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Resenha Crítica Do Filme Desmundo

Por:   •  23/9/2024  •  Resenha  •  1.452 Palavras (6 Páginas)  •  57 Visualizações

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RESENHA CRÍTICA DO FILME DESMUNDO

O filme brasileiro Desmundo foi lançado em 2002, sendo uma adaptação do romance histórico escrito por Ana Miranda em 1996, foi dirigido por Alain Fresnot, o filme é ambientado em 1570, sendo uma estonteante recriação do Brasil colonial do século XVI, tendo de 1 hora e 41 minutos de duração, é classificado como drama e recomendado para maiores de 14 anos.

O título remete a um local sem leis, um fim do mundo onde os indivíduos são marginalizados e explorados, tendo como protagonistas os personagens Oribela (interpretada por Simone Spoladore), Francisco de Albuquerque (Osmar Prado) e Ximeno Dias (Caco Ciocler).

A narrativa de "Desmundo" se passa em grande parte nos aldeamentos indígenas da América Portuguesa, e os personagens se expressam no português arcaico do século XVI, aproximando o público da realidade linguística da época. O enredo gira em torno de Oribela, uma jovem órfã portuguesa que é enviada à colônia para se casar com Francisco de Albuquerque, um dos colonizadores.

O filme convida o espectador a refletir sobre a visão ingênua que frequentemente temos desse período e nos desafia a superar a imagem romantizada do Brasil colonial, explorando a complexidade das relações sociais e culturais nas terras recém-colonizadas.

A obra cinematográfica “Desmundo” (2002), baseada no livro homônimo de Ana Miranda, explora a inserção da mulher na história colonial, trazendo à tona questões como a presença das mulheres na sociedade, o papel dos cristãos-novos, a dinâmica do casamento na América Portuguesa e a hierarquia do homem colonizador no início da colonização. Dirigido por Alain Fresnot, o filme não se limita a contar uma história de época, mas questiona as estruturas sociais e culturais que moldaram o Brasil colonial.

A narrativa do filme parte de um problema essencial para os colonizadores: a escassez de mulheres brancas para os casamentos necessários à consolidação do projeto colonial. Com o objetivo de “branquear” a população e garantir a continuidade da dominação europeia, órfãs portuguesas eram enviadas à colônia para se casarem com colonizadores, uma vez que as mulheres de classes superiores se recusavam a atravessar o Atlântico. Esse movimento era uma tentativa explícita de evitar que os colonizadores tivessem descendentes com mulheres indígenas, assegurando que apenas as mulheres brancas fossem vistas como dignas esposas e progenitoras de herdeiros.

Essas mulheres, ao chegarem na colônia, eram acolhidas pela Igreja, que assumia o papel de tutora, organizando seus casamentos com homens europeus. No convento, as órfãs eram instruídas por freiras e mulheres casadas sobre como se tornarem “boas esposas”, submissas e resignadas, moldadas para satisfazer seus maridos e evitar que eles buscassem prazer com as mulheres indígenas. A educação que recebiam era punitiva e repressiva, impregnada de ameaças de desonra e inferno, uma verdadeira domesticação dos corpos femininos para adequá-los aos padrões patriarcais da época.

Dentro desse contexto, a Igreja não só exercia o controle moral sobre as órfãs, mas também funcionava como uma engrenagem da máquina colonial que objetificava essas mulheres, tratando-as como meros instrumentos para o cumprimento de um projeto racial e social. As meninas eram entregues a casamentos forçados, em uma troca calculada por interesses e alianças, onde sua dignidade era sacrificada em nome de uma ordem patriarcal que as subjugava.

O filme se passa majoritariamente em aldeamentos indígenas, revelando a presença essencial, mas relegada, dos povos originários, cujas vidas e culturas são sempre

mostradas de forma marginal. A convivência com os indígenas, mesmo que invisibilizada, é retratada como fundamental para a sobrevivência da colônia, que dependia fortemente da mão de obra nativa. Essa presença se revela crucial, mas os indígenas nunca assumem o protagonismo; eles permanecem como figurantes de sua própria terra, enquanto a história principal se concentra nas dinâmicas do poder colonial europeu.

O casamento, dentro desse cenário, é mostrado como uma honra masculina e uma obrigação feminina. Para os homens, era uma conquista; para as mulheres, um fardo. Muitas vezes, essas jovens eram forçadas a se unir a homens muito mais velhos, um ato que escancara a objetificação e o desconhecimento do corpo e do prazer feminino, já que a satisfação da mulher era ignorada e seu corpo reduzido a um veículo de prazer masculino e procriação.

Além da centralidade da questão feminina, “Desmundo” também aborda a presença de outras minorias, como os escravizados africanos e os cristãos-novos. Ximeno Dias (Caco Ciocler), um cristão-novo, representa essa complexa camada social: um comerciante que, apesar de sua posição, vive sob constante vigilância e suspeita, temendo ser descoberto praticando suas tradições judaicas em segredo. Ele simboliza a precariedade do status e as tensões entre privilégios e perseguições, ilustrando como mesmo as minorias com certo acesso permanecem sob risco e opressão.

O ponto de ruptura do filme emerge com a resistência de Oribela (Simone Spoladore), que recusa seu papel subordinado e desafia as expectativas sociais ao rejeitar seu marido Francisco de Albuquerque (Osmar Prado) e tentar fugir. Sua primeira tentativa de fuga é fracassada e violenta, ilustrando os perigos e as limitações de escapar de uma estrutura social implacável. Ainda assim, Oribela persiste em sua busca por liberdade, se refugiando com Ximeno, onde a narrativa mostra a possibilidade de um amor consensual e verdadeiro, em contraste com as relações forçadas e brutais que dominaram sua vida.

No entanto, o filme revela que as tentativas de subversão individuais, embora poderosas, não são suficientes para derrubar as rígidas estruturas coloniais. Oribela e Ximeno são perseguidos e punidos pela sociedade que tenta perpetuar seu controle, e a história de resistência termina com Oribela sendo recapturada e forçada a retornar à sua condição de esposa submissa, deixando um amargo lembrete de que, no mundo colonial, as pequenas revoltas individuais raramente podiam alterar a ordem imposta.

“Desmundo” assim apresenta não apenas um retrato do Brasil colonial, mas uma crítica incisiva às imposições sociais, ao patriarcado e ao colonialismo, evidenciando

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