Pílulas, quase um veneno exutório lítero-psicológico
Artigo: Pílulas, quase um veneno exutório lítero-psicológico. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: diogoo • 9/10/2013 • Artigo • 1.921 Palavras (8 Páginas) • 285 Visualizações
Pílulas, quase um veneno
exutório lítero-psicológico
Luiz A. G. Cancello
A mente vaga, é o seu destino; erra, em dois sentidos. É essencialmente vagabunda e errante, disciplinada apenas pelas exigências da lida com as coisas e com os outros. Da atividade desses bilhões de células nervosas, o sistema nervoso, espocam flashes mentais, desconexos. A beleza do caleidoscópio é uma pseudo-simetria; apenas desordem refletida por espelhos. De algum modo compulsivo organizamos o caos, tentando estruturá-lo.
Fomos sendo formados do caos para a ordem. Esbarramos aqui num limite: não conseguimos conceber nossa evolução de outro jeito. Começamos por não ver estrutura no comportamento aleatório do bebê. Os pais tentam organizá-lo, punindo ("não mexe aí!"), ou esboçando caracteres definidores da futura personalidade ("parece o avô! Acho que vai ser músico.") Esses atos e palavras, mixados pelo tempo, adquirem uma configuração típica. Em confronto com alguns aspectos do temperamento da criança vão desenhando o padrão formador da personalidade futura. A maioria das pessoas crê que as coisas se passam assim.
Mas há um mistério sobre o momento mágico da transformação da história em psicologia. Quando, o dia, o mês, o ano, o indivíduo se percebe como esta pessoa singular, dotada de tais e tais qualidades definidoras de si? Não se precisa a hora da extrema prisão. Mas daí por diante ele jamais se libertará da própria imagem.
Imerso num turbilhão biofísico e bioquímico, por um lado, e com o leme emperrado pela auto-imagem, por outro, é possível decidir a própria direção?
A vontade é um doce mito. Nas situações de pretensa escolha, muito poucas opções deixarão de colidir com a idéia de si já formada, nomeada "identidade" por alguns. Perde-se tudo, amor, dinheiro, para não "perder a si mesmo". A vontade se configura a partir de um sentido dado às situações ambíguas. Inventa-se uma estória para manter a identidade intacta. Não há escapatória. A direção já foi escolhida; eu quase diria determinada. O resto é bobagem.
Resta brincar de dar sentido. Isto ainda nos parece facultado. A única liberdade. Talvez uma ilusão fisiológica. Cultivêmo-la; é consoladora.
As teoria psicológicas pouco ou nada são; limitam-se a esse jogo de atribuição estrutural. A responsável pela multiplicidade de escolas ou "linhas" não é a baixa densidade de conhecimentos da área. A adoção desta ou daquela teoria, por parte de um teórico, é principalmente uma questão de sobrevivência. Todos nós, adeptos deste ou daquele sistema de pensamento acerca do comportar-se humano, fomos por tal "escola" seduzidos de maneira absolutamente irracional, numa primeira instância. Das palavras ouvidas por algum professor fomos escolhendo aquelas sem o poder de nos destruir. Depois erigimos colossais edifícios de conceitos para justificar nossa pretensa opção. A uma certa altura orgulhamo-nos de nossos conhecimentos. Além de bobos somos metidos a besta.
Psicólogos são os últimos bruxos dos séculos. Um dia um sujeito sentou de costas para um outro e este se deitou. Nessa esdrúxula situação começaram a acontecer coisas. Descobriram não serem amigos; também não eram mestre e discípulo, professor e aluno, juiz e réu. Não eram nada codificado. A compulsão à estrutura foi dando normas àquilo. O sujeito deitado comportava-se como sabia; era o mesmo sofredor de sempre, procurando auxílio. O outro, o médico sentado, por motivos já analisados por muita gente, trouxe os sexo como centro da codificação desse encontro inusitado.
O astrólogo lia a vida de cada consulente pela posição dos astros. Mas nunca um desses magos afirmou (antes dos tempos modernos) alguma coisa sobre a causalidade. No momento do nascimento de alguém os astros não "imprimem" nessa pessoa uma dada personalidade. Isso é coisa de gente moderna tentando entender gente antiga.
Todo o cosmos era regido (pelas concepções da época) por uma lei de harmonia. Nada se separava de nada; "O que está em cima, com o que está embaixo", reza uma lei de Hermes. Nascituro e céu têm a mesma leitura por fazerem parte de um mesmo todo vivo _ o Universo _ num mesmo momento. Nada "causa" nada.
Todo o comportamento de alguém pode ser lido através de sua sexualidade, como outrora se lia uma vida através dos astros. Apenas reduziu-se o campo do vivente. Se antes todo o cosmos era o organismo a ser lido, este agora restringiu-se aos limites da pele. Entrávamos na época da microeletrônica, microbiologia, da microastrologia: a psicologia. Muita gente confundiu essas coisas com causa e efeito. Escorregou-se da harmonia para a causalidade.
Com ou sem razão, o astrólogo, pelo menos num ponto era mais lúcido: definia os caracteres essenciais da personalidade logo de cara. A margem de liberdade pertencente a cada um ele deixava pairando, com uma famosa frase: "Os astros dão a inclinação, não a determinação". Os basbaques acreditam ver aí uma alusão ao livre arbítrio. Conversa. O astrólogo dizia isso para não perder o cliente.
Impelidos pelos valores do seu tempo, houve teóricos _ muitos! _ concebendo a vida humana como destino, caminho em direção a algo, seja este algo físico ou espiritual. Entre os materialistas, os mais famosos entronizaram o sexo como fundamento de seus códigos a respeito do homem. Deram nomes ao objetivo a alcançar: potência orgástica, tornar consciente o inconsciente, etc. Outros, mais espiritualizados, nomearam de forma diferente o seu escopo: self, auto-realização, samadhi, nirvana e outros.
(Justiça seja feita: o camarada primeiro, aquele sentado pela primeira vez de costas para o outro, não formulou claramente uma conclusão; indicou um caminho, e só _ o tal "tornar consciente o inconsciente". Já era mais moderno, suplantando nesse ponto alguns de seus seguidores.)
Depois, já descrentes de objetivos, outros teóricos, agarrados a fiapos de esperança, construíram novas concepções, baseadas na idéia de caminho. Um caminho para o nada, para o não-se-sabe-quê, para a morte, mas enfim um caminho. Os inconformados, para dar mais graça a esse esforço, chamaram-no de "desenvolvimento".
Todos conhecemos aqueles indivíduos portadores, com orgulho, de sua própria história trágica. Relatam a decadência de suas vidas, por
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