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O Lugar da Loucura

Por:   •  10/11/2018  •  Artigo  •  1.746 Palavras (7 Páginas)  •  211 Visualizações

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Capítulo I: O lugar da loucura

—Lugar de louco é trancafiado! Você tem que ficar no CAPS mesmo, aí que é o lugar de gente louca como você— disse debochadamente um rapaz que passava pela rua ao ver um conhecido seu, usuário do CAPS, através do portão da unidade. Esta foi uma cena que presenciei, com tristeza, nos primeiros dias, ao iniciar meu trabalho como servidora pública no Centro de Atenção Psicossocial. O tom debochado desta sentença e com intuito de humilhar, fez-me repensar toda a temática do lugar que a loucura ocupa, hoje, em nossa sociedade. Concluí que toda a dinâmica do processo de evolução do tratamento do indivíduo com sofrimento mental partiu da premissa da resposta para a pergunta: Mas afinal, qual o lugar da loucura? É impossível falar de tal tema sem trazer luz à linha do tempo da história da loucura e de seus marcos peculiares.

Na antiguidade clássica os loucos caminhavam livremente, a loucura era atrelada a agentes sobre-humanos, pelo fato de ser um período historicamente teocêntrico onde havia no imaginário popular culturalmente a interferência dos deuses sobre o pensamento e as ações dos homens. A loucura para a sociedade naquela época era atribuída à teologia, ou seja, era interferência de Deus, ou dos deuses. No período de Hipócrates e Galeno, a loucura começou a ser considerada desarranjo de natureza orgânica e psíquica, deixando de ser considerada obra de espíritos, com as descobertas da neuroanatomia.

Na medicina, a Idade Média pode ser considerada como a idade das trevas pelo ausência de evoluções e registros. É quando o cristianismo se expande e, assim, o tratamento dos doentes mentais era deixado a cargo dos religiosos. Este período fez com que as crendices progredissem, desta forma, as doenças eram efeito do poder maléfico dos demônios sobre a mente humana. Assim, os loucos passaram a ser maltratados, acorrentados, açoitados e deixados sem comida, devido à crença de que eram os demônios que possuíam os insanos e, com esta atitude, havia esperança de que seriam expulsos.

Saltando para o século XV, o louco, ainda, era ameaça à sociedade e continuava a ser chicoteado em público, expulso das cidades, proibido de frequentar as igrejas e muito mais. A loucura causava perplexidade e estranhamento nas camadas mais cultas da sociedade e as doenças mentais eram consideradas o mau funcionamento do cérebro e da circulação sanguínea ou de um fluido que se supunha existir dentro dos nervos[1].

No século XVI, a Igreja desistiu do atendimento aos loucos e, desta maneira, eles passaram a ser assistidos, especificamente, pelas Santas Casas de Misericórdia.  Os hospitais gerais e as Santas Casas abrigavam todos os necessitados de cuidados, como os leprosos, os órfãos, as prostitutas, os loucos e até criminosos. Estes eram retirados do convívio social por considerável período de tempo e levavam uma vida fechada e formalmente administrada. Nestas casas, loucos violentos eram colocados em celas e masmorras, o que compactuava, ainda, com a ideia de que os loucos eram ameaçadores e sem utilidade à sociedade.

Já no século XVII havia superstição de que as bruxas e os mágicos podiam causar e curar a maioria das doenças. Neste período, as chamadas camisas de força e os flagelos eram aplicados rotineiramente.

No Século XVIII, enfim, a loucura tornou-se objeto de intervenção da medicina. O médico Philippe Pinel criou a psiquiatria clínica na primeira revolução do tratamento da loucura. Em seus preceitos, Pinel defendia que a doença mental podia ser causada pelas experiências de vida, e que eram corrigíveis num ambiente físico e social adequados. Havia uma concepção terapêutica, onde o louco necessitava de cuidados, apoio e remédios e também uma relação humanitária entre o paciente e cuidadores , por esta razão, os asilos foram criados.

Apesar de, no Século XIX, finalmente, a doença mental ter sido definitivamente configurada como doença orgânica, este foi considerado o século dos manicômios, onde predominava, ainda, a vigilância moral, visando à normalidade. A sociedade optava pela eliminação, do espaço social, tudo o que perturbava a manutenção de suas regularidades.  Esta era a maneira de reeducar e normatizar. Era uma higienização moral. E por muitos anos, este foi o lugar da loucura[2].  

A segunda reforma psiquiátrica iniciou-se, timidamente, no século XIX, a partir dos polêmicos preceitos de Sigmound Freud e da psicanálise, que deram uma nova visão sobre a loucura aos profissionais da medicina e saúde em geral. Este foi o contexto, a partir do qual, houve um novo impulso na mudança dos paradigmas da psiquiatria, ocasionando em um novo entendimento sobre o sofrimento mental e suas implicações clínicas e psicológicas. Até então, a internação em hospitais psiquiátricos era o procedimento padrão para o tratamento da loucura. Apesar do avanço conceitual da loucura, na prática, ainda se preconizava a exclusão, a marginalização e a demonização da loucura. A internação acontecia pelo fato, justamente, de a sociedade, de um modo geral, adotar que a pessoa com sofrimento mental deveria viver à margem das pessoas tidas, pela medicina, como normais.

O movimento da Luta Antimanicomial, que veio a ser a terceira revolução na história da psiquiatria, em meados do século XX, foi preconizado pelo psiquiatra Franco Basaglia, na Itália, na década de 60. O objetivo deste movimento, nada mais era, que o desejo de mudança sistemática no paradigma do tratamento da doença mental que, naquela época, predominantemente, consistia em internação como forma de exclusão social do louco para um modelo ambulatorial. Até porque, até as décadas de 40 e 50, o predomínio era das terapias biológicas como eletroconvulsoterapia (ECT); lobotomia; terapia insulínica.  

A Luta Antimanicomial veio, então, para reorientar o modelo de assistência em saúde mental para uma rede de serviços territoriais em atenção psicossocial mais inclusiva, humana e digna. O Brasil se engajou na luta no final da década de 1970, através dos profissionais de saúde mental, usuários e familiares, uma vez que o modelo dos leitos psiquiátricos começou a ficar defasado nesta década. Assim, o movimento foi se expandindo.

Finalmente, já no século XXI, mais precisamente em abril de 2001, a Lei Federal nº 10.216 foi aprovada no Brasil e através dela, a Luta Antimanicomial tornou-se mais veemente, tendo em vista que ela dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando, assim, o modelo assistencial em saúde mental, assegurando ausência de todo o tipo de discriminação, proteção contra abuso ou exploração. Assegurando, também, sigilo, acesso a médico e à informação sobre o tratamento, sendo este, preferencialmente, o menos invasivo e o mais inclusivo possível[3].

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