Resenha do Filme: Desmundo
Por: NCSL • 13/10/2018 • Relatório de pesquisa • 2.024 Palavras (9 Páginas) • 679 Visualizações
“Desmundo”
O Filme
A produção fílmica do gênero drama Desmundo é uma adaptação do livro de mesmo título da romancista e atriz brasileira Ana Miranda¹ e teve sua primeira edição publicada em 1996. Foi lançada em 2003, com direção de Alain Fresnot, roteiro de Sabina Anzuategui, Anna Muylaert e obteve diversas indicações e reconhecimentos no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro por sua significativa realização. Além disso, a obra cinematográfica foi eleita como melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, ganhou o Troféu APCA (2004) e dentre outras premiações conquistou o prêmio da ABC (2004) de cinematografia nas categorias de melhor direção de arte e melhor fotografia de longa metragem.
A duração da exibição original é de 1h 41m e como o português pronunciado pelos personagens no filme é arcaico, da época em que os acontecimentos mostrados ocorrem, algumas versões do filme possuem legendas em português atual.
O cenário é o Brasil por volta de 1570. Os personagens, a maioria homens, os quais formavam o grupo de primeiros colonizadores portugueses que aqui já realizavam suas explorações. Entre estes, religiosos e donos de engenhos; os índios; algumas mulheres mais idosas, também portuguesas; e as moças órfãs que chegavam da Europa.
Ana Miranda nasceu em Fortaleza, em 1951. Morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje vive no Ceará. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). De lá para cá escreveu diversos romances, entre eles Desmundo (1996), Amrik (1997) e Dias & Dias (2002 prêmios Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras). Foi escritora visitante em universidades como Stanford e Yale, nos Estados Unidos, e representou o Brasil perante a União Latina, em Roma.
DESMUNDO
Jamais que escrevi a Vossa Alteza, a falta que nesta terra há de mulheres com que os homens casem e vivam em servicio de nosso Senhor, apartados de lus (los) pecados e a hora (agora) vivem. Mandem Vossa Alteza, bastante órfãs. E se não houver muchas, venham de mistura delas de quaisquer. Perque são tão desejadas às mulheres blancas acó, que quaisquer farão bem a terra. E os homens de acó se hão apartar do pecado. (Fala inicial do narrador do filme Desmundo)
A cena inicial acontece com a chegada, ao Brasil, das moças órfãs (algumas quase criança), enviadas pelo Reino de Portugal, com o objetivo de serem entregues para casamento aos primeiros colonizadores que se fixaram no país. Como a Igreja Católica exercia grande poder e havia uma imensa valorização do homem “branco”, os padres acumpliciavam este tipo de coisas, influenciando na vinda das meninas para casar com os homens europeus que aqui viviam. Pois estes só poderiam casar com moças donzelas, virgens, puras, brancas. Aspectos culturais racistas e preconceituosos que vemos até hoje, diga-se de passagem.
Acredito que o filme retrata a realidade brasileira daquela época em relação a como infelizmente, a Igreja era coerciva em suas concepções, excedente no tocante a escravização dos índios (que aqui não tiveram voz) e principalmente traduz a condição da mulher no Brasil naquele tempo.
Chamados de “brasis”, os índios eram escravizados pelos colonos. Os jesuítas reclamavam da falta de batismo dos nativos então impunham a religião, o latim cantado, mas os indígenas catequisados tornaram-se, na minha visão, seres indefinidos, para os demais, no filme. Apesar de aparecerem em várias cenas, eram vistos com desconfiança pelos colonos e, às vezes, até com repulsa. O que faz com que qualquer brasileiro consciente dessa falha, sinta-se, no mínimo profundamente, deprimido pela situação vivida pelos nativos do nosso país.
As circunstâncias pelas quais passavam as mulheres, também são deprimentes ao confirmamos que, segundo os costumes da época, quando uma menina perdia o pai, ficava sob a tutoria do Estado português que se tornava responsável pelo seu futuro. A moça/mulher vivia submetida às leis regidas pelo Reino e a Igreja, sob o fundamento de que o homem era superior e, portanto, cabia a ele exercer a autoridade.
Sua educação era voltada exclusivamente para os afazeres domésticos. Aprendia a cozinhar, tecer, bordar. O aprendizado da leitura e da escrita, quando tinha, limitava-se ao mínimo restringindo-se ao funcionamento do futuro lar: ler, escrever, contar para redigir uma receita, um bilhete, uma lista de produtos etc.
Casava-se menina ainda, com 12 anos completos ou até mais cedo. O matrimônio era decidido pelo pai, que ficava muito apreensivo quando a menina de 14 ou 15 anos ainda não se casara, ou pior, se sequer conseguira marido para ela. O futuro marido era, em geral, um homem bem mais velho, alguns de sessenta e até setenta anos e a relação sexual não se destinava ao prazer (especialmente para a mulher), mas à concepção de filhos. Com atos marcados pela violência, quase um estupro, como bem mostra o filme. Deixando profundas marcas físicas e psicológicas. O que automaticamente, nos leva a analisar que no rito sexual, as mulheres participavam apenas como um objeto, sem vez, sem prazer, sem vida.
Segundo a crítica, em geral, foi na obra original, o “livro Desmundo”, apesar de ser considerada por um grande número de leitores, como uma obra forte, pesada e de lamentável realidade, esta criou uma relação muito importante entre a mulher e o Brasil. Pelo fato de que se a história contada nas escolas e até por nós mesmos, não coloca a mulher como parte essencial do que constitui o nosso país, torna-se uma visão verdadeira a história escrita pela autora, que não reduz a essência das coisas – do homem arbitrário, da igreja manipuladora, do poder, da guerra, e, principalmente, da violência presente em tudo. Dessa forma, acredito que a maioria das mulheres que assistem ao filme se reconhece nele, independente da história pessoal de cada uma, se sofreu ou não violência física ou psicológica, qualquer mulher se coloca muito facilmente no lugar delas. O interessante da história é que podemos observá-la por outro lado, diferente do que já ouvimos e isso nos faz compreender diversas coisas, desse período que refletem até hoje no ciclo atual.
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