Comunitarismo Solidário
Por: Andrieli Santos • 2/5/2016 • Trabalho acadêmico • 2.675 Palavras (11 Páginas) • 670 Visualizações
INTRODUÇÃO
Uma cosmovisão é uma visão de mundo, sendo parte que constitui nossa consciência. Segundo Moscovici elas são sociais e individuais, pois estão presentes na mente, como representações internas, e na mídia, como reflexo do que nos é transmitido socialmente.
As cosmovisões são compostas por vários elementos dentre os quais os mais importantes são a concepção de ser humanos, os valores, o tipo de sociedade e as condutas e relações. O primeiro elemento consiste no que entendemos por ser humano, quem somos nós para nós mesmos, sendo que em qualquer ação está presente uma visão de ser humano mesmo que oculta. Já os valores produzem nossa subjetividade, constituem nossas representações sociais e nos levam a agir ajudando ou prejudicando as pessoas, são as forças presentes tanto na sociedade quanto na nossa mente. O tipo de sociedade é o modo como à sociedade se organiza, o que é implicado pelos valores da mesma. A conduta se refere aos comportamentos e as relações que se estabelecem na prática, entre as pessoas e entre estas e a sociedade, permeadas pelos valores.
Pedrinho Guareschi aborda três cosmovisões: o liberalismo individualista, o comunitarismo solidário e totalitarismo coletivista. No presente trabalho focaremos no comunitarismo solidário, aprofundando nos elementos desta cosmovisão e entendendo como estes a diferenciam das demais.
DESENVOLVIMENTO TEÓRICO
A cosmovisão do comunitarismo solidário entende o ser humano como relação, sendo assim uma pessoa não existe sem outra coexistindo. Nessa concepção o ser humano é considerado singular, mas essa identidade invidual depende do outro pra se constituir e para ser percebida.
Nessa cosmovisão, entende-se por relação “aquilo devido ao qual algo não pode existir sem que haja outro”. O ser humano então é entendido como relação, porque para ser algo necessita de outro, por exemplo: Uma mãe para se tornar mãe, precisa de mais dois outros seres, que seriam um pai e um filho, sem eles ela não é mãe, é apenas uma mulher.
Dois elementos importantes para entender a pessoa como relação são a singularidade e a subjetividade. Podemos entender a singularidade como a dimensão que nos torna únicos, singulares, que nos faz diferentes dos demais. Nas relações que estabelecemos a nossa singularidade está presente e junto com a dimensão dos outros elementos envolvidos, vamos formando a nossa subjetividade, tomando características pessoais e especificas desta relação e junto com o outro construindo a nossa subjetividade, que pode ser conceituada como um espaço íntimo da pessoa correspondente ao jeito próprio de vivenciar o mundo, o qual é construído nas nossas relações. Sendo assim podemos dizer que somos seres singulares, mas nos constituímos a partir do outro.
Um exemplo desta integração de singularidade com subjetividade é a escolha do nome das crianças indígenas, estas ao nascerem têm seus nomes escolhidos pelo pajé, conforme seu crescimento na aldeia e o desenvolvimento de suas habilidades ganham o direito de agregar outros nomes ao seu nome de nascimento conforme seus feitos, estes nomes também são escolhidos pelo pajé.
Este nome será usado até que nasça o primeiro filho. Esta regra é obrigatória para as mulheres. Os homens podem passar a ser denominados como "X-pihã", "companheiro de X (nome da esposa)", assim que se casam. Quando nasce o primeiro filho ou filha, o casal abandona definitivamente seus nomes de infância e assume outros que fazem referência ao nome da criança: "Y-ro" e "Y-hi", "pai" e "mãe" de y (nome da criança). Assim, por exemplo, o jovem Ñapiri casou-se com a moça Kãñî -ti; esta continou a ser chamada de Kãñîti, ele passou a ser conhecido como Kãñî-ti-pihã. Nasceu-lhes um menino, que recebeu o nome de Karamirã. O casal passou então a ser chamado de Karamirã-no e Karamirã-hi; seus nomes de infância não podem mais ser pronunciados por quem quer que seja. Depois que nasceu seu segundo filho, a menina Kãñî-paka, os dois podem ser ocasionalmente chamados de Kãñî-paka-ro e Kãñî-paka-hi; mas em geral os pais tendem a ser conhecidos pelo nome do primogênito, mesmo se ele veio a morrer ainda muito pequeno. (Castro, 2003)
Um dos valores que sustentam essa cosmovisão é o do “amorismo”, proposto pelo paleontólogo francês Teilhard de Chardin. O autor, tendo como base convicções religiosas, propôs que Deus ao encarnar-se criou o mundo e que, devido a isso, o mesmo passou a ter, em todas as coisas, algo de divino. Para ele, tudo que existe possui sua parcela de divino e, por isso, apresenta-se como fundamental aos seres humanos a concretização de relações de comunhão e amor, não apenas entre si como também com o resto do mundo. Deste sentimento, que traz como valor central do universo o amor, é que deriva o termo “amorismo”, contendo a comunhão e a identificação sentimental por todos como valores que regem o comportamento humano.
É possível perceber tal valor nas comunidades Hippies, existentes principalmente entre as décadas de 1960 e 1970, nas quais o sentimento mutuo de amor era um componente real. Os moradores dessas comunidades buscavam o fim da guerra e das outras formas de violência, como o preconceito de qualquer tipo, através de discursos pacíficos, como “paz e amor”. Viviam em comunhão, compartilhando mantimentos e aceitando o outro como igual, sem julgamentos, pregando a cooperação ao invés da competição. Mostravam também um enorme respeito às outras formas de vida, propondo a preservação ambiental e o amor ao planeta como um todo.
Outro termo que pode ser usado para se referir a este valor, pois se assemelha bastante, e que pode ser exemplificado pelas comunidades Hippies é o fraternismo/sororismo, proposto por Leonardo Boff. Ele propõe que as relações são regidas por um sentimento de fraternidade universal e que, sendo assim, temos os outros sujeitos e os elementos da natureza como nossos irmãos (irmão sol, irmã água, irmão pássaro...). Ou seja, como o conceito de irmão implica uma relação, na qual eu constituo o outro e o outro me constitui (eu não posso irmão sem a existência de um outro), esse valor demostra a importância para o sujeito das pessoas e dos demais elementos ao seu redor, levando a uma relação de amor e comunhão com tudo que o cerca, como demostrado pelos Hippies.
Outro valor que caracteriza o comunitarismo solidário é o que está presente em sua própria definição, a solidariedade. Guareschi a compreende como um valor que tem como pressupostos duas dimensões centrais: a dimensão de uma relação de comunhão, ou seja, gente amiga compartilhando, e a dimensão da ação, que implica articulação e organização. Portanto é uma condição grupal resultante da comunhão de atitudes e sentimentos e nessa conceituação podemos identificar como exemplos os assentamentos do Movimento dos Sem-Terra e os acampamentos dos Sem-Teto, já que as pessoas em cada movimento compartilham do mesmo sentimento de exclusão, da mesma bandeira de luta e precisam agir, se movimentar, transformar, para garantir sua sobrevivência.
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