Avaliação Neuropsicológica Quantitativa e Qualitativa: Ultrapassando a Psicometria
Por: Myriam Christina Rodrigues • 11/12/2015 • Trabalho acadêmico • 6.111 Palavras (25 Páginas) • 1.359 Visualizações
Avaliação Neuropsicológica Quantitativa e Qualitativa: Ultrapassando a Psicometria
Prof. Dra. Mônica C. Miranda
Psicóloga, Neuropsicóloga Clínica, Doutora em Ciências – UNIFESP-EPM, Pesquisadora do Departamento de Psicobiologia-UNIFESP, Coordenadora do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil (NANI)-UNIFESP; Professora do Curso de Psicologia – UNICASTELO. email: mcarol@psicobio.epm.br
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A avaliação é uma questão central em neuropsicologia, e deve ser considerada num contexto amplo, devido ao fato de que a avaliação neuropsicológica tem inúmeras metas ou objetivos, o que difere substancialmente da avaliação psicológica. Cunha1 cita que a avaliação psicológica, que constitui uma das funções exclusivas do psicólogo, nos remete aos primeiros estudos e desenvolvimento dos testes psicológicos no final do século XIX com a introdução da abordagem psicométrica. A partir desta época o profissional que faz avaliação passou a ser considerado quase como um “testólogo”, ou seja, aquele que aplica teste. Atualmente, no entanto, diversos autores têm enfatizado que a avaliação psicológica tem objetivos e propósitos bem definidos (avaliação clínica, psicodiagnóstico, avaliação educacional, entre outros) que vão além da simples aplicação de testes, sendo parte de um processo, mas apenas um dos recursos da avaliação1,2,3. A avaliação neuropsicológica também tem bases na abordagem psicométrica e na avaliação psicológica, e tem atravessado fases distintas no curso do desenvolvimento da ciência neuropsicológica, ultrapassando o conceito inicial da psicometria. Sendo assim, o objetivo do presente capítulo é abordar estes e outros aspectos deste importante método em neuropsicologia, principalmente aplicado na avaliação da criança que é o tema da presente obra.
Da Psicometria a Avaliação Psicológica
A abordagem psicométrica surgiu no final do século XIX, com notórios cientistas, a partir de discussões amplas acerca da inteligência e de sua medição4. Desta forma, a psicometria (do grego psyché = alma e metrein = medir), definida como “medição das funções psíquicas através de testes normalizados destinados a estabelecer uma base quantificável das diferenças entre indivíduos”, é baseada numa concepção e métodos estatísticos, com a suposição de que os traços que os testes psicológicos medem são dimensões do comportamento, atributos, que possuem diferentes magnitudes expressas através de números3. Obviamente, a abordagem psicométrica se tornou extremamente importante, pois se considera que todo instrumento psicológico, que em sua grande maioria são testes psicométricos, são medidas do comportamento humano e pressupõem os fundamentos da medida em ciências, garantindo legitimidade e cientificidade a esses instrumentos, e sendo assim, como qualquer instrumento de medida, devem apresentar certas características que justifiquem podermos confiar nos dados que produzem3.
Porém, como citamos inicialmente, o teste é apenas um dos recursos num processo de avaliação. O próprio termo avaliação pressupõe que avaliar é ter uma estimativa; no sentido figurativo avaliar é fazer uma apreciação ou estimar. Alchieri2 representou a avaliação psicológica como resultante de três aspectos:
a) a medida, sendo que mensurar numa avaliação é comparar objetivamente, representar a validade entre o fenômeno e os pressupostos do uso da linguagem matemática. Assim os testes que são medidas de processos psicológicos têm sua importância enquanto necessidade da medida de um fenômeno, e seu uso poderá dar uma orientação em seus resultados e circunscrever seus limites e abrangências. A medida pode auxiliar a desdobrar o universo dos fenômenos, desde que suas características principais estejam representadas;
b) o instrumento, entendido como qualquer meio de estender nossa ação ao meio, minimizando limitações da simples observação, maximizando a eficácia da obtenção dos dados, se inserindo como instrumentos objetivos e padronizados de investigação do comportamento, que auxiliam o entendimento das relações dos fatos com a idéia que temos dos fenômenos e suas representações empíricas;
c) o processo de avaliação, no qual a partir de uma base da medida psicológica e seus instrumentais há respaldo e condições de operabilidade, permitindo a interpretação e a significação dos resultados obtidos.
Ampliando estes conceitos, Cunha1 explicita que as estratégias de avaliação aplicam-se a uma variedade de abordagens e recursos, podendo se referir ao enfoque teórico adotado. Essas estratégias ou métodos de avaliação têm sido influenciadas, principalmente no século XX, por diversas correntes teóricas acerca do comportamento, do afeto e da cognição1. A incorporação do método das neurociências tem sido utilizada em diversas técnicas ou estratégias de avaliação psicológica, e isto tem ocorrido principalmente devido ao fato de que “há necessidade de não somente entender os processos psicológicos, mas também ajudar àqueles que sofrem de distúrbios neurológicos. A necessidade para o estudo continuado do cérebro e do comportamento é em decorrência do fato de que centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo são afetadas a cada ano por distúrbios cerebrais, como distúrbios degenerativos (tais como Doença de Alzheimer), isquemia cerebral hemorrágica (derrame), esquizofrenia, autismo, déficits de atenção, distúrbios de aprendizagem, abuso de drogas, epilepsia e outros” 5.
Do Psicodagnóstico a Neuropsicologia
A neuropsicologia não pode ser entendida como uma ciência “à parte” da psicologia clássica, tradicional, mas sim como uma ciência que traz importantes contribuições acerca de qualquer forma do comportamento. No psicodiagnótisco, muitas vezes, o comportamento é entendido como manifestação de distúrbios da esfera emocional, intelectual ou de personalidade e a avaliação psicológica consiste de entrevistas, testes e escalas que podem fornecer indícios do comportamento,e o propósito é descrever, predizer e modificar o comportamento ou suas combinações destes. Em cursos de psicologia raramente o estudante é ensinado a entender a manifestação de distúrbios do comportamento como manifestação de distúrbios cerebrais, entretanto alguns sintomas de disfunção cerebral podem aparecer na forma de mudanças de personalidades ou alterações do intelecto, como no caso de epilépticos, alcoolistas crônicos ou esquizofrênicos.
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