com as mesmas ervas que são usadas nos banhos das crianças. Apesar da relação dos galos com o animalesco, tão rejeitado e temido pelos balineses, é esse jogo periogoso de aproximação com a “arte das trevas” que o animalesco representa para essa sociedade que torna a relação ainda mais interessante para eles. E é ainda nessa relação que a briga de galos simboliza uma das suas principais características: ser a representação da violência desregrada em uma sociedade regrada. A violência simbólica, onde socialmente a violência concreta está presente mas é reprimida.
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