Machado De Assis
Dissertações: Machado De Assis. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: 93102604 • 4/11/2014 • 1.673 Palavras (7 Páginas) • 236 Visualizações
Quincas Borba
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.
Publicado originalmente em folhetins, de 1886 a 1891, em A Estação.
Publicado em volume pela Garnier, Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1891,
com substanciais diferenças com relação aos folhetins.
O que aqui vai é justamente a edição em livro.
PRÓLOGO DA 3ª EDIÇÃO
A segunda edição deste livro acabou mais depressa que a primeira. Aqui sai ele
em terceira, sem outra alteração além da emenda de alguns erros tipográficos,
tais e tão poucos que, ainda conservados, não encobririam o sentido.
Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que dê a este livro o
seguimento de outro. “Com as Memórias Póstumas de Brás Cubas, donde este
proveio, fará você uma trilogia, e a Sofia de Quincas Borba ocupará
exclusivamente a terceira parte.” Algum tempo cuidei que podia ser, mas relendo
agora estas páginas concluo que não. A Sofia está aqui toda. Continuá-la seria
repeti-la, e acaso repetir o mesmo seria pecado. Creio que foi assim que me
tacharam este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo tempo fora no
silêncio da minha vida. Vozes houve, generosas e fortes, que então me
defenderam; já lhes agradeci em particular; agora o faço cordial e publicamente.
1889.
M. de A.
CAPÍTULO PRIMEIRO
Rubião fitava a enseada, — eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os
polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de
Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas, em
verdade, vos digo que pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o
presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista. Olha para si,
para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano
Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu;
e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de
propriedade.
— Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana Piedade
tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não
casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia
uma desgraça...
CAPÍTULO II
Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor,
vexado daquele pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma canoa
que ia passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe
importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião acompanham,
arregalados? Ele, coração, vai dizendo que, uma vez que a mana Piedade tinha de
morrer, foi bom que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... — Bonita
canoa! — Antes assim! — Como obedece bem aos remos do homem! — O certo é
que eles estão no Céu!
CAPÍTULO III
Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar,
ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro,
eram os metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo
Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras
que aqui está na sala, um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher,
escolheria a bandeja, — primor de argentaria, execução fina e acabada. O criado
esperava teso e sério. Era espanhol; e não foi sem resistência que Rubião o
aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe dissesse que estava acostumado
aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas estrangeiras em casa, o amigo
Palha insistiu, demonstrando-lhe a necessidade de ter criados brancos. Rubião
cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala, como um pedaço
da província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um francês, Jean; foi
degradado a outros serviços.
— Quincas Borba está muito impaciente? perguntou Rubião bebendo o último gole
de café, e lançando um último olhar à bandeja.
— Me parece que sí.
— Lá vou soltá-lo.
Não foi; deixou-se ficar, algum tempo, a olhar para os móveis. Vendo as pequenas
gravuras inglesas, que pendiam da parede por cima dos dois bronzes, Rubião
pensou na bela Sofia, mulher do Palha, deu alguns passos, e foi sentar-se no pouf,
ao centro da sala, olhando para longe...
— Foi ela que me recomendou aqueles dois quadrinhos, quando andávamos, os
três, a ver coisas para comprar. Estava tão bonita!
...