A HISTÓRIA DAS MODALIDADES DE LEITURA
Por: butclarissa • 21/6/2015 • Artigo • 4.440 Palavras (18 Páginas) • 791 Visualizações
PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
CURSO NORMAL – 2ª SÉRIE
TEXTO – A HISTÓRIA DAS MODALIDADES DE LEITURA
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e Leitura. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.
Durante muito tempo, o livro foi o único suporte material do impresso e seu preço era elevado; como havia poucos livros, era comum o leitor ler uma obra desde a primeira linha da primeira página até a última linha da última página. O leitor realizava uma leitura integral, um leitura intensiva.
Até o final do século XVIII, os livros eram muito diferentes do que são hoje, e o prazer do leitor não se limitava apenas ao texto: havia um prazer estético, ligado ao aspecto gráfico. Os livros eram feitos artesanalmente e, através do aspecto gráfico, cada artesão exprimia sua arte; cada exemplar tinha características próprias, cada folha era produzida individualmente. Com procedimentos esmerados, o tipógrafo compunha tipos de letras, trabalhando habilidosamente cada letra, palavra, cada linha, cada página. Letras góticas, páginas com iluminuras, xilogravuras para as ilustrações. Esse era o objeto que o leitor prendia em suas mãos: um objeto de arte. Só após desfrutar do prazer gráfico (qualidade do papel, as iluminuras, desenho ornamental das letras, numa xilogravura impressa) que o leitor se mobilizava em busca do prazer do texto.
O acúmulo do conhecimento humano, a rapidez do seu desenvolvimento e o turbilhão de informações do mundo contemporâneo modificaram profundamente a função da escrita nas sociedades modernas. O livro, antes objeto de arte, passa a ser um produto de consumo de massa. Ao mesmo tempo perde a primazia como suporte da escrita. Esta passa a ser gravada em diversos suportes materiais como cartazes, jornais, folhetins etc. Paralelamente, e como consequência, o uso e as funções da leitura mudaram radicalmente. O leitor perdeu a consciência tipográfica desenvolvendo novas habilidades: a rapidez e a flexibilidade nas várias e diversificadas situações de leitura proporcionadas pelo social. A leitura tornou-se extensiva, pois os hábitos de retorno sistemático às mesmas e poucas obras escolhidas como essenciais (século XVIII) foram substituídos por uma relação mais informativa e ampla com o material escrito . Por seu lado, o livro – memória artificial da humanidade – revela uma arquitetura geométrica e uniforme: um retângulo enquadra uma sequência de linhas sobrepostas, compostas por pontos negros sobre a página branca.
É difícil imaginar, hoje, aquele leitor do século XVIII: vivia num universo mental distante do universo do leitor atual; por consequência, sua concepção de leitura era bem diversa do conceito de leitura do leitor moderno. O ato da leitura, até o século XVIII, ainda tinha muito da aura religiosa dos livros sagrados da Idade Média. Foi um longo percurso até a concepção atual de leitura, na qual o leitor, seletivamente, pontua blocos de significados que se encontram para além do texto escrito. Gutenberg teve que esperar muito tempo para entrar na sala da biblioteca.
Textos antigos, tradição oral
Para os que sabem ler, esse saber é um ato tão natural hoje em dia que chega a ser difícil imaginar outras concepções de leitura. Mas a verdade é que as concepções de leitura variam em função das práticas sociais da leitura e das técnicas de impressão da escrita de cada época. Na antiguidade, o conhecimento era transmitido basicamente através do oral – embora na Grécia e em Roma, por exemplo, boa parte da população dominasse as técnicas de leitura. A ênfase no oral, na antiguidade, é revelada pela espetacular desenvolvimento da arte da oratória e pela importância do ensino através do diálogo entre mestre e aprendiz. A célebre frase “magister dixit” (o Mestre disse) é reveladora de um certo caráter depreciativo em relação à escrita.
As poucas palavras escritas por Cristo foram registradas na areia e apagadas pelas águas. Sócrates nada escreveu, o mesmo ocorrendo com Buda. Para Platão os livros eram esfinges que permaneciam mudas diante das perguntas humanas. O pensamento vivo nas mentes dos discípulos era a pretensão do filósofo Pitágoras, que afirmava “a liberdade de continuarem pensando o pensamento inicial do mestre”. O diálogo, estratégia básica de transmissão e avanço do saber, era registrado posteriormente no escrito; mas as técnicas de notação manual dificultavam sua elaboração e propagação. O escrito era visto como sucedâneo do oral e, assim, pouco valorizado.
Os mais antigos textos da humanidade foram escritos nos “volumens”, rolo de papiro, o texto era escrito em estreitas colunas, sem espaço em branco entre as palavras. Para ler, o leitor segurava o “volumen” com as duas mãos, desenrolando-o com uma delas e enrolando-o com a outra, à medida que progredia na leitura. Desse modo, o “volumen” permitia apenas a leitura sucessiva e linear de trechos isolados da obra, impedindo a antecipação e dificultando as anotações e retornos próprios do ato de ler.
O leitor na Antiguidade era, antes de mais nada, um ouvinte. Às dificuldades de publicação e divulgação das obras escritas instituíram uma prática habitual de leitura: as recitações públicas. Nas leituras públicas, realizadas pelo autor ou por um profissional da leitura, o público tomava contato com as obras produzidas. A leitura em voz alta era a forma pela qual leitores e não leitores se encontravam para reconstituir o sentido do texto.
Apesar das dificuldades, o aumento da reprodução das obras através da cópia resultou no crescimento do número de bibliotecas particulares e públicas, cujo exemplo marcante é a biblioteca de Alexandria, fundada no início do século III a.C., no Egito, acumulando um acervo de 500.000 obras na Antiguidade. Essas bibliotecas foram fundamentais para a conservação dos textos antigos, posteriormente, através da reprodução copiada dos originais, tarefa realizada pela Igreja. Mas, ainda assim, tratava-se de civilizações presas a uma cultura oral e auditiva, cuja cultura escrita desempenhava papel secundário.
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