Concepções acerca da língua
Pesquisas Acadêmicas: Concepções acerca da língua. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: 2002012005 • 24/11/2014 • Pesquisas Acadêmicas • 2.031 Palavras (9 Páginas) • 218 Visualizações
CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E REFLEXOS NA PRÁTICA DO PROFESSOR1
Gilberto Scarton
1. Concepções acerca da língua - visão histórica
"Concepção" é ideia, conceito, noção, modo de ver, ponto de vista, opinião, maneira de formular uma
ideia. Concepções acerca da língua são, pois, modos de ver, pontos de vista, opiniões a respeito da língua.
Concepções de linguagem estão profundamente enraizadas na psique individual e coletiva. Com
efeito, tem havido sempre, nas culturas em geral, uma quantidade apreciável de mitos, crenças, tradições
que revelam as concepções de linguagem de seus povos. A antropologia cultural nos demonstra, por
exemplo, que a maioria das culturas primitivas concebiam a linguagem como um dom de Deus, como na
Bíblia: "E o Senhor, tendo criado todos os animais da terra e todos os ventos do ar, levou-os a Adão para
saber o que lhes queria chamar; porque o que fosse que Adão chamasse a uma criatura viva esse ficaria seu
nome." Já para os egípcios, o deus Toth foi o criador da fala e da escrita; para os babilônios, o deus Nabu;
para os chineses, a escrita foi trazida do céu no dorso de uma tartaruga.
Muitas sociedades primitivas (e pessoas supersticiosas também) concebem a linguagem como
alguma coisa dotada de poder mágico. Assim, em certas culturas primitivas, não se deveria pronunciar o
nome de uma pessoa morta, pois enquanto o nome durasse duraria a pessoa, e pronunciar seu nome seria
atrair a morte. No Egito antigo, seus habitantes tinham dois nomes, um para o mundo e outro para Deus,
jamais revelado. Conhecer esse segundo nome era ter poder sobre o indivíduo. Em Roma, para citar mais
um exemplo, as autoridades convocavam primeiramente homens com nomes auspiciosos: Victor, Félix,
Teodoro (presente de Deus), etc.
A concepção de que a linguagem se reveste de poder mágico inspirou a primeira descrição linguística
de que se tem notícia, a gramática do sânscrito. Naquela época (século VI a.C.), os dialetos populares da
Índia (pratkrits) se generalizavam rapidamente, enquanto o sânscrito culto (blasha) ia caindo no
esquecimento. Tratava-se, então, de assegurar a conservação dos textos sagrados escritos nessa língua
(poemas religiosos chamados Vedas) e de sua pronúncia exata, a fim de que surtissem seus efeitos. Quem
levou a cabo essa tarefa foi Panini.
Na verdade, a história das concepções acerca da língua é a própria história dos estudos linguísticos.
A Linguística, em suas diferentes fases de desenvolvimento, adota uma concepção de língua, de linguagem,
com que observa, analisa e descreve esses fenômenos, conforme se pode ilustrar, por exemplo, nestes
diferentes momentos do desenvolvimento dos estudos linguísticos: gramática tradicional, linguística do
sistema, sociolinguística, linguística do discurso.
A gramática tradicional deve ser definida não como um livro, mas como um conjunto de concepções
acerca da língua, formulado a partir dos gregos e que chegou até nossos dias: entende a língua como
expressão do pensamento; preocupa-se exclusivamente com a língua escrita; elege a modalidade literária, a
modalidade mais formal como objeto de estudo; privilegia as formas mais antigas em detrimento das atuais,
das inovações linguísticas; emite juízos de valor (uma língua é mais bonita, mais harmoniosa, mais rica que
outra); estabelece regras normativas arbitrárias; etc.
Para a linguística do sistema, a língua é um código de signos arbitrários; é um sistema de
comunicação. Já para a sociolinguística, a língua é um conjunto de variedades, enquanto para a linguística
do discurso é um sistema de interação, um sistema que somente se realiza sob a forma textual.
Concepções diferentes ou antagônicas acerca da língua têm originado, ao longo da história, sérios
conflitos, polêmicas acaloradas entre indivíduos, grupos ou correntes. É o que se aborda a seguir.
2. Concepções de língua / conflitos de paixão
2.1 Os tradicionalistas e os nacionalistas.
1 Texto extraído do Manual de Redação da PUCRS.Duas concepções - a língua como um sistema imutável e a língua como um sistema que varia no
tempo, no espaço social, no espaço geográfico e num mesmo indivíduo - estão na raiz de muitas ideias
errôneas, distorcidas, preconceituosas e conflitantes acerca da língua.
O mais antigo e célebre embate de concepções linguísticas no Brasil se deu nos fins do
século XIX e nas primeiras décadas do século XX, entre duas correntes - a tradicionalista e a nacionalista
(Cunha, 1968).
Defendiam os nacionalistas a concepção de língua como um sistema variável. Machado de Assis, o
compreensivo e sereno leitor dos clássicos - nas palavras de Cunha (1968) – em magistral artigo, escrito
em 1873, ponderava:
Não há dúvida que as línguas se aumentam e se alteram com o tempo e as necessidades dos
usos e costumes. Querer que a nossa pare no século
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