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O CABELEIRA

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Por:   •  23/3/2014  •  2.033 Palavras (9 Páginas)  •  3.362 Visualizações

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O CABELEIRA – ROMANCE ROMÂNTICO OU

ROMANCE REALISTA?

Esta comunicação tem como objetivo uma breve análise do romance “O Cabeleira”, publicado em 1876, pelo escritor cearense Franklin Távora, problematizando a representação do romance romântico e o romance realista, fazendo também menção ao regionalismo para melhor compreensão da obra, do autor e dos motivos que o levaram a escrever esse romance que detém um tema pouco atrativo para época, caracterizado por um bandido/herói legendário.

“O Cabeleira” está inserido num projeto literário criado por Távora, denominado Literatura do Norte, onde ele defende suas ideologias políticas e sociais, sendo a principal a criação de uma literatura própria e característica do Brasil, com menos influencia europeia, chamando a atenção do governo, da burguesia e do resto do país para a região Nordeste e seus problemas oriundos da seca e da miséria.

Franklin Távora foi o principal romancista regional do nordeste, sendo o primeiro escritor brasileiro a retratar o cangaço nordestino abordando temas como a violência e a maldade relacionando-os com o crime e a pobreza.

O estudo inicia com a exposição do contexto histórico, social e político no momento que antecederam a criação do romance “O Cabeleira”, seguido de algumas observações sobre o regionalismo, sobre espaço visto como “o entre lugar” e curiosidades da obra. Com base nessas explanações apresentarei a questão da representação do romance romântico ou romance realista contextualizando a transição entre esses estilos literários.

Voltando ao contexto histórico é relevante mencionar que o Império (forma de governo da época), acabava de entrar em crise e nesse período surge o movimento intelectual da Geração de 1870, composto por indivíduos de classes e culturas heterogêneas que partilhavam o mesmo descontentamento e situação política, expressando assim suas críticas à elite do Brasil Império.

Esse panorama histórico e político influenciou literariamente na produção de Franklin Távora, no romance “O Cabeleira”, provocando um encadeamento lógico entre as ideias políticas e sociais do escritor cearense e o seu empenho em atender as demandas sociais.

Nessa época as produções literárias que emergiam e transitavam no Brasil eram de autores europeus, influenciando diretamente as obras nacionais que não assimilavam à temática relacionada à realidade nordestina daquele período: o banditismo e o cangaceirismo, as situações de aventuras, incertezas, perigos e emoções dos matutos, sem lugar certo e quase sem rosto na identidade nacional. Mas é interessante refletir que os temas populares referindo-se a nordestinos e sertanejos, já se faziam presentes na literatura nacional nos romances “Inocência, o Garimpeiro e O Sertanejo”, de Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e José de Alencar respectivamente, entre outros.

Nesse contexto “O Cabeleira” foi o romance inaugural de Távora em seu projeto Literatura do Norte. Logo no prefácio, o autor postula o que seria essa literatura e qual seria a perspectiva do projeto nacionalista:

“Inicio esta série de composições literárias, para não dizer estudos históricos, com Cabeleira, que pertence a Pernambuco, objeto de legítimo orgulho para ti , e de profunda admiração para todos os que têm a fortuna de conhecer essa refulgente estrela da constelação brasileira. Tais estudos, meu amigo, não se limitarão somente aos tipos notáveis e aos costumes da grande e gloriosa província, onde tiveste o berço.”(TÁVORA, 1973, p. 12)

Surge uma tensão estética entre literatura do Sul e literatura do Norte. Mas a meta desejada por Távora era de uma construção literária genuinamente brasileira, com o objetivo de estabelecer uma identidade nacional. O momento era propício em virtude das ideias liberais, abolicionistas e republicanas que afloravam, formando a base do pensamento brasileiro no período de 1870 a 1890. Assim Franklin Távora advoga a necessidade de mudanças, onde cada um (Norte e Sul) deveria ter uma literatura própria:

“Por infelicidade do Norte, porém, dentre os muitos filhos seus que figuram com grande brilho nas letras pátrias, poucos têm seriamente cuidado de construir o edifício literário dessa parte do império que, por sua natureza magnificente e primorosa, por sua história tão rica de feitos heroicos, por seus usos, tradições e poesia popular, há de ter cedo ou tarde uma biblioteca especialmente sua.” (TÁVORA, 1973, p. 15).

Diante do que foi exposto, do contexto histórico que envolve o desenvolvimento desse romance, objeto desse estudo, devemos considerar que o “cangaço”, tema central da obra de Távora, foi um fenômeno social ocorrido entre os anos de 1870 a 1940 e os motivos de seu crescimento estavam atrelados à realidade vigente daquela região, como a seca, a miséria, a opressão, exploração, ausência do poder público, etc.

A partir de agora avançaremos para a questão do regionalismo presente no romance “O Cabeleira”, fazendo um paralelo com o realismo. Assim a narrativa de Franklin Távora conduz a uma reflexão acerca da impossibilidade de separação entre o viés regionalista e os problemas sociais e políticos do Brasil, ou seja, o realismo.

Segundo Alfredo Bosi (1994), o regionalismo romântico transporta para a literatura a realidade das regiões rurais, em geral, desconhecidas pelos os indivíduos que vivem nas metrópoles. Em suas considerações Bosi afirma, que “o regionalismo de Bernardo Guimarães mistura elementos tomados à narrativa oral, os 'causos' e as 'estórias' de Minas Gerais e Goiás com uma boa dose de idealização” (p. 142). Seguindo esse pensamento e definindo as marcas dos primeiros escritores regionalistas Bosi chega a Franklin Távora na qual julga ser o responsável pelo regionalismo com intuito/forma de manifesto e reivindicação.

A realidade que se mostra no romance de Távora é a do sertão nordestino, com descrições da geografia local, deixando transparecer todo o universo que percorre a obra “O Cabeleira”, sendo plausível apreciar a reminiscência do autor em relação à realidade documental da geografia daquela região, adequados a sua atualidade.

“Na época em que se passou esta história, fazia o Capibaribe, adiante do Forte da Piranga, um cotovelo, que foi depois aterrado, e é hoje quintal de uma casa. O ângulo internava-se na direção do sul por entre uns lajedos alcantilados que se sumiam dentro de um capão de mato. Era uma situação selvagem e encantadora, pela fartura da amenidade e das sombras com que a dotara a natureza, a qual desde os Afogados até o Peres apresenta uma face monótona e triste – uma imensa planície, coberta de capim-luca.” (TÁVORA, 1973, p. 39).

Apesar da narrativa, muitas vezes, mostrar-se como painel histórico e documental, o tema da seca (realidade local) é recorrente e bem marcada na narrativa:

“A seca devastava ainda o interior da província como chama que irrompe do seio da terra, e tudo abrasa e destrói” (TÁVORA, 1973, p. 96).

[...] “A seca estava fazendo no gado vítimas aos centos” (TÁVORA, 1973, p.77).

Na tradição regionalista, Franklin Távora, destacou o valor da observação no desenvolvimento ficcional literário, criticando a criação artística dos escritores românticos, oriunda de uma imaginação exagerada que disfarçava a realidade cruel do país. Algumas críticas foram direcionadas especificamente as obras de José de Alencar, com o qual Távora tinha algumas divergências. (O Gaúcho e Iracema)

Távora é explicitamente favorável ao compromisso com a observação fiel da natureza e ao ambiente que rodeiam as pessoas, independente da idealização romântica. Dessa forma acreditava que a imagem apresentada colocava em evidência um universo naturalmente perigoso, desconhecido, não submetido ao poder do homem, vindo a ser registrado e visível através do regionalismo. Segundo o autor era necessário e relevante fazer uma literatura descrevendo com o máximo de realismo o sertão nordestino, para assim concretizar a descoberta não só daquela região, mas também de seu povo como um todo.

Agora a análise será direcionada para a discussão do romance romântico ou romance realista.

Partindo do registro fiel e descritivo dos romances de Franklin Távora em relação ao ambiente, julgando as coisas como elas são, abrangendo causas realistas do momento, a linearidade e temática romântica, pressupõe-se que sua produção literária divide-se, em algumas circunstâncias entre o romantismo e o realismo. Considerando os excessos descritivos local, de datas e alguns acontecimentos históricos, podemos afirmar que “O Cabeleira” faz parte de uma literatura nacionalista, com um romance idealizado, que manifestava as necessidades iminentes do nordeste pernambucano, como a omissão do Estado, a falta de investimento em educação, o banditismo, o cangaceirismo, entre diversos outros problemas, que poderiam ser amenizados com a intervenção de poder competente. Assim disponho duas citações, sendo a primeira romântica e a segunda do realismo para melhor percepção e clareza da questão central desse estudo, “Romance romântico ou romance realista?

“Com os braços trêmulos o Cabeleira apertou Luísa novamente contra o peito onde lhe ardia o coração em chamas de entranhado amor”. (Távora, 1973, p 92)

(...) “José foi sempre o motivo, a causa desse combate sem tréguas, José, o filho sem sorte que estava fadado a legar à posteridade um eloquente exemplo para provar que sem educação e sem moralidade é impossível a família; e que a sociedade tem o dever, primeiro que o direito de obrigar o pai a proporcionar à prole, ou proporcioná-lo ela quando ele o não possa, ensino que forma os costumes domésticos nos quais os costumes públicos se firmam e pelos quais se modelam.” (Távora, p. 44).

Nesse instante o estudo problematiza a transição do “Romantismo para o Realismo” tentando mostrar que aos poucos, o empenho em questões da realidade externa e a oposição ao governo nacional, vão se tornando incompatíveis com o subjetivismo e o patriotismo, ambos característicos das gerações românticas anteriores.

“Influenciados pela filosofia positivista e pelo evolucionismo de Auguste Comte, Charles Darwin e outros pensadores europeus e escritores importantes como Tobias Barreto, Silvio Romero e Capistrano de Abreu que empenham-se na luta contra a monarquia. As ideias liberais, abolicionistas e republicanas formam a base do pensamento da inteligência brasileira a partir da década de 1870, que concentra a produção da chamada Terceira Geração do Romantismo e marca o início da transição para o Realismo”. (http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=definicoes_texto&cd_verbete=12166&lst_palavras=) Acesso em 05 de outubro de 2013.

Concluindo a questão da transição dos estilos literários, é interessante discutir a forma como se dá o entre lugar no romance de Távora, sendo importante conceituar o que quer dizer esse termo “o entre lugar”. Podemos definir o entre lugar como a fusão de universos diversos que se situa mediante um contexto ideológico, social e histórico. Considero que essa definição seja mais coerente com o romance “O Cabeleira”, pois o autor vincula a tensão histórica e social entre o urbano e o rural, vida na cidade e vida no mato, civilização e barbárie entre outros.

E para finalizar essa análise do romance “O Cabeleira” de Franklin Távora, mostrarei como uma curiosidade interessante, uma trova anônima que compõe o romance manifestando a importância da educação na formação do homem, pois José Gomes era valente e audaz, e poderia, segundo o autor, ter-se tornado um “herói”, se o caminho imposto pelo pai fosse outro:

“Quem tiver seus filho

Saiba-os ensinar;

Veja o Cabeleira

Que vai a enforcar.

Adeus, ó cidade,

Adeus, Santo Antão,

Adeus, mamãezinha

Do meu coração.” (Távora, p.155)

Os versos dos trovadores anônimos constituem um testemunho do exemplo moral dado pela triste vida deste “herói do mal”, registrado na tradição oral, despertando a simpatia da sociedade. A ambiguidade em relação a esta figura é explicitada por Távora, quando acrescenta:

“A sua audácia e atrocidades deve seu renome este herói legendário para o qual não achamos par nas crônicas provinciais. Durante muitos anos, ouvindo suas mães ou suas aias cantarem as trovas comemorativas da vida e morte desse como Cid, ou Robin Hood pernambucano.” (1973, p.17)

Enfim na análise da obra “O Cabeleira”, interessa ressaltar que conforme intenção do autor, o regionalismo cumpriu a missão de divulgação de um lugar desconhecido, o romantismo idealizou esse lugar enquanto que o realismo criticou o seu abandono. A junção dos estilos literários estabeleceu uma superfície ficcional no romance com a finalidade de chocar, provocar e chamar a atenção, como se fosse um pedido de socorro, tendo como protagonista um cangaceiro, fruto da negligência do Estado e da sociedade, sendo que no fim morre após sua redenção para o bem.

BIBLIOGRAFIA:

TÁVORA, Franklin. . O Cabeleira. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1973.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 41ª edição. São Paulo: Cultrix, 1994.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 11ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007ª.

RIBEIRO, Cristina Betioli. Um norte para o romance brasileiro: Franklin Távora entre os primeiros folcloristas. Campinas, SP: 2008. (Tese de doutorado). Disponível em

http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2011/portugues/teses/tese_cristinabetiolo.pdf. Acesso em 24 de setembro de 2013.

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