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A Transferência Dá Trabalho – De Platão A Lacan

Por:   •  14/3/2023  •  Ensaio  •  1.158 Palavras (5 Páginas)  •  61 Visualizações

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A TRANSFERÊNCIA DÁ TRABALHO – DE PLATÃO A LACAN

                                Gonçalo Galvão-Membro EPFCL- Brasil

Proponho aqui um recorte a partir do Seminário 8 de Jacques Lacan, “A Transferência”, onde fica evidenciada e ratificada uma extração da posição freudiana – o inconsciente trabalha e faz transferência, sendo que isto caracteriza uma certa temporalidade diferenciada. Entrar na proposta de uma análise, acatar a via da transferência, é de certa maneira inaugurar uma nova relação com o tempo que não será sem conseqüências. Se com Freud chegamos a um desenvolvimento em que a transferência é de certa forma aquilo que de alguma maneira, na clínica, reenvia o sujeito às suas relações parentais e originárias pelo viés da figura do médico, propiciando que algumas coisas possam ser restabelecidas a partir desse ponto. No sem. 8, por sua vez, fica colocado, o caráter perturbador da transferência, onde ocorre o surgimento na análise do amor que se volta para o analista e que será a mola propulsora da revelação do passado concomitantemente com uma resistência. Há então uma clara per-laboração tanto da parte do analisando como da parte do analista – a transferência se dá num tempo e dá trabalho.

Para dar conta deste fenômeno clínico tão caro à construção freudiana, vide o caso Dora, Lacan nos remeterá a uma volta aos gregos, mais propriamente Platão. Assim pode-se perguntar: o que Lacan põe em movimento ao sustentar este texto de Platão, ‘O Banquete’ como aquele que tem algo a dizer sobre o amor na psicanálise?

Parece possível afirmar com clareza que não há nenhuma ingenuidade por parte de Lacan ao estabelecer tal escolha, ou seja, este sabe muito bem o teor de sua escolha e tentará manter um diálogo respeitoso com o texto de forma que dele possam ser extraídos elementos que remetam diretamente à possibilidade de pensar e articular algo que é do campo propriamente psicanalítico.

Há um diálogo; este era o modo de Platão se expressar, que se dá num banquete. Mas o que é um banquete para os gregos? Lacan irá se demorar um pouco nesta explicação: proponho que pensemos que é uma reunião muito séria regada à melhor comida e bebida para se discutir um assunto explorando variadas vertentes e acaba ainda sendo um espaço onde desemboca a possibilidade de articular relações; onde o corpo e o espírito são alimentados da melhor maneira grega possível. Neste caso específico, além da boa comida e bebida, aparecem discursos que versarão propriamente sobre o amor e este será um elemento de importância para a extração daquilo que Lacan destacará como ponto de articulação com a psicanálise.

Assim teremos o deslizamento de várias falas, que por uma questão de tempo não iremos nos deter, até chegar a Sócrates, que sutilmente irá colocar seu discurso na boca de uma mulher – Diotima, a sacerdotisa de Mantinéia. Lacan não deixará por menos e se implicará com esta questão – parece que a partir deste lugar torna-se possível algumas articulações que de outro modo não seriam. Parte de uma interrogação a Agatão: “Eros é amor de alguma coisa ou não?”.

A partir deste ponto ocorre uma passagem da ordem do amor para a do desejo – fica introduzido o campo da falta: “o que deseja, deseja aquilo de que é carente sem o que não deseja se não for carente.”; onde Eros fica colocado como meio termo entre o mortal e o imortal – um gênio. Articula-se então o mito do nascimento de Eros, ou seja, nascido de Poros (Recurso, Riqueza, Abundância, Atividade) e Pênia (Pobreza, Miserabilidade, Miséria).

Este processo parece ganhar novas luzes quando Lacan articula Sócrates, Alcibíades e Agalma: enquanto Freud acredita que a transferência é, por um lado, repetição, Lacan estuda separadamente estes conceitos, alegando serem estes conceitos fundamentais da psicanálise, e, portanto, merecem destaque, separadamente.

A transferência é um amor, um amor genuíno, como afirma Freud. No entanto, esse amor não é estudado por Lacan como repetição de um protótipo infantil, mas sim como a crença de que se encontra, na pessoa amada, o objeto que se perdeu desde sempre, objeto que se busca a vida inteira e que, portanto, é precioso. Esse objeto que o sujeito acredita ter encontrado na pessoa amada é o agalma, palavra grega usada para designar um objeto precioso ou local onde se guarda objetos preciosos. Sendo assim, o agalma introduzido por Lacan no estudo da transferência diz respeito ao objeto que captura o sujeito, a esse algo do outro que o apreende e o fascina, deixando-o enamorado.

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