Ensino Religioso Como Se Deve Ensinar
Trabalho Escolar: Ensino Religioso Como Se Deve Ensinar. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Walerio • 7/8/2013 • 3.508 Palavras (15 Páginas) • 812 Visualizações
Ensino religioso: como ensinar?
Apontamentos psicológicos
Geraldo José de Paiva
Universidade de São Paulo
A escolha de um título é sempre arriscada.
Recebi, dos organizadores, uma sugestão de título estimulante: “Fora das quatro paredes: a religiosidade na vida cotidiana”. Esse título me colocou, de vez, numa perspectiva intercultural, muito apropriada ao tema do ensino religioso. A perspectiva intercultural me acudiu de imediato à mente, levando-me a pensar em ambientes dispostos em forma circular, e não na forma “carpintejada”, de ângulos retos, dos espaços ocidentais. Os estudos interculturais têm há tempo demonstrado como até a percepção das chamadas “ilusões visuais” varia entre as culturas, segundo a forma predominante da construção de seus ambientes. Complementarmente, o título ensejava o enfoque da religião como uma dimensão da cultura, possibilitando encarar o desafio do ensino religioso ministrado a fiéis de religiões diversas. Como derivação, o título me encaminhava para a discussão mais ampla dos dois vetores, contraditórios, da transformação de nosso mundo, a saber, a globalização e a localização, a homogeneidade e o pluralismo... Perplexo, preferi não me aventurar por essa tentadora avenida.
Ocorreu-me, então, o título “Ensino religioso: como ensinar?”. Esse título implicava, em primeiro lugar, a convicção de que “ensino religioso” é diferente de “ensino da religião”. Este último parece denotar uma disciplina escolar, ao lado, por exemplo, da matemática, da biologia, da história. O primeiro insinua uma qualidade, eu diria conotativa, de educação, de afeto, de interação pessoal. Essa acepção tornava o tema mais próximo à Psicologia, e se apresentava, a mim, como mais familiar. Além disso, pareceu-me presunçoso abordar, num congresso de especialistas em ensino religioso, o próprio objeto de seu mister cotidiano. Optei, então, por intitular minha comunicação simplesmente “Ensino religioso: como ensinar?”, limitando-me à consideração psicológica de alguns aspectos do ensino e da aprendizagem do objeto religioso.
Em duas ocasiões tive a oportunidade de refletir sobre o tema deste congresso, sob o ponto de vista da Psicologia. Em 1993 realizou-se em São Paulo, sob o patrocínio da UNESCO, da OEA, do MEC e do CNPq, um ambicioso congresso internacional, denominado “Educação do Futuro: Desenvolvendo o Talento e a Criatividade”. No congresso havia uma mesa dedicada à religião na educação, e dela participei com a comunicação “Haverá futuro para a religião na educação do futuro?” (Paiva, 1995). Em 2005 organizou-se em Brasília um congresso internacional sobre ensino religioso, quando pude discutir a relação entre Estado e Educação religiosa (Paiva, 2006). Neste Simpósio, em São Leopoldo, pretendo estender algumas reflexões que a Psicologia me despertou nessas ocasiões. Essas reflexões dizem respeito à diferença entre ensino da religião e ensino da moral; entre ensino da religião e ensino religioso; à delegação do ensino religioso à escola; a alguns processos psicológicos no ensino religioso.
1. Ensino da Religião e Ensino da Moral
Uma primeira distinção conceitual, que terá repercussão no como ensinar, entre ensino da religião e ensino da moral. A moral, ou a ética, como se prefere hoje em muitos círculos, diretamente não tem a ver com a religião, em razão de sua referência. Moral e ética, como traem seus nomes, dizem respeito aos costumes e, portanto, ao âmbito social do comportamento e a sua sanção social. Religião, em que pesem as definições variadas, diz respeito a Deus. A definição substantiva, e histórica, de Religião tem como referência algo “sobrenatural”, isto é, algo que se distingue do cotidiano da vida e das capacidades humanas. Esse sobrenatural conhece várias possíveis gradações, mas aponta sempre para uma dimensão que ultrapassa, ou transcende, a simples vida de cada dia. Esse transcendente tem o nome de “Deus”. Na religião, Deus não é objeto do qual se afirma a existência: na religião, Deus é cultuado. Há várias formas de culto, como a adoração, o louvor, o agradecimento, o sacrifício, a súplica, a expiação, formas essas embebidas em emoções e sentimentos, como dependência, gratidão, temor e confiança. Em palavras modernas, na religião Deus é alguém com o qual o ser humano entretém relações pessoais, radicalmente vividas com o apoio social. A inserção social, que está na origem dos costumes, não deve obnubilar a relação de pessoa para pessoa que se reconhece na religião.
Não há dúvida de que muitos deveres que incumbem à humanidade estão associados à religião. Na tradição do judaísmo é patente a derivação religiosa dos numerosos mandamentos. Também na tradição cristã, tanto as fontes escriturísticas como as fontes da tradição e da autoridade da Igreja atestam a vinculação das obrigações à religião. Porém religião não é moral! Se o cumprimento ou descumprimento dos deveres não tiver conexão com uma relação pessoal com Deus, não será um ato religioso, e será definido como um ato moral ou ético. Certa confirmação empírica desse entendimento encontramos hoje nos códigos morais do Ocidente que, embora historicamente derivem da tradição bíblica, declaram prescindir inteiramente dela ou, se não o declaram, não estão conscientes de sua origem. Uma famosa organização fatorial da religião cristã, proposta pelos sociólogos Glock e Stark na década de 60 (Glock & Stark, 1962), incluía, entre os fatores da religião, o fator “consequencial”, relacionado com o comportamento conformado às orientações religiosas. De certo, nunca foi o fator principal, encontrado na “ideologia”, isto é, na convicção de fé, expressa na prece e na devoção, que alcançou o maior índice de correlação com as dimensões ritual, experiencial e intelectual. Estudos posteriores, entretanto, retiraram da estrutura fatorial o fator consequencial. Em outras palavras, a observância dos mandamentos não faz parte da estrutura fatorial da religião. De maneira menos matemática e mais teológica, esse expurgo se justifica pela experiência do pecado, que não retira o homem da referência religiosa mas, ao contrário, pode imergi-lo profundamente nela.
Naturalmente, não estou sugerindo a desimportância do comportamento moral. Estou apenas enfatizando sua independência intrínseca da religião. Em outras palavras, o comportamento moral pode ser religioso se estiver intencionado para Deus.
...