Estamira - Análise Fílmica
Por: Makenziesta Nini • 27/4/2015 • Trabalho acadêmico • 3.359 Palavras (14 Páginas) • 409 Visualizações
O Filme Estamira e sua Análise
O documentário, ganhador de 33 prêmios, aborda sobre uma senhora cujo nome é Estamira , 63 anos, moradora do bairro Campo Grande no município do Rio de Janeiro, sofrida pelasintempéries da vida. Observa-se, inicialmente, no momento em que a câmera focaliza o seu semblante, as marcas no seu rosto, delineando um perfil maduro, envelhecido, cansado e machucado pela vida. O filme é gravado entre os anos 2000 e 2001, nessa década ocorrem fatos históricos, tanto no Brasil, quanto no exterior. Em setembro de 2001 a maior potência econômica mundial é atacada por terroristas, com o ataque e derrubada das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, EUA, iniciando uma escalada norte-americana que mobilizaria grande parte das principais economias europeias numa guerra contra o terrorismo. No Brasil, em 2002 chegava ao poder o primeiro proletário, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidência da República, com o discurso de acabar com a fome no país. Paralelamente a esses fatos políticos, o mundo passa a se preocupar com as questões ambientais, como o efeito estufa, a devastação das florestas, e a escassez de água potável; de modo geral ganham espaço as questões de sustentabilidade ambiental. Nesse cenário, mas de modo isolado, a personagem do documentário trabalha em um aterro sanitário. Apesar de aparentar distúrbios mentais ela referese de modo simples a essas questões, afirmando: “Às vezes é só resto e às vezes não. É só descuido. [...] Você tem sua camisa suada, você não vai jogá-la fora, vai lavá-la. [...] Economizar é maravilhoso, quem economiza tem, porque ficar sem é ruim.” Em seguida, ela dá uma “espécie de aula” sobre decomposição do lixo orgânico; demonstrando também uma questão socioambiental: o não reaproveitamento de materiais fabricados pelo próprio homem. Com um roteiro que intercala falas da protagonista com relatos de sua história, contados por ela e por seus parentes próximos, o vídeo coloca de forma dinâmica uma série de situações e questionamentos que servem para análise e reflexão não só do caso particular, em exposição, mas também de maneira mais abrangente sobre temas que afetam a vida de toda uma sociedade, com enfoque especial aos trabalhadores de lixões. Dessa maneira, é demonstrada a situação de extrema pobreza, na qual pessoas trabalham de forma insalubre nesse aterro sanitário, localizado no Jardim Gramacho, disputando restos de alimentos e objetos diversos com animais, como por exemplo: cachorros e urubus. Este trabalho dos catadores consiste no modo básico de alimentação e sobrevivência de diversas pessoas, entre elas Estamira. Esse fato já expõe as marcas da questão social presentes na vida desses brasileiros, que sofrem, de maneira geral, com a falta de assistência governamental que deveria fornecer ao menos o mínimo para que as pessoas pudessem ter condições de alavancar sua condição econômica e realizar a inclusão na sociedade, ao invés de os manter à margem. Identificam-se no filme problemas sociais relacionados à fome, moradia precária, condições inadequadas de trabalho, ou seja, tarefas realizadas sem os devidos equipamentos de proteção individual, expondo os catadores de materiais à todos os tipos de malesoriundos dessas condições precárias, vetando a sua participação social por meio da negação de seus direitos básicos, comprometendo o exercício de sua cidadania, visto que “a exclusão social está intimamente ligada a “negação de direitos nas tramas das relações sociais”” (Pochmann, 2003, p.19). Criando o que Torres e Marques (2004), chamam de espiral negativa, com a combinação de vários riscos devidos, por exemplo, ao saneamento precário, ocorrendo uma superposição de carências. A palavra cidadania vem do latim “civitas” que significa cidade, ela é utilizada frequentemente para designar as relações de direitos e deveres entre os moradores de determinada cidade ou estado, chamados cidadãos. Já a democracia vem do grego “Demo: povo e Kracia: Governo”, em sua essência designa que o poder emana do povo. No caso de Estamira a democracia se relaciona com a liberdade, a possibilidade que ela tem no lixão de ter o poder de viver sem as regras e preconceitos da sociedade que ela considera hipócrita, visto que a própria catadora reconhece que teve durante a sua história a cidadania violada, te impedindo de exercer seus direitos, sempre a impondo deveres e pressão social que não condizia com seus anseios enquanto cidadã. Por isso ela parece feliz quando está com seus colegas catadores, todos vivem à maneira que preferem. Um deles, chamado João, dorme solitário ao lado das fogueiras, sua felicidade é viver livre, tratando de seus cachorros. O mesmo acontece com Estamira, ela tem sua casa, mas permanece mais tempo noaterro, onde se sente mais livre e feliz, isolada de toda pressão social existente em seu cotidiano quando está inserida no meio social familiar e mais amplo.
Com referência a formas de poder expostas com a história de Estamira, percebe-se a relação de Patriarcalismo, isto é, “arranjo de gênero no qual os homens formam o grupo dominante” (Moraes, 2002, p.21), visto que a personagem principal foi levada pelo seu avô para se prostituir independente de sua vontade, enquadrando-se também ao que Bobbio, 2000, nos informa sobre a tradição clássica, na qual uma das formas de poder é o poder paterno. Mesmo após isso ela foi estuprada algumas vezes, além de ser traída, espancada e violentada por seus dois ex-maridos, dessa forma, configurando também o sexismo individual, de acordo com Moraes (2002, p.26), “Como exemplos de sexismo individual, pode-se mencionar a violência entre marido e esposa[...]”, lembrando, conforme a autora já citada, que a visão social da masculinidade traça inclusive os comportamentos a serem esperados dos homens como: serem agressivos e poderosos. Destacamos que esses comportamentos geralmente se convertem em violação de direitos individuais femininos em função da promoção de privilégios que visem à supremacia dos homens sobre as mulheres em todos os campos da vida social. Identifica-se, ainda, a influência da relação de poder ideológico, exercida pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, com relação ao filho de Estamira; um religioso que interpreta os comportamentos de sua mãe demaneira diversa, atribuindo-os a problemas espirituais, que, de acordo com ele, ela estaria com “influência demoníaca”. A relação de poder do Estado na história de Estamira resume-se à atendimentos esporádicos na área da saúde física e psíquica, sendo que em uma dessas intervenções ela foi internada a força em um sanatório, causando traumas profundos em sua vida, bem como na vida de sua mãe que também havia passado
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