ILHA DAS FLORES

O FILME trata dos problemas sócio-econômicos, alimentos sendo jogados fora, enquanto muitas pessoas precisam catar sobras nas latas de lixo para sobreviver, é uma pequena mostra da realidade de muitas metrópoles de nosso país.

A ILHA DAS FLORES - curta-metragem de Jorge Furtado, é um local na cidade de Porto Alegre aproveitado como depósito para o lixo. Embora seja o assunto central do filme, o lugar aparece somente quando os instantes finais se aproximam e, antes disso, observa-se a trajetória de um tomate desde a colheita ao descarte por uma dona-de-casa, até que chega ao lixão da ilha, numa dinâmica que escancara, com várias retomadas e em detalhes, o processo de geração de riquezas numa sociedade de consumo, com enfoque particular nas desigualdades desse sistema.

Convém ressaltar que são usados recursos para manter um teor de impessoalidade do texto. Um desses recursos é o modo de narrar do ator Paulo José, sem grandes variações no tom de voz, sem exprimir qualquer emoção. O texto é trazido de forma expositiva, com um ar quase enciclopédico. Desta forma, trata-se com a mesma naturalidade a definição de "humano" e um acidente nuclear.

Há, contudo, várias nuances de humor no decorrer das cenas. Ao mencionar a proibição católica ao lucro na Idade Média, religiosos figuram com expressões fechadas numa pintura; posteriormente, porém, as mesmas figuras sofrem uma manipulação e aparecem sorrindo.

Outro momento, — cômico e inusitado, — é a aparição de uma garrafa de Coca-Cola numa pintura egípcia antiga, no momento em que se diz que "tudo sobre a face da Terra tem valor de troca por dinheiro".

Com esses recortes, o filme aponta as calamidades que ocorrem na Ilha das Flores e também de todo o Brasil, o que já é sugerido desde o início com a execução de "O Guarani", do maestro Carlos Gomes, tema da Voz do Brasil, o programa de rádio governamental que contempla os ocorridos da vergonhosa — política nacional. De fato, a mesma música quando distorcida ao som da guitarra, remete a Woodstock, e estende o protesto ao mundo inteiro, em denúncia das misérias que assolam a humanidade.

O filme termina então como uma manifestação contra as políticas que há tempos conduzem populações aos lixões, que põem seres humanos abaixo de animais. Termina em desabafo, com um discurso sobre liberdade, "palavra que o sonho humano alimenta".