Análise O marinheiro
Por: Danúbia Bertola • 17/6/2016 • Trabalho acadêmico • 680 Palavras (3 Páginas) • 1.460 Visualizações
Fernando Pessoa elevou o recurso de heteronímia ao seu mais alto grau criando diversas personas, cada qual com um estilo próprio. No poema “O Marinheiro” constatamos as diferentes vozes do poeta por meio das veladoras. Esse trabalho trata da análise da segunda veladora localizada no segundo paragrafo da página oito do poema retirado do site arquivopessoa.net.
Ao analisarmos a voz da segunda veladora em O marinheiro: “[...] Ao princípio ele criou as paisagens, depois criou as cidades; criou depois as ruas e as travessas uma a uma, cinzelando-as na matéria de sua alma [...].” (PESSOA, 1973 p. 8). Somos movidos a lembrar do texto bíblico, a criação do mundo, que se encontra no livro do Gênesis1.1,13: “No princípio, criou Deus os céus e a terra. [...] E disse Deus: Haja firmamento no meio das águas [...] Houve tarde e manhã, o segundo dia. [...] E disse: produza a terra relva, [...] Houve tarde e manhã, o terceiro dia." (GENEBRA, 2009 p. 9,10).
Gênesis constitui a história da criação, em uma semana, Deus em sua onipotência decidiu dar forma a terra. Assim também, podemos conferir que Pessoa se utiliza dessa ideia de onipotência divina para nos aludir ao processo de construção dos heterônimos. Moisés faz menção a esse ponto de vista:
Os heterônimos podem ser postos na conta de uma fantasia de onipotência laica, demiúrgica, com laivos de divindade: sentir-se Deus, todo poderoso, gerando seres como um demiurgo. Um vento de megalomania, como já temos observado algures, a ravessa os heterônimos e o seu criador. (MOISÉS, 1928 p. 107)
A transtextualidade expõe os aspectos internos ou externos que se dão a partir da relação entre textos. Considerando o processo de criação dos heterônimos de Fernando Pessoa “ele mesmo” e a criação do mundo também somos levados a analisar o texto bíblico de João 1.1,3;14: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. [...] E o verbo se fez carne [...].” (GENEBRA, 2009 p. 1370). Essa leitura faz alusão ao texto de Gênesis1.1 enfatizando a preexistência divina de Deus, o Verbo, que prenuncia sua encarnação ao mundo.
Partindo desse pressuposto também podemos fazer menção desse texto às palavras de Moisés no que se refere à criação dos corpos de linguagem de Pessoa.
Desse nilismo provém a criação dos heterônimos, alter egos a vibrar o mundo de modo particular, ou seja, de determinado, um unívoco e intransferível ângulo, como se encarnassem arquétipos ou visões paradigmáticas, recorrentes no curso da história e do conhecimento. (MOISÉS, 1928 p. 94,95)
Para entender o processo de criação da veladora em análise é necessário que saibamos os conceitos de palimpsesto, hipertexto e hipotexto estudados por Geràrd Genette, presentes no texto Palimpsestos: a literatura de segunda mão:
“Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma outra obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expões e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor. (GENETTE, 2006).”
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