Transferência (Freud e Jung)
Por: Kelly Araujo • 14/11/2020 • Trabalho acadêmico • 3.155 Palavras (13 Páginas) • 259 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
JOYCE DOMINGUES DA SILVA OLIVEIRA
KELLY ARAUJO MOCO
TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA
NA CLÍNICA PSICANALÍTICA DE ABORDAGEM FREUDIANA
E NA PSICOLOGIA ANALÍTICA JUNGUIANA
RIO DE JANEIRO
2020
INTRODUÇÃO
O Outro desempenha sempre na vida de um indivíduo o papel de um modelo, de um objeto, de um associado ou de um adversário.
Sigmund Freud
A descoberta da transferência por Freud é o processo que funda a prática psicanalítica propriamente dita, marcando sua diferença em relação a outros métodos que o próprio teórico chegou a usar, como a sugestão e a hipnose. Para Freud, a transferência, mais do que um componente da relação terapêutica, é o deslocamento do investimento no nível das representações psíquicas, que acontece em todo e qualquer tipo de relação. Seu manuseio é considerado a parte mais importante da técnica de análise
Embora todas as correntes na psicanálise considerem a transferência como essencial no processo de cura, cada escola pensa seu manejo de forma diferente. Assim, neste trabalho, nos debruçamos em tentar apresentar as principais ideias em torno das questões da transferência e da contratransferência na psicanálise freudiana. Em seguida, apresentamos os mesmos conceitos sob um olhar junguiano, uma vez que entrevistamos uma psicóloga clínica que tem experiência com a Psicologia Analítica. Por fim, com o intuito de enriquecer o trabalho, trazemos alguns trechos da entrevista e algumas reflexões causadas por ela.
TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA NA PSICANÁLISE FREUDIANA
Em primeiro lugar, é importante entendermos a transferência como algo que existe e está presente em todos os aspectos da vida de um indivíduo, e não somente no processo da análise. Este fenômeno diz respeito a um modo de funcionamento específico de cada sujeito, o qual é adquirido nos primeiros vínculos de conexão com um outro, e que, em seguida, se transfere para relações futuras, sejam essas relações de amizade, amorosas, de trabalho ou qualquer outra. Assim, se projeta em pessoas do convívio presente, figuras importantes do passado. Este fenômeno existe em todo e qualquer tipo de relação, apesar de na maior parte das vezes acontecer de maneira inconsciente, onde os envolvidos não têm conhecimento sobre o mesmo.
De tal modo, o mesmo ocorre na análise, onde o analisando transfere esses afetos primordiais ao analista, inserindo-o em sua série psíquica. O seu desejo se apresenta atualizado durante o processo de terapia, ocorrendo a repetição de modelos infantis. O terapeuta acaba por substituir figuras primordiais da vida do analisando, e como consequência, os desejos e figuras são transferidos a ele, podendo o analisando vivenciar e sentir as impressões dos primeiros vínculos afetivos na atualidade.
Seguindo esse raciocínio, de acordo com a teoria psicanalítica, a transferência acaba tendo imensa relevância para o processo de cura na análise, tornando-se o grande instrumento por meio do qual o analista pode trabalhar o passado do analisando. Dessa forma, uma análise começa com a instalação da transferência e termina dando-se um destino para a mesma.
Assim, o manejo da transferência em análise se dá ao passo que o analista ajuda o analisando a transformar seus sintomas em perguntas. Num primeiro instante, é necessário ouvir o analisando sem tentar compreendê-lo. O analista deve acompanhar o fluxo da associação livre e ofertar uma escuta do sofrimento. Uma vez que a ideia de transferência está estritamente associada à demanda de amor, o trabalho na análise vai depender de como a questão é escutada, acolhida e, por fim, desmontada. O objetivo é tornar consciente o material recalcado, bem como as resistências apresentadas pelo analisando.
Entretanto, ao mesmo passo que a transferência é considerada a parte mais importante da técnica da análise à medida que permite a solução dos sintomas, no início do processo é comum que ela apareça como um obstáculo ao mesmo. Neste enquadramento, vale trazer à reflexão a distinção feita por Freud em A Dinâmica da transferência, entre transferência positiva e negativa.
A transferência positiva é um fenômeno que facilita o processo analítico. Ela estabelece um vínculo afetivo entre analista e analisando e torna este último mais suscetível à influência do primeiro, por nutrir por ele sentimentos de empatia, respeito e admiração, o que facilita a associação livre. No entanto, existe uma outra forma de expressão da transferência, a qual é composta de sentimentos hostis e reflete de forma direta a resistência ao trabalho analítico, interrompendo o fluxo das associações livres: a transferência negativa.
A transferência, seja ela negativa ou positiva, revela elementos fundamentais do conflito que deu origem ao recalcamento e o fez retornar como sintoma. A sua emergência no tratamento testemunha o funcionamento do inconsciente na atualidade, e comprova que este não é apenas um reservatório do passado, mas algo que se atualiza no presente.
O que dá a transferência essa ideia de motor do tratamento é, no entanto, a sua parcela de repetição. Uma vez que esta se estabelece na análise, o sujeito passa a repetir na atualidade aquilo que não pode ser recordado por estar recalcado, e assim, o analista pode ter acesso a constelação psíquica do sujeito.
Dessa forma, a transferência permite que o analista ingresse no complexo inconsciente do analisando e trabalhe suas questões e sintomas. Portanto, o que sustenta o trabalho de uma análise é a posição simbólica assumida pelo analista no percurso da mesma, possibilitando ao paciente reconstruir e resolver conflitos reprimidos. Segundo Freud,
Quando algo no material complexivo (no tema geral do complexo) serve para ser transferido para a figura do médico, essa transferência é realizada; ela produz a associação seguinte e se anuncia por sinais de resistências - por uma interrupção, por exemplo. Inferimos desta experiência que a idéia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis, porque ela satisfaz a resistência. Um evento deste tipo se repete inúmeras vezes no decurso de um análise. (1912, p.63)
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