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A ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “PÁS HO DAME”

Por:   •  8/1/2022  •  Trabalho acadêmico  •  1.973 Palavras (8 Páginas)  •  151 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA – UFRR CENTRO DE EDUCAÇÃO – CEDUC

CURSO DE PSICOLOGIA

SÉRGIO ALBERTO NASCIMENTO MELO JUNIOR

ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “PÁS HO DAME”

Boa Vista 2021

SÉRGIO ALBERTO NASCIMENTO MELO JUNIOR

ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “PÁS HO DAME”

Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção de nota em Antropologia, pelo Curso de Bacharelado em Psicologia da Universidade Federal de Roraima – UFRR.

Docente: MsC. João Paulo Roberti Junior

Boa Vista 2021

CONTEXTUALIZAÇÃO

A obra “Pás ho Dame”, produzida pelo professor da UnB, Daniel Simião, é um documentário etnográfico que retrata o povo nativo do suku (conglomerado de aldeias) de Lisadila, no Timor-Leste, com um enfoque nos processos adotados por esse povo para a resolução de conflitos e nas implicações resultantes desses processos. Como ilustração, são apresentados dois casos, o caso do Alberto com a Lourença e o da Arminda com o Manoel, que demonstram a maneira dialética com a qual os timorenses resolvem esses conflitos internos.

Em oposição aos procedimentos “formais” de justiça em tribunais sob tutela do Estado, que buscam soluções baseadas no estrito Direito Positivo, os conflitos demonstrados são tratados por meio mecanismos “tradicionais”, que são procedimentos amplamente abertos ao diálogo entre as partes, levando em consideração as perspectivas destas, além de possuir um caráter místico embutido no processo, que o influencia diretamente.

Primeiramente, dentro dos sukus, ao se originar um conflito que não pode ser resolvido entre as próprias partes, sem mediação externa, o chefe de aldeia é convocado, e este, por sua vez, convoca os lia na’in (anciãos) para arbitrarem o conflito. Caso as sanções estabelecidas pelos lia na’in não sejam cumpridas, é recorrido ao chefe de suku uma reafirmação destas. Essas sanções costumam ser “materiais”, como o pagamento de tecidos, de animais, de medalhões, todos estes carregando também um valor simbólico de alta importância para o processo. Durante as cerimônias de reconciliação, há ritos que estabelecem o chamado Pás ho Dame (paz com paz), que é um estado de paz entre as partes, que devem voltar a se relacionar normalmente, sem ressentimentos. Esses ritos carregam um valor místico que é essencial para a realização do processo, durante eles, são utilizados alguns itens arrecadados ao se iniciar a cerimônia, como animais para sacrifício, dinheiro, bebidas alcoólicas e, especialmente, porções de noz areca e de folhas de betel, que simbolizam a paz mútua, tudo isto serve de oferenda aos espíritos ancestrais. Após o ritual, as partes trocam entre si os itens previstos nas sanções, cumprimentam-se e o estado de paz é alcançado.

O primeiro caso que exemplifica essa metodologia de resolução é o do Alberto e da Lourença. Resumidamente, Alberto engravidou Lourença e a abandonou, o que gerou um conflito entre as famílias, ficando decidido que a família de Alberto pagaria 200 dólares, 5 tais (tecido tradicional timorense) e 5 porcos para a família de Lourença e esta retornaria um belak (medalhão de ouro), além das multas pagas por ambas as partes e pelo chefe de aldeia, as quais são destinadas à realização da cerimônia de Pás ho Dame. O outro caso é o do

Manoel e da Arminda, no qual estes estavam em um relacionamento estável, que não era aprovado pelos pais de Manoel e, portanto, impossibilitado de ocorrer. Aplicadas suas devidas sanções, e realizada a cerimônia de conciliação, o estado de paz foi teoricamente alcançado. Até que se descobre que Arminda cometeu suicídio logo após a cerimônia, comovendo os locais, que se dividiram entre acreditar que isso ocorrera por influência dos ancestrais ou por vontade própria de Arminda.

OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E ETNOGRAFIA

Posto o contexto do qual o documentário trata, cabe a nós falarmos sobre a metodologia utilizada pelo pesquisador Daniel Simião durante o estudo do povo de Lisadila. Ao contrário de outras áreas do conhecimento, que costumam supervalorizar a objetividade durante pesquisa, estudos antropológicos se ancoram justamente na subjetividade do objeto que se propõem a estudar, que são as pessoas de determinada cultura.

Como será mencionado posteriormente, a cultura de um indivíduo tem total influência na maneira com que ele percebe e interpreta o mundo e as outras pessoas. Portanto, para que um estudo antropológico seja realmente produtivo, o pesquisador precisa estar totalmente inserido na cultura à qual ele se propôs a estudar. Essa imersão no campo de pesquisa é chamada de observação participante, e ela propõe que o pesquisador estude o objeto como se fosse pertencente a ele, estuda-se com as pessoas e não sobre elas. Uma vez inserido no campo, o antropólogo passa a ter uma “visão de mundo” semelhante a das pessoas da comunidade estudada. Dessa forma, o real estudo antropológico pode ser iniciado, o qual se chama etnografia e é a descrição das pessoas e das construções subjetivas às quais elas são submetidas devido à cultura local.

Logo, para a gravação do documentário, Daniel Simião teve que se inserir na comunidade de Lisadila, de forma a realizar uma observação participante, convivendo com os habitantes locais durante certo período de tempo para que pudesse de fato compreender a subjetividade construtora dos processos envolvidos na resolução de conflitos. Uma vez imerso na comunidade, o antropólogo pôde estudar e descrever as práticas envolvidas no processo de “Pás ho Dame”, realizando assim, uma etnografia que não seria possível se não fosse pela observação participante.

CULTURA

Discutido sobre o contexto do documentário e sobre a forma como ele foi produzido, interessa-nos mencionar o conceito de cultura, o que ele significa e quais as correlações que podemos fazer entre este conceito e a etnografia do povo de Lisadila. De acordo com Ruth Benedict (1972, apud LARAIA, 2004) “a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo”, ou seja, a herança cultural que obtemos do meio no qual estamos inseridos influencia diretamente no modo como percebemos e como interpretamos a realidade. Então, por exemplo, um jovem universitário brasileiro, acostumado com o Direito Positivo aplicado nos tribunais do Brasil, pode estranhar a metodologia mística e dialética de julgamento aplicada pelo povo de Lisadila, assim como os habitantes deste local podem estranhar a forma que o Direito é aplicado no Brasil. Não há visão correta nem visão errada, há apenas diferentes visões de mundo, nesse caso, do Direito.

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