Biomedicina
Trabalho Universitário: Biomedicina. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 15/3/2014 • 1.938 Palavras (8 Páginas) • 615 Visualizações
Comunicação em saúde
Relação Técnicos de Saúde – Utentes
JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*)
de comunicação social, na Internet e outras
tecnologias digitais (CD Rom, DVD)
- Na educação dos utentes com a finalidade
de melhorar a acessibilidade dos serviços
de saúde
- Na formação dos técnicos de saúde
- Nas relações interprofissionais em saúde
- Nas intervenções e afirmações públicas
dos técnicos de saúde
- Na comunicação interna nas organizações
de saúde
- Na qualidade do atendimento dos utentes
por parte de funcionários e serviços.
Esta nota didáctica centra-se no primeiro contexto:
a comunicação na relação entre os técnicos
de saúde e os utentes dos serviços de saúde.
1.2. Importância da comunicação em saúde
A importância dos processos de comunicação
em saúde é dada pelo seu carácter:
- Transversal – A várias áreas e contextos de
saúde, quer nos serviços de saúde quer na
comunidade
- Central – Na relação que os técnicos de
saúde estabelecem com os utentes no quadro
da prestação dos cuidados de saúde
- Estratégico – Relacionado com a satisfação
dos utentes.
Os processos de informação e comunicação
em saúde têm importância crítica e estratégica
porque podem influenciar significativamente a
avaliação que os utentes fazem da qualidade dos
cuidados de saúde, a adaptação psicológica à doença
e os comportamentos de adesão medicamentosa
e comportamental.
A avaliação que os utentes fazem da qualidade
dos cuidados de saúde prestados pelos técnicos
em grande parte é a partir da avaliação
que fizeram das competências comunicacionais
dos técnicos de saúde com os quais interagiram.
Os processos de adaptação psicológica às doenças
também podem ser influenciados pela
comunicação dos técnicos de saúde, uma vez
que, quando uma pessoa adoece e procura ajuda
num serviço de saúde, o controlo do stresse ligado
ao adoecer também pode ser influenciado positivamente
pela transmissão de informação adequada
(formatada ou personalizada) às necessidades
daquela pessoa naquele momento, o que
influencia, por seu turno, o modo como se confronta
com os sintomas da doença e se relaciona
com os próprios técnicos.
Finalmente, pode influenciar os comportamentos
de adesão às recomendações de saúde (adesão
medicamentosa e a exames para rastreio, diagnóstico
e/ou controlo de doenças, bem como a
medidas terapêuticas e de reabilitação), desenvolvimento
de auto-cuidados na doença crónica
e adesão a comportamentos preventivos relevantes
para reduzir riscos para a saúde a nível alimentar,
sexual, etc. e para adopção de estilos de
vida mais saudáveis.
Comunicação efectiva em saúde tem influência
importante a nível individual e a nível comunitário:
- A nível individual ajuda a tomar consciência
das ameaças para a saúde, pode influenciar
a motivação para a mudança que visa
reduzir os riscos, reforça atitudes favoráveis
aos comportamentos protectores da saúde
e pode ajudar a adequar a utilização dos
serviços e recursos de saúde
- A nível da comunidade pode promover mudanças
positivas nos ambientes socio-económicos
e físicos, melhorar a acessibilidade
dos serviços de saúde e facilitar a adopção
de normas que contribuam positivamente
para a saúde e a qualidade de vida.
Em resumo, os processos de informação e comunicação
em saúde podem influenciar os resultados
da actividade dos técnicos em termos de
ganhos em saúde, no que se refere à morbilidade,
bem-estar psicológico e qualidade de vida dos
utentes e são excelentes analisadores da qualidade
dos cuidados e das competências dos técnicos
de saúde.
2. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO ENTRE OS
TÉCNICOS DE SAÚDE E OS UTENTES
É muito fácil existirem problemas de comunicação
entre técnicos de saúde e utentes, quanto
mais não seja porque, sobretudo em consultas e
outras intervenções, as agendas são diferentes. Senão,
vejamos:
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- Para os técnicos de saúde a agenda é: Quais
são os sintomas? Que doença é esta? O que
mostra o exame clínico? Qual é o diagnóstico?
Que exames é necessário fazer? Quais
são os resultados dos exames? Que medidas
terapêuticas são necessárias? Que medidas
de reabilitação são necessárias?
- Para os utentes a agenda é: Porquê eu? Porquê
agora? Qual a causa disto? O que é que
me pode acontecer? O que é que os técnicos
vão fazer comigo? O que é que isto significa
para a minha vida, família e trabalho?
Vê-se perfeitamente que, com estas agendas
tão diferentes, para o utilizador dum serviço de
saúde, quer esteja numa consulta quer a realizar
um exame de imagem ou outro, é muito fácil existirem
dificuldades de comunicação entre técnicos
e utentes, que tendem a ser ainda mais facilitadas
sempre que em simultâneo houver: longas
esperas e consultas ou intervenções rápidas; entrevistas
centradas mais nos técnicos do que nos
utentes; ansiedade por parte do utente e atribuição
de valor escasso à comunicação com o utente.
2.1. A insatisfação com a qualidade dos cuidados
Enquanto utilizadores dos serviços de saúde,
os indivíduos necessitam mais do que cuidados
físicos, nomeadamente necessitam, de atenção ao
seu bem-estar psicológico, medos específicos e
ansiedades relacionadas com saúde e doenças,
exames a realizar e tratamentos, qualidade de vida,
crises pessoais e familiares, etc.
Sempre que não há resposta adequada a essas
necessidades há insatisfação dos utentes em relação
ao comportamento dos técnicos de saúde e
uma avaliação negativa da qualidade dos cuidados
que foram prestados.
Os estudos que existem nesta área põem em
evidência de forma consistente que os utentes dos
serviços de saúde queixam-se e criticam os desempenhos
comunicacionais dos técnicos de saúde,
quer no quadro de consultas quer de outras
intervenções.
Quer dizer: parte significativa da insatisfação
dos utentes com a qualidade dos cuidados de saúde
tem a ver com os desempenhos comunicacionais
dos técnicos de saúde. Os utentes gostariam
de ter mais tempo para falar, mais tempo
para fazer perguntas, mais informação sobre os
exames que é preciso realizar e os seus eventuais
resultados, mais informação sobre o diagnóstico
da doença e sobre o seu tratamento e reabilitação
e maior sensibilidade para as suas preocupações...
2.2. Principais problemas de comunicação na
relação dos técnicos de saúde com os utentes
As dificuldades de comunicação entre técnicos
e utentes podem ter a ver com três aspectos
fundamentais:
- Transmissão de informação pelos técnicos
de saúde
- Atitudes dos técnicos de saúde e dos utentes
em relação à comunicação
- Comunicação afectiva dos técnicos de saúde
- Literacia de saúde dos utentes.
2.2.1. Transmissão de informação pelos técnicos
de saúde
Os principais problemas que podem ocorrer
na transmissão de informação pelos técnicos de
saúde são:
- Informação insuficiente, imprecisa ou ambígua
sobre comportamentos de saúde (por
exemplo, regimes alimentares, exames de
rastreio), natureza da doença que afecta o
utente, exames complementares e tratamentos
- Informação excessivamente técnica sobre
resultados de exames ou causa da doença
- Tempo escasso dedicado à informação em
consultas e intervenções mais centradas nos
técnicos do que nos utentes.
A informação em saúde necessita de ser clara,
compreensível, recordável, credível, consistente
ao longo do tempo, baseada na evidência e personalizada.
Esta personalização significa que a
informação é “à medida” das necessidades de informação
do utente naquele momento, adaptada
ao seu nível cultural e adaptada ao seu estilo cognitivo.
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Há quem necessite de muita informação sobre
o problema de saúde, os exames e os tratamentos
e há quem prefira pouca informação. Por outro
lado, a natureza da informação necessária pode
variar de indivíduo para indivíduo. Por exemplo,
em relação à realização de exames e mesmo de
intervenções cirúrgicas há quem necessite de informação
sensorial (o que vou sentir), há quem
necessite de informação de confronto (o que posso
fazer) e há quem necessite de informação de
procedimento (o que vai acontecer).
A personalização da informação em saúde permite
economizar tempo, aumentar a satisfação dos
utentes e facilitar a sua intenção de virem a adoptar
os comportamentos esperados.
2.2.2. Atitudes dos técnicos de saúde e dos utentes
em relação à comunicação
Atitudes negativas e desfavoráveis dos técnicos
de saúde e dos utentes em relação à comunicação
podem conduzir a problemas comunicacionais
relativos à sua interacção.
Os técnicos de saúde encorajam pouco as perguntas
por parte dos utentes, tendem a falar
mais do que a ouvir, não se interessam por conhecer
qual a perspectiva do utente nem as suas
preocupações e expectativas. Induzem atitudes passivas
por parte dos utentes, quando a participação
activa tem efeito positivo na recepção da comunicação,
confere maior percepção de controlo e,
portanto, menos stresse e menor ansiedade; e evitam
recolher dados sobre a situação pessoal, familiar
ou profissional do utente.
Os utentes adoptam com frequência atitudes
passivas e dependentes, concordantes com as influências
sociais e culturais tradicionais das relações
entre os leigos e os peritos.
O contexto de referência no qual ocorrem as
interacções é dominado pelo modelo biomédico
(que valoriza excessivamente as técnicas de diagnóstico
e de tratamento e desvaloriza o sofrimento
e a comunicação) e pelo modelo autoritário
de influência social dos técnicos de saúde, no
qual o paradigma relacional é de tipo parental e
o paradigma comunicacional é de tipo perito/leigo.
Particularmente, não é eficaz na comunicação
persuasiva, que exige um modelo de cooperação
que tenha em conta as atitudes, crenças e
expectativas do utente.
2.2.3. Comunicação afectiva dos técnicos de
saúde
Problemas de comunicação na relação entre
os técnicos de saúde e os utentes podem relacionar-
se com os processos de comunicação afectiva
dos técnicos de saúde, em particular quando
ocorrem:
- Distanciamento afectivo, relacionado com
o evitamento de temas difíceis da doença
grave, ameaçadora ou terminal ou de resultados
positivos de exames que se realizaram
(as “más notícias”). Pode levar facilmente
à banalização
- Desinteresse pelas preocupações do utente
tem em relação ao seu futuro
- Dificuldade em funcionar como fonte de
apoio emocional e de transmissão de segurança.
2.2.4. Baixa literacia de saúde dos utentes
A literacia de saúde é a capacidade para ler,
compreender e lidar com informação de saúde,
capacidade em relação à qual é importante ter
em conta que há desigualdades de oportunidades
em relação à comunicação em saúde para indivíduos
com estatuto socio-económico baixo e nível
educacional baixo.
Baixa literacia de saúde é a dificuldade em
compreender qual é o seu estado de saúde e quais
são as necessidades de mudança de comportamentos,
planos de tratamentos e de auto-cuidados,
que pode relacionar-se com literacia geral
baixa, nível de conhecimentos baixos sobre saúde
ou inibição resultante do embaraço e medo do
ridículo.
2.3. Consequências dos problemas de comunicação
entre os técnicos de saúde e os utentes
As consequências dos problemas de comunicação
na relação entre os técnicos de saúde e os
utentes podem ser variadas:
- Insatisfação dos utentes com a qualidade dos
cuidados de saúde
- Erros de avaliação, porque não se identificam
queixas relacionadas com crises pessoais,
dificuldades de adaptação e/ou psico-
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patologia e se focaliza-se no primeiro problema
apresentado, que nem sempre é o mais
importante
- Comportamentos de adesão mais insatisfatórios
- Mais dificuldades no confronto e adaptação
à doença por não saber o que fazer (incerteza),
ter recebido informação contraditória
(ambiguidade) ou até por se sentir incompreendido
- Comportamentos inadequados de procura
de cuidados, quer procura excessiva e/ou recorrente
dos serviços de saúde quer procura
alternativa.
Particularmente, as dificuldades relacionadas
com a transmissão de informação e com atitudes
inadequadas dos técnicos em relação à comunicação
podem resultar em comportamentos de
adesão insatisfatórios em relação a adopção de
comportamentos saudáveis, realização de exames
de rastreio e de diagnóstico, tratamentos medicamentosos,
desenvolvimento de auto-cuidados,
realização de outras consultas e adesão a medidas
de reabilitação. O utente não compreendeu
o que é necessário fazer, não se recorda do que
foi dito, não teve possibilidade de fazer perguntas
ou não acredita que valha a pena seguir as recomendações
dos técnicos...
Seja como for, podem ser consequências gravosas
para o bem-estar dos utentes e dos técnicos
de saúde e podem ter custos económicos para os
indivíduos e para a comunidade.
3. COMO MELHORAR A COMUNICAÇÃO
ENTRE OS TÉCNICOS DE SAÚDE E
OS UTENTES
A melhoria dos processos de comunicação que
ocorrem na relação entre os técnicos de saúde e
os utentes exigem uma intervenção dupla sobre
os técnicos de saúde e sobre os utentes com a
finalidade de desenvolver as suas competências
de comunicação.
3.1. Formação dos técnicos de saúde
Há necessidade de desenvolver as competências
comunicacionais dos técnicos de saúde, principalmente
porque a formação universitária dos
técnicos de saúde assenta predominantemente nos
aspectos biomédicos, técnicos e assistenciais e
tende a negligenciar aspectos centrais como a comunicação
em saúde, essencial também na humanização
dos serviços.
Assim, é desejável aumentar as oportunidades
de formação relacionada com competências de
comunicação, quer na formação académica, quer
na formação pós-graduada e profissional dos técnicos
de saúde, nomeadamente no que se refere a:
- Competências básicas de comunicação, tais
como escuta activa, perguntas abertas e técnicas
facilitadoras
- Treino assertivo
- Resolução de conflitos e negociação
- Como transmitir más notícias
- Como transmitir informação sobre medidas
preventivas, exames, tratamentos e autocuidados,
enfatizando mais os comportamentos
desejáveis do que os factos técnicos
- Como transmitir informação de saúde escrita
- Elaboração de guidelines.
Os técnicos de saúde devem tornar-se cada vez
melhores comunicadores e melhores utilizadores
das tecnologias de informação.
3.2. Desenvolvimento da assertividade e empowerment
dos utentes
Importa desenvolver acções destinadas a promover
competências de comunicação e mais empowerment
nos utentes, quer nos serviços de saúde
quer na comunidade, de forma a que os utentes
se tornem mais pro-activos na procura de informação
sobre saúde.
Nos serviços de saúde trata-se de aumentar o
seu nível de participação, ajudar a identificar as
preocupações, incentivar a fazer, antes da consulta,
exames ou tratamentos, uma lista do que
querem falar ou perguntar, assegurar que consegue
fazer as perguntas que quer fazer.
Na comunidade trata-se de contribuir para o
desenvolvimento da literacia de saúde, através de
actividades nas escolas, locais de trabalho, grupos
comunitários e, ainda, de aumentar o acesso
à Internet, o que é essencial para aumentar a acessibilidade
à informação de saúde, bem como o
contacto com técnicos e serviços de saúde.
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