RESENHA CRITICA O HOLOCAUSTO BRASILEIRO
Por: deyse_anne • 30/10/2015 • Trabalho acadêmico • 1.870 Palavras (8 Páginas) • 835 Visualizações
ARBEX. Daniela. Holocausto Brasileiro. 1. ed. – São Paulo: Geração
Editorial, 2013.
No livro O holocausto Brasileiro, a autora Daniela Arbex tenta resgatar do esquecimento um dos momentos mais marcantes da nossa história, que muitos desconhecem, atos totalmente desumanos e cruéis, que resultou em mais de 60 mil mortes, durante a maior parte do século XX. Para reconstituir a história do hospício, a autora entrevistou pacientes sobreviventes, psiquiatras, ex-funcionários, revirou arquivos, pesquisou a fundo a história da luta anti-manicomial no Brasil. Como o próprio título já diz é sobre o holocausto brasileiro que ocorreu em Barbacena/MG, no maior hospício do Brasil: o Colônia. Boa parte das pessoas que se encontravam nesse local, eram indesejável para alguém e invisível para a maioria. Muitos sequer tinham doença mental ou recebiam diagnóstico adequado. Bastava não se encaixar em um padrão estabelecido pela sociedade, como os tímidos, mães solteiras, gays, alcoólatras, indigentes, esposas inconvenientes, meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Estes eram confinado no hospício até a morte. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar.
Fotos e vídeos tirados na época e os relatos dos sobreviventes, denunciam tamanha maldade, um verdadeiro genocídio cometido pelo estado brasileiro, juntamente com a conivência de médicos, funcionários e a omissão da sociedade. Os pacientes chegavam em um trem abarrotado chamado “Trem dos doidos” e lá era retirado tudo que traziam para colocarem um uniforme fino para o frio de Minas Gerais. Os homens raspavam a cabeça e não eram mais chamados pelo nome. Um constrangimento que levava às lágrimas muitas mulheres e que jamais haviam enfrentado tal situação era a humilhação de ficar nuas em público. Quem chegava lá, era deixado a própria sorte com a comida parecendo uma lavagem de porco, com fezes e urina em todos os lugares, doentes com moscas no corpo e muitas vezes tendo que comer ratos e tomar a água do esgoto que percorria o pátio, além das sessões de tortura com os banhos gelados à noite e os choques elétricos. E na maioria do tempo ficavam nus ou em trapos porque não tinham roupas. Os mais fortes eram escravizados.
Este foi cenário de barbárie e da dor de milhares de internos, que puderam ser finalmente e profundamente conhecida através dos olhos e da história de alguns protagonistas que conseguiram, depois de tantos anos, contar suas histórias para Daniela. Histórias como a da funcionária Marlene Laureano, do vigia Geraldo Magela Franco, da funcionária Francisca Moreira dos Reis (para falar só em alguns dos funcionários do hospital), cujos olhos testemunharam tamanha crueldade quanto lhes é possível hoje relatar e, por mais que relembrar e falar de tudo possa doer, não dói mais do que a omissão forçada mantida por tantos anos. A história de pacientes como a corajosa e audaciosa Conceição Machado, mandada ao Colônia aos quinze anos por reivindicar ao pai a mesma remuneração que seus irmãos homens pelo trabalho na fazenda da família. Ou a história da franzina e bela Geralda Siqueira Santiago, vítima de inúmeros abusos de seu patrão e levada ao Colônia aos catorze anos grávida e tirada de seu filho, João Bosco, quando este tinha de dois anos. Depois de cerca de quarenta anos de angústia por ter que dar como morto um filho vivo, em 2011 eles puderam se reencontrar. Restam hoje menos de 200 sobreviventes dessa tragédia silenciosa. Boa parte deles está aqui neste livro. E é pelo olhar das testemunhas, das vítimas e de alguns de seus algozes que a história do Holocausto Brasileiro começa a ser contada.
Os anos no Colônia consumiam os últimos vestígios de humanidade. Além da alimentação racionada, no intervalo entre o almoço e o jantar, servidos ao meio-dia e às 5 horas da tarde, os pacientes não comiam nada. O frio era constante entre os pacientes, embora fosse mais fácil culpar os pacientes por exporem o corpo sem pudor, a nudez não era uma opção e muitos morriam devido ao frio intenso de Minas Gerais. Muitas roupas eram peças únicas, por isso, no dia em que elas eram recolhidas para a lavanderia, o interno não tinha o que vestir. Com a superlotação da unidade, uma história de extermínio começou a ser desenhada. Após morrerem de todo tipo de doença ou violência, seus corpos eram vendidos para faculdades de medicina, e sua passagem pela vida, apagada como se inexistente. Como a subnutrição, as péssimas condições de higiene e de atendimento provocaram mortes em massa no hospital, onde registros da própria entidade apontam dezesseis falecimentos por dia, em média, no período de maior lotação. A partir de 1960, a disponibilidade de cadáveres acabou alimentando uma macabra indústria de venda de corpos. Paulo Henrique Alves, estudante na época de umas das faculdades que compravam os corpos dos pacientes da colônia disse: “No primeiro ano de medicina, não tínhamos ideia da crueldade que estava por trás daquelas peças. Às vezes, ao dissecarmos um pulmão, percebíamos a presença de tuberculose, e os professores diziam que isso era comum nos cadáveres de Barbacena. Também chamava a atenção a magreza dos corpos usados nas aulas de anatomia”. Quando os corpos começaram a não ter mais interesse para as faculdades de medicina, que ficaram abarrotadas de cadáveres, eles foram decompostos em ácido, na frente dos pacientes, dentro de tonéis que ficavam no pátio do Colônia. O objetivo era que as ossadas pudessem, então, ser comercializada.
A sensação de impotência diante das atrocidades ocorridas dentro dos muros do hospital era comum a funcionários e ex-funcionários do Colônia. Muitos contam que desejaram denunciar o sistema, mas não havia quem se dispusesse a ouvir. Maria Auxiliadora, ex funcionaria da instituição, resistiu somente sete meses, no mesmo ano de sua contratação pediu seu desligamento do emprego público. Levou na lembrança a expressão apavorada do menino de catorze anos que puxou sua saia, implorando que ela impedisse o eletrochoque iminente. Deputados mineiros criaram comissões para discutir a situação da unidade dez anos depois. Nenhum deles foi capaz de fazer os abusos cessarem. Dentro do hospital, apesar de ninguém ter apertado o gatilho, todos carregam mortes nas costas.
...