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As Histórias Abençoadas

Por:   •  21/9/2020  •  Projeto de pesquisa  •  6.545 Palavras (27 Páginas)  •  148 Visualizações

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A homologia estrutural mítica e mística entre a Amazônia de Inglês de Sousa e a África moçambicana de Mia Couto - Culturas, Narrativas e Identidades Amazônicas (CNIA)

Introdução

Este projeto de pesquisa visa trabalhar a literatura amazônica do autor paraense Inglês de Sousa, procurando salientar a homologia estrutural com o escritor moçambicano Mia Couto, com a visão sobre o imaginário mítico e místico dos povos da terra retratados em seus contos. Procurando em primeiro momento uma análise mais ampla dos contos dos autores supracitados. Baseado na premissa de que “qualquer livro que, intencionalmente ou não, traduza as peculiaridades locais” (PEREIRA, 1988, p. 175), pesquisar as narrativas literárias dos contos amazônicos, com enfoque no saber e costumes dados como culturais, e como Inglês de Sousa perpassa para sua narrativa a linguagem e a identidade amazônica. De tal modo, também retratar a maneira como o autor africano demostra em seus textos os costumes culturais e a linguagem, e o modo como os dois autores conversam, baseados no conceito da homologia estrutural de Gonçalves, que afirma:

As similaridades estruturais consistem em fundamentos internos e abstratos aos sistemas comparados que podem ser compreendidos pelo arcabouço arquitetônico que os constitui. (...) Buscar as equivalências homológicas entre sistemas distintos é verificar possíveis correspondências entre tais procedimentos e também verificar as diferenças de operacionalização de recursos oferecidos por cada um dos meios expressivos. (GONÇALVES, 1997, p. 5).

Desse modo, por mais que ambos estejam no âmbito da literatura em prosa, em sua definição:

A literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo (CANDIDO, 1985b, p. 74).

Assim posto, a ideia da circulação literária, ou seja, a influência da obra sobre o leitor, e do leitor sobre o autor, e, por conseguinte, sobre o texto. Sobre também é correto afirmar que se entende

por sistema a articulação dos elementos que constituem a atividade literária regular: autores formando um conjunto virtual, e veículos que permitem seu relacionamento, definindo uma vida literária: públicos, restritos ou amplos, capazes de ler ou de ouvir as obras, permitindo com isso que elas circulem e atuem; tradição, que é o reconhecimento de obras e autores precedentes, funcionando como exemplo ou justificativa daquilo que se quer fazer, mesmo que seja para rejeitar. (CANDIDO, 1999, p.15).

Com tais ideais propostos, vemos que a literatura permeia sempre o vínculo da própria literatura com a sua cultura matriz, seja a Amazônia de Inglês de Sousa, seja Moçambique de Mia Couto. Assim, literatura sendo o colóquio entre os meios da produção do texto, desde autor, passando pela obra, terminando no leitor, este projeto trabalha com a ideia de literatura definida por Candido.

Como obras distintas e análogas, a escolha dos textos de Contos amazônicos (SOUSA, 2004) e de Estórias abensonhadas (COUTO, 2012) parte da ideia de uma análise a narrativas onde o mítico e o místico são retratados, não somente como pano de fundo das histórias e estórias, mas também como retrato central e ligação das personagens, principalmente por ser uma característica das literaturas ditas regionais, trazerem em seu corpo as crenças de um povo e seu sincretismo religioso, essencialmente por se formar de uma miscelânea de culturas e povos, seja na Amazônia brasileira de Inglês de Souza, ou em Moçambique de Mia Couto (MENON, 2007).

Desse modo, a proposta é ver os pormenores culturais das obras, dentro da perspectiva da linguagem e das identidades dos habitantes da terra retratada nas linhas. Tudo isso através das narrativas amazônicas, que trazem em seu corpo, retratadas por contos de singularidades riquíssimas, as identidades e as culturas amazônicas, e como elas conversam com as identidades e culturas moçambicanas.

Objetivos

O principal objetivo desse projeto de pesquisa é analisar contos do autor brasileiro Herculano Marcos Inglês de Sousa, procurando elementos narrativos que destacam a visão mítica e mística dos povos amazonenses, destacando os pontos de verossimilhanças com os contos do moçambicano António Emílio Leite Couto, conhecido pelo pseudônimo Mia Couto. A proposta é salientar a aproximação narrativa dos escritores, baseado nas relações homológicas, que como elucidado por Gonçalves (1997, p. 57), “são muitos os caminhos para que se efetue essa busca”. Logo, a proposta do estudo da literatura comparada não se fecha apenas no igual, mas também no discordante; no que há de próximo e distante. Parelhos na temática alegórica, desde a concepção mítica de mundo, assim definido:

O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. (Eliade 1978, p. 11).

E a partir disso também trabalhar a modalidade da oralidade nas literaturas estudadas, como bem disse Cassirer:

A linguagem e o mito se acham originariamente em correlação indissolúvel, da qual só aos poucos cada um se vai desprendendo como membro independente. Ambos são ramos diversos da mesma enformação simbólica, que brota de um mesmo ato fundamental, e da elaboração espiritual, da concentração e elevação da simples percepção sensorial. (CASSIRER, 1985, p. 106).

Assim, este projeto tem por objetivo trabalhar a relevância do mítico na literatura, e de que maneira ele transpassa períodos literários, escolas literárias, barreiras geográficas, séculos e milênios de diferença; pois, segundo Cassirer, o mito é a primeira forma de metáfora na linguagem, o que depois resulta na literariedade presente em toda e qualquer literatura. Além de ser também uma primeira tentativa de razão sobre o mundo, já que, antes disso, religião, arte e ciência eram de certo modo um amalgama, e nessa miscelânea as tradições orais ganham sua importância, que é o centro da série de contos aqui estudados, e por consequência, centro deste projeto de pesquisa.

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