O EPIFÂNIO À SINCRONICIDADE
Por: Leo Silva • 2/3/2020 • Artigo • 7.877 Palavras (32 Páginas) • 134 Visualizações
Rito e Religio - do epifânico a sincronicidade: Individualidades desbussuladas na busca da integração do individual/coletivo pela via da individuação
Leandro Alves da Silva
RESUMO: Esse artigo tenciona investigar o processo de desenvolvimento da personalidade e da subjetividade por meio de personagens literárias Matôzo e Heliseu dos respectivos livros A Suavidade do Vento (1991) e O Professor (2014) do escritor curitibano Cristovão Tezza. Dessa forma, consideraremos os fatores individuais e coletivos como condições vitais para compreensão e reflexão de tal processo. De modo que partimos dessa perspectiva teórica para analisar a jornada das personagens pelo viés teórico da Psicologia Analítica e da Ciência das Religiões, no que toque aos conceitos de rito, religio e sincronicidade, elucidando elementos da narrativa pessoal e literária que estão contidas no caminho da individuação criado por Carl Gustav Jung (2009a). Dessa forma que apresentamos o qual complexo e único o processo de desenvolvimento da personalidade pode ser, e que algumas categorias coletivas ou generalistas não são suficientes para direcionar ou guiar subjetividades ao longo do seu processo de amadurecimento.
ABSTRACT: This research aims investigate the process of personality and the concept of subjectivity through the literary characters Matôzo and Heliseu from the perspective books A Suavidade do Vento (1991) and O Professor (2014) of the writer from Curitiba, Brazil. In this way, we will consider individual and the collective factors as a vital condition for understanding and reflecting about this process. In that we started from this theoretical perspective to analyze the characters journey by the theoretical bias of Analytical Psychology and the Science of Religions, in what touches the concepts of rite, religio and synchronicity, elucidating elements of personal and literary narrative that are contained in the concept of path of individuation created by Carl Gustav Jung (2009a). In this way we present what is complex and unique about the process of personality development can be, and some collective or general categories are not enough to direct or guide subjectivities throughout their maturation process.
Introdução
Se uma meta ou caminho é posto para atingir as massas como uma forma de lhes garantir sucesso e felicidade, entende-se que o ser humano entre si possui bastantes semelhanças quanto à busca pela satisfação de seus anseios. O que por excelência configura-se uma expressão da coletividade, condicionando a produção de padrões estabelecidos. Entendemos que a ausência de autoconsciência no processo de escolhas e desenvolvimento individual gera nas subjetividades o sentimento de dissolução por serem tragados por acordos coletivos que os oprimem na esfera individual e coletiva. Dessa forma, como lidar com o dilema dos aspectos da vivência individual e coletiva?
Em diversas obras, como a Bíblia, Alcorão, Vedas, Book of Thomas the Contender, e que são basilares para determinadas culturas, há a premissa de que para os indivíduos encontrarem uma plenitude, que simboliza a vivência da felicidade, é irrevogável que se autoconheçam. Porque de acordo com essas obras: quem não conhece a si mesmo, pouco terá conhecido do mundo. E aqueles que obtiveram conhecimento de suas próprias profundezas, terá então conhecido o interior de muitas coisas. De forma que, poderiam se tornar mais capazes (conscientes) de avaliarem sua realidade e, assim, poderem perceber o que realmente podem lhes satisfazer ou não, tornando-se sujeitos catalizadores e conscientes de mudanças.
Da Filosofia à Alquimia: autoconhecimento e seus mecanismos
Em se tratando de livros e escritos que compuseram o ideário de muitas culturas, considera-se notável o trabalho que os alquimistas fizeram no desenvolvimento do manuseio das matérias. A alquimia ficou bastante conhecida no Ocidente por ter se difundido na Idade Média. Entretanto, os alquimistas dessa época, entre o século V e o século XV, não foram os primeiros a inventarem a roda. Anteriormente, a cultura chinesa com a filosofia taoísta se desenvolvia através da alquimia interna a qual propunha que nosso organismo interno e externo (anatomia física) constituía uma paisagem capaz de ser cultivada e cuidada para propiciar melhoria e desenvolvimento da saúde, como também auxiliava no autoconhecimento e na percepção do mundo. O que parece plausível, se considerando a atual situação das sociedades que atrelam ao desenvolvimento cultural-tecnológico-social a práticas que não corroboram para uma boa qualidade de saúde física, mental e social.
Já o trabalho e estudo dos alquimistas ocidentais exerceram um sugestivo efeito sobre a percepção no campo da história da Química. Eles definiram a Opus magna como a grande obra para o trabalho que faziam e que tem como objetivo a produção da pedra filosofal que poderia transformar qualquer objeto em ouro, transmutar qualquer animal e ser a fonte de um elixir que garantiria a vida eterna. Carl Gustav Jung (1972) utiliza essa denominação alquimista para metaforizar o que ele chama de um dos trabalhos mais árduos que o ser humano pode se dispor a fazer: realizar a si mesmo, se individualizar.
C. G. Jung (1972) aborda a individuação como um processo de autorrealização e um possível encontro de uma plenitude nas experiências. Sobre o que ele diz a respeito de plenitude, não se deve entender como o alcance pleno da felicidade, mas sim como a experiência de contentamento diante da realidade que cada indivíduo se encontra. Esse contentamento é possível ao passo que os indivíduos tornam-se mais conscientes de si mesmos. Através do processo de individuação o indivíduo trilha um caminho para alcançar a maturidade psicológica, o autoconhecimento. Jung afirma que o ser individualizado está longe de ser perfeito, ele se torna na verdade um ser desenvolvido em suas possibilidades individuais enquanto sujeito.
Na contemporaneidade vivemos a unilateralidade do pensamento racional e para Jung (2000a) o ser humano possui um sistema dinâmico e constantemente em movimento, a psique, composta pela consciência e pelo inconsciente, que configura num dos fatores comprovativos da multiplicidade humana. O cientificismo racionalista se guia principalmente por aquilo que a nossa consciência e o ego são capazes de compreender. E dessa forma, desconsidera o conhecimento provindo da intuição – função psicológica que Jung (2009) denominou como a percepção advinda dos processos do inconsciente. A partir disso, pode-se entender o descrédito que algumas áreas profissionais recebem pelo seu trabalho não ser “objetivo” ou “sólido”, como as ciências humanas que dinamizam e arquitetam conhecimento. Um material de trabalho considerado imaterial ou abstrato, ainda que possível a comprovação de sua efetividade na vida de todos.
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