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INTELIGÊNCIA ABSTRAÍDA, CRIANÇAS SILENCIADAS: AS AVALIAÇÕES DE INTELIGÊNCIA

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Por:   •  1/11/2013  •  7.690 Palavras (31 Páginas)  •  321 Visualizações

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INTELIGÊNCIA ABSTRAÍDA, CRIANÇAS SILENCIADAS: AS AVALIAÇÕES DE INTELIGÊNCIA

Maria Aparecida Affonso Moysés

Departamento de Pediatria

Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP

Cecília Azevedo Lima Collares

Departamento de Psicologia Educacional

Faculdade de Educação da UNICAMP

Os testes de inteligência, instrumentos que visam, essencialmente, a classificação das pessoas, são filiados ao ideário eugenista. Neles, a Psicologia dá visibilidade a seus alicerces no pensamento clínico, pela necessidade de abstrair o sujeito, silenciando-o, para conseguir apor sobre ele seu "olhar clínico". Discute-se a necessidade de subverter as avaliações, abandonando a busca de defeitos para tentar encontrar a criança concreta, enquanto ser histórico.

Descritores: Inteligência. Avaliação. Fracasso escolar. Educação. Saúde.

Em pesquisa sobre a medicalização do processo ensino-aprendizagem, ouvimos as opiniões de profissionais da educação e da saúde acerca das causas do fracasso escolar.1 Nosso objetivo era, escutando suas falas, nos aproximarmos de suas formas de pensamento sobre escola, processo ensino-aprendizagem, fracasso escolar, papel dos profissionais e das instituições de educação e de saúde etc.

Sinteticamente, pudemos constatar, mais uma vez na história recente da pesquisa educacional, que todos, independentemente de sua área de atuação e/ou de sua formação, centram as causas do fracasso escolar nas crianças e suas famílias. A instituição escolar é, na fala destes atores, praticamente isenta de responsabilidades. A escola, o sistema escolar são sistematicamente relegados a plano mais que secundário quando falam sobre o que consideram causas do fracasso escolar.

Do mesmo modo que todos referem causas centradas na criança, todos referem problemas biológicos como causas importantes do não-aprender na escola. Na opinião destes profissionais, os problemas de saúde das crianças constituem uma das principais justificativas para a situação educacional brasileira. Dentre os problemas citados, merecem destaque a desnutrição, referida por todos, tanto da educação como da saúde, e as disfunções neurológicas, referidas por 92,5% das 40 professoras e 100% dos 19 profissionais de saúde (médicos, psicólogos e fonoaudiólogos).

A identidade das opiniões dos profissionais da saúde e da educação é tão intensa, nesta questão, que não se consegue identificar a formação de quem fala, a partir da análise de conteúdo, mesmo quando o assunto refere-se especificamente a problemas de saúde que, na opinião do entrevistado, impediriam ou dificultariam a aprendizagem. É importante ressaltar que esta identidade é fundada em opiniões genéricas, sem embasamento científico, que apenas refletem o senso comum e preconceitos estabelecidos. Apenas como exemplo, como identificar, nas falas abaixo, qual a da professora, a do psicólogo, a do médico e a da fonoaudióloga?

"Hiperativa é criança com problema neurológico. Não pára, nada a satisfaz, distraídas, dispersas, incomodam ..."

"Dislexia é uma doença neurológica, que se caracteriza pela grande dificuldade em aprender a ler e escrever."

"As crianças não conhecem, não discriminam, não têm seqüência de idéias, não têm coordenação motora."

"A hiperatividade é uma doença neurológica que dificulta a aprendizagem."

Ou, ainda, quem é o médico, quem é a nutricionista e quem é a professora?

"A má alimentação é a causa do fracasso escolar, porque a desnutrição afeta o cérebro."

"As conseqüências da desnutrição, como é de se esperar, são desastrosas para o futuro escolar, já que este tem sua capacidade mental lesada."

"Uma criança desnutrida já nasce com seqüelas, com pouco potencial, não recuperando condições necessárias a um melhor desenvolvimento da aprendizagem."

Todas as falas são de todos, na medida em que não se diferenciam. Qualquer profissional poderia ter falado cada uma delas.

Na concepção dos profissionais ouvidos, seja da educação ou da saúde, saúde e doença emergem como estados absolutizados, sem modulações, sem mediações. Falam de entidades, as mais complexas e controversas2, com uma aparente tranqüilidade que preocupa, ainda mais se se lembrar que se trata de profissionais de nível universitário, considerados especialistas nos assuntos em pauta. A análise um pouco mais aprofundada dos discursos permite entrever que a tranqüilidade advém do fato de que refletem preconceitos e formas de pensamento cristalizadas e não conhecimentos científicos, como seria lícito supor.

Neste texto queremos destacar um aspecto: a forma como as crianças são avaliadas.

Um dos passos previstos na pesquisa consistia em solicitar aos professores que indicassem os alunos, em sua sala de aula, que não seriam aprovados ao final do ano e por quais motivos. Nesta etapa, novamente, as causas referidas foram centradas essencialmente na criança. Assim, o deslocamento de uma questão institucional, política, para o plano individual, pôde ser percebida tanto nos momentos em que se abordavam questões educacionais em um plano mais amplo e genérico, como quando se falava de uma criança específica. Aqui, também, destacam-se as causas de ordem biológica: para a maioria das crianças apontadas como reprovadas ao final do ano, a justificativa era alguma doença que, na opinião da professora, impedia ou dificultava sua aprendizagem.

A partir daí, selecionamos setenta e cinco crianças para serem avaliadas clinicamente. A seleção foi feita não aleatoriamente, de forma a incluir todas as doenças referidas; dentro de cada uma, foram selecionadas as crianças sobre as quais as falas das professoras fossem as mais significativas. Merece ser destacado que várias das crianças escolhidas já haviam

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