Atividades Matemáticas e Saúde Mental
Por: Lyliane Drumond Lanza • 5/4/2015 • Artigo • 1.519 Palavras (7 Páginas) • 431 Visualizações
APRESENTAÇÃO UERJ – OUTUBRO 2013
Sou aluna da graduação de matemática, no entanto há muito já trabalho com educação. A oficina de saberes surgiu de um desejo meu, pois já há algum tempo trabalho com este tipo de público. Juntamente com um psicólogo e um psiquiatra já desenvolvia um trabalho com alguns pacientes, o que chamávamos de rede. Há mais ou menos dois anos fui convidada a trabalhar na Clínica.
É importante ressaltar que meu trabalho só é possível devido as novas diretrizes da saúde mental. A reforma foi o que possibilitou a entrada de novos profissionais em instituições de Saúde Mental, já que, antes, a prática era hospitalocêntrica e o controle era concentrado quase que totalmente nas mãos dos médicos. Os usuários do serviço eram segregados, retirados do campo de visão, tratados como se não existissem. A reforma se propõe a constituir um hospital de portas abertas, não só para que o paciente possa entrar, mas, sobretudo, para que a sociedade possa entrar. É a tentativa de criar dispositivos institucionais que viabilizem a existência do sujeito na sociedade, nas ruas, no convívio familiar e de garantir o pleno direito à cidadania.
O trabalho é desenvolvido com os pacientes internos e os pacientes do hospital dia.
O hospital dia é um dispositivo clínico adotado como protagonista no processo de desinstitucionalização em saúde mental ( lembrar que o HD Bromélias é pioneiro na cidade no que diz respeito á saúde suplementar). O hospital dia é um dispositivo composto de outros dispositivos: as oficinas de trabalho; onde a prática entre vários constitui o trabalho. Lembrando que neste trabalho, onde se faz espaço de tratar, há os dispositivos internos: devemos problematizar nosso modo de agir e contextualizar cada situação singular via princípios como conversação clínica e estratégia de construção do caso clínico. há sempre dificuldades numa prática feita por muitos, mas a dificuldade maior está em não se deixar atravessar pelo discurso normatizador e burocrático que se produz no interior do serviço e que tem efeitos nefastos sobre a clientela assistida.
A conversação clínica, enquanto dispositivo, visa a reunião de equipe para além das discussões administrativas, utilizando-se da construção do caso clínico para dar aoutra significação ao projeto terapêutico. Dentro desta perspectiva, o trabalho de uma oficina de saberes matemáticos seria destoante se propusesse modos conteudistas e condutas avaliativas formais.
A transferência que se produz com a psicanálise é também o que se quer nas oficinas de Saberes Matemáticos. Estamos atrás de uma normalidade e o paciente deve encontrar oportunidades de variar seus laços sociais, mostrando sinais de avanço terapêutico.
Outras salas de aula de matemática: a tendência legal no Brasil é a de tornar dever e direito o acesso de todos os grupos com alguma fragilidade social à, entre outros, saúde, cultura, cidadania e educação. Portanto, o trabalho com a matemática é visto como possibilidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento do potencial cognitivo humano, especialmente podendo se dar numa atividade de convivência social.
Promover a educação nesses ambientes alternativos pode trazer possibilidade de ressignificação pessoal, espírito de independência e autonomia, além de criar um espaço intelectual potencial para participantes expressarem suas concepções de mundo e suas elaborações pensadas sobre fatos de seu cotidiano.
Oficinas de Matemática: prática entre vários permite a articulação de diferentes saberes; responde de um lugar de deserto-de-saber em oposição ao saber constituído sobre o paciente. Cada integrante da equipe deve se apresentar despido de sua especialidade e, a partir de sua própria posição subjetiva, sua própria presença, munido de um desejo de encontro. Esta parceria tem como prerrogativa o intercâmbio entre os membros da equipe, para que, assim, a construção do caso clínico se dê em conjunto, com a elaboração de um saber além do individual, um saber não da ordem da suposição e sim da exposição.
A proposta desta oficina é trabalhar como uma matemática que não seja hermética nem elitista, mas que respeite a realidade sociocultural, o ambiente vivido e o conhecimento que cada indivíduo traz em si. Não é pretensão trabalhar com um discurso matemático tradicional, imbuído de um caráter rigoroso. Ao contrário, olhar, classificar, comparar são princípios que levam a uma aplicação cotidiana da matemática. É preciso aproximar a matemática do que é espontâneo, pois cada um tem um modo próprio de aplicá-la. O mais importante não é dar instrumentos novos, é aquilo que o indivíduo pode fazer com os instrumentos que já trouxe e, com isto, realizar-se. Só quando uma nova demanda aparecer é que o educador deve intervir cultivando e explorando o desejo de saber mais. Portanto, a preocupação inicial é escutar a demanda, entender de que forma o saber matemático pode contribuir para a recuperação deste paciente. Para tanto, faz-se necessário que o “educador” esteja livre de qualquer pré-conceito e que esteja liberto e disposto a novas formas de educar.
A oficina não foi montada nos padrões tradicionais de uma sala de aula. A aula é livre e ministrada no espaço que melhor atender aos pacientes. Entretanto, como qualquer outra sala de aula, ali também se estabelece uma relação de confiança e transferência, os pacientes/alunos se sentem bem à vontade para confidenciar, desabafar, esvaziar suas angústias e emoções.
Alguns pacientes frequentam a oficina para resgatar um tempo perdido, aquele que ficou na educação fundamental, no ensino médio, quando se deu seu primeiro surto; outros, simplesmente para aprenderem a lidar com questões práticas, do cotidiano, a fim de se sentirem menos excluídos e poderem dar conta sozinhos de resoluções simples de suas vidas. Há os que querem mais: utilizam desta para tentarem realizar algum sonho, algum projeto, como um concurso público ou a ascensão a uma faculdade. Há, também, aqueles que só querem praticar, preencher o tempo. Não são raros os que participam da oficina com o simples propósito de fazer dela o seu lugar de fala, de “campo analítico”.
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