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Sobre Camões

Por:   •  8/10/2015  •  Trabalho acadêmico  •  1.636 Palavras (7 Páginas)  •  293 Visualizações

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Sobre Camões

“Que eu canto o Ilustre peito lusitano”

01/05/2015

     Aluna de Poesia Portuguesa III Thaissa Cruz Sales Ferreira

Universidade Federal do Rio de Janeiro


    Introdução:

 No presente trabalho nos utilizaremos um material peculiar, e que exige delicada análise, principalmente quando tratamos da arquitetura dos elementos componentes da obra. A obra “Os Lusíadas” de Luís de Camões desde sua publicação tem convidado inúmeros estudiosos e intelectuais das mais diversas falanges artísticas a entrar nesse mundo complexo e multifacetado das grandes navegações portuguesas.

 Antes de trabalhar a questão proposta, julgo necessário discorrer sobre alguns elementos fundamentais, estes são mito, história e o conceito de epopéia. Em cada uma dessas instâncias iremos abrir alguns “parênteses” para destacar aspectos relevantes, sendo estes contraditórios, ambíguos e até mesmo desconcertantes presentes na obra que é considerada o registro literário da missão mais importante de uma nação.

    Desenvolvimento:

 Sem a necessidade de retroceder até as origens portuguesas propostas abstratamente por Teófilo Braga, iremos trabalhar a questão mitológica orgânica que move e sempre moveu todas as nações românicas, sendo assim o mito é considerada a essência espontânea responsável por atribuir a carga artística que uma nação levará eternamente junto ao seu nome, como foi o caso da Grécia, Tróia, Atena. Porém quando tratamos de Portugal as coisas mudam de figura, pois como já foi dito por Teófilo “Portugal nasceu adulto” e não teve uma figura materna mitológica na qual pudesse alimentar e realimentar sua arte, tal fator nos faz reelaborar nosso conceito de epopéia atribuído aos Lusíadas tão convictamente durante décadas.

“Autoconsciência Nacional” é o que Os Lusíadas representam na história de Portugal. Momento que Portugal nasce e materializa o nascimento artístico e histórico de uma nação que antemão vivia as sombras espanholas. Após as Grandes Navegações Portugal ganha sua autonomia plena com Camões, que singulariza sua literatura e sua história e ao mesmo tempo universaliza sua imagem.

 A respeito da citação de Miguel Torga sobre Os Lusíadas podemos entender que devido à carência dessa essência orgânica Camões recria os portugueses, trazendo a mesma sensibilidade Homérica ou Virgiliana de caráter heróico para as almas daqueles homens que conquistaram terras imensuráveis universalizando sua fé por onde passaram.

 Pensando por um lado ideológico particular, percebi a similaridade substancial entre as epopéias clássicas e Os Lusíadas. Não é uma visão inédita, visto que já foi explorada intensivamente por muitos estudiosos, inclusive em escritos trabalhados em sala como o de Antônio Jose Saraiva. Aquiles, Odisseu esses dissiparam seus feitos por toda população, com medo de cair num esquecimento sem glórias. O que movia suas peregrinações era justamente a sua sede de eternidade, uma “vida pós a morte” se fosse utilizar de uma expressão mais abstrata.

 Nos Lusíadas a força motriz é basicamente a mesma, o “sentimento pátrio” é o que move a ação em busca de eternizar a fé cristã por terras além do mar, na Ilíada a ira de Aquiles que possuí sua imortalidade memorial ameaçada, é essa força motriz que age como uma espécie de alavanca em direção ao objetivo pré-determinado pelos deuses. É dessa forma que Camões cria o mito, “cria”, pois essa tendência orgânica não estava previamente estabelecida na raiz portuguesa. E a partir de uma sensibilidade nacional, estabelece a matéria histórica no mesmo patamar da matéria mitológica.

 O termo desconcerto é responsável por sintetizar toda a narrativa Camoniana, e até vozes mais radicais dirão que nos Lusíadas tudo é desconcerto, então vamos trabalhar primeiramente esse termo junto à afirmação de Miguel Torga proposta na questão.

 Entremos nesse momento na “comédia dos deuses” plano da narrativa onde ocorre a ação e toda a dramatização que move o poema. Vênus e Baco são deuses e personagens que circulam mais ativamente pelas instâncias do poema, junto deles percebemos personagens mitológicos secundários, mas não de menor importância, como as Ninfas e o gigante Adamastor. Camões utiliza do mesmo plano mitológico grego da epopéia, portanto seu poema utiliza de uma estrutura diferenciada, o que iremos observar.

 Torga considera Aquiles e Odisseu, mera marionetes nas mãos das potências divinas que habitam no Olimpo, são os Deuses que modulam e influenciam diretamente suas ações o que é a ideologia padrão de uma epopéia clássica, no entanto quando trabalhamos com Camões as coisas mudam de figura, os princípios são reformulados sofrem uma espécie de mutação. Tanto Vasco da Gama quanto os navegadores livraram-se das cordas que modulam as ações dos heróis das epopéias gregas, tornando-se assim personagens acionistas da trama, destinados a cumprir o seu destino ou fado, como melhor preferir nomear. O fado está acima de qualquer divindade suprema, é algo que já está traçado, independente de qualquer intervenção, seja ela divina ou não. Tal movimento torna os Lusíadas superiores ao ideal de epopéia, como vemos na passagem seguinte:

 Cessem do sábio Grego e do Troiano

 As navegações grandes que fizeram

 Cale-se de Alexandre e de Trajano

 A fama das vitórias que tiveram;

 Que eu canto o ilustre peito Lusitano

 A quem Neptuno e Marte obedeceram

 Cesse tudo que a musa antiga canta,

 Que outro valor mais alto de alevanta

                                                      (I,3).

 Nessa passagem encontrada na terceira estrofe do canto I Camões expõe de maneira direta que não tem a intenção de fazer igual às epopéias, mas sim de fazer-se superior aos Homeros e Virgílios que existiram no passado. Essa questão de superioridade ocasiona o que chamamos de desconcerto camoniano, onde uma imagem antes conservada é distorcida por uma necessidade extrema de consagrar Portugal, e reerguer a nação historicamente e artisticamente decaída.

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