Autores clássicos e problemas clássicos
Tese: Autores clássicos e problemas clássicos. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: danylyma • 13/6/2014 • Tese • 2.898 Palavras (12 Páginas) • 246 Visualizações
Autores clássicos e questões clássicas
– O Capitalismo no Brasil e Caio Prado Jr.
Este ensaio apresenta o esboço de uma problemática, pretendendo abordar pensadores clássicos no Brasil, à luz de uma questão também clássica: há capitalismo no Brasil? Em que consiste?
Ao longo do século XX, uma das dúvidas mais renitentes no pensamento social brasileiro foi a possibilidade – ou não – da implantação do capitalismo no Brasil. Essa dúvida persistente atravessou, em diferentes períodos, praticamente todos os matizes da reflexão social, unificando setores e pensadores com posições políticas e vezos teóricos por vezes opostos. Ela já se encontra superada ou se, ao contrário, resiste como uma espécie de dúvida recôndita ou de desejo não satisfeito? À luz dessa questão, faremos, ao final do ensaio, alguns comentários sobre um autor que já se tornou um clássico, Caio Prado Jr.
Podemos arriscar uma periodização, ainda muito elástica e provisória, sobre alguns traços dessa incerteza sobre a existência de capitalismo no Brasil. Num primeiro momento, a questão central, nem sempre formulada de maneira explícita, dividia os que se interrogavam sobre se seria possível tal implantação e os que a ela se opunham, duvidando se seria desejável. Entre finais do século XIX e os anos 1930, tomados de forma ampla, o debate historiográfico e intelectual se cindia entre apontar as dificuldades estruturais e indicar as necessárias correções de rota para atingir esse objetivo ou, ao contrário, defender a pertinência da manutenção das formas clássicas da estrutura social, consideradas seja positivamente (como “peculiaridades” a serem conservadas), seja negativamente, como impossibilidades “inatas” de modificação. Essa configuração permitia, então que o debate se apresentasse como dividindo modernistas ou modernizadores e conservadores; industrialistas e agraristas; urbanos e rurais.
Admitamos que, nesse período, tal dúvida era bastante pertinente. A divisão internacional do trabalho centrava-se no esquadrinhamento das fontes de matérias-primas para os países capitalistas centrais e, em muitos casos, a expansão do capitalismo no plano internacional impunha a manutenção e exacerbação de formas de trabalho francamente regressivas, ao lado de uma política abertamente colonizadora. Por outro lado, no conjunto das relações sociais dominantes no Brasil, a massa dos trabalhadores, tornada juridicamente livre no final do século XIX, permanecia fundamentalmente ligada a seus meios de produção (portanto, ainda não plenamente livres para o capital), sob relações de poder de cunho variado.
A partir da década de 1930, e sobretudo a partir do final da II Guerra Mundial, a dúvida persistiria e até mesmo se acirraria, mas se requalificava. Ocorrera uma efetiva expansão industrial e o crescimento urbano se impunha como evidência concreta. Nessa fase, o eixo principal das lutas sociais – urbanas e rurais – travava-se em torno da forma da organização do Estado e sua (im)permeabilidade aos diferentes segmentos sociais. As lutas populares, assim como as respostas organizativas do Estado, giravam em torno da existência e do alcance de direitos – trabalhistas, sociais, políticos, civis.
As dúvidas anteriores, entretanto, não se esfumaram. Um recorte mais genérico localiza a contraposição entre autoritários e democratas, distribuindo-se entre nuances muito variadas e contraditórias, tornando imprecisos os conteúdos específicos de cada proposição política. Dentre essas configurações conflitivas, porém, restava um ponto comum, modernizante, atravessando as divergências. Se a defesa explícita do capitalismo, escandido com todas as letras, não fazia parte do repertório de muitos setores, a modernização, genérica e valorizada positivamente, os aproximava.
Paralelamente, portanto, à expansão industrial e a uma reorganização do Estado claramente marcada por uma configuração que unificava a grande propriedade rural e a grande propriedade urbana (o agro-exportador e o urbano-industrial), a modernização capitalista ainda era percebida intelectualmente como cindida. De um lado, seguia figurando como objetivo a ser atingido e, de outro, ressurgiam os mesmos problemas sociais considerados como “tradicionais”, elevados a novos e ainda mais agudos patamares. A favelização generalizada das grandes cidades no país já visível nos anos 1940/50 e mesmo antes, as precaríssimas condições de vida dos trabalhadores (urbanos e, sobretudo, rurais), a escalada sempre crescente da repressão policial, o aprofundamento das desigualdades sociais ao lado de sua crescente visibilidade nos centros urbanos, modificava o perfil da dúvida e de sua definição.
Remodelava-se intelectualmente o perfil do capitalismo, centrado doravante sobretudo na perspectiva de uma melhoria das condições de vida e de uma vaga incorporação social da população aos direitos, incluindo os processos de decisão. Dois elementos seriam apontados como obstáculos a tais projetos: em primeiro lugar, a estrutura da divisão internacional do trabalho, que reservava aos países periféricos a produção de matérias-primas. O pólo central seria os Estados Unidos, que procuravam garantir seu suprimento de tais insumos e interferiam diretamente em diferentes conjunturas políticas internas. Esse processo foi designado como imperialismo e visaria obstaculizar o desenvolvimento de novos capitalismos na periferia. De fato, isso ocorria. No entanto, raros os que levaram em consideração que a própria inserção na divisão internacional do trabalho e na dinâmica internacional capitalista já alterava o conjunto das relações sociais, direcionando-as para formas “modernas”, sobretudo pela crescente migração rural em direção aos centros urbanos (isto é, pelo aprofundamento da expropriação social das condições de subsistência). Nem a expansão industrial nem a recomposição do perfil social se traduziam, todavia, em acesso aos padrões sociais que figuravam como modelos, como horizontes a atingir, através de direitos e formas de sociabilidade vigentes nos países centrais.
O segundo obstáculo seriam as tradições agrárias com seu cortejo de violências e segregações, resquícios de formas de produção precedentes e impeditivas à consolidação de políticas consistentes de modernização capitalista. Novamente, esta era, na ocasião, uma dificuldade real, uma vez que se mantinham amplos latifúndios fracamente produtivos e, à sua sombra, reproduziam-se relações de poder extremamente violentas. No entanto, e isso não necessariamente era percebido,
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