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Doenças Tropicais

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Por:   •  23/3/2015  •  5.660 Palavras (23 Páginas)  •  457 Visualizações

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INTRODUÇÃO

Discutem-se os componentes biogeográfico e econômico das doenças tropicais, ou, em sentido mais amplo, das doenças definidas como negligenciadas pela OMS. Doenças tropicais surgem graças a um conjunto de fatores biológicos, ecológicos e evolutivos que condicionam a sua ocorrência exclusivamente às proximidades do Equador, entre os trópicos de Câncer e Capricórnio. Nesse sentido, reconhece-se que há, de fato, uma "fatalidade tropical". Porém, a perpetuação das doenças tropicais em países aí situados depende fundamentalmente da precária situação econômica vigente e é consequência direta do subdesenvolvimento.

Doenças Tropicais

A Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui em seu sítio para "tropical diseases" oito doenças que ocorrem exclusiva ou especialmente nos trópicos, e esclarece que, na prática, a designação se refere a doenças infecciosas que proliferam em condições climáticas quentes e úmidas. Algumas dessas doenças são causadas por protozoários como a malária, as leishmanioses, a doença de Chagas e a doença do sono. Outras são causadas por vermes como as esquistossomíases, a oncocercíase e as filaríases linfáticas. Uma é viral, a dengue. A nomenclatura dessas doenças com a terminação em "íase", como acima, é de aceitação parcial entre os parasitologistas brasileiros que muitas vezes preferem a terminação "ose". Usaremos "ose", uma vez que os dicionários Houaiss e Aurélio registram ambas as formas.

As oito doenças tropicais da OMS são transmitidas ao homem de maneiras variadas, mas sempre por um vetor que geralmente é um inseto hematófago. As esquistossomoses não têm vetores, mas têm hospedeiros intermediários, caramujos, que, na água, liberam as formas infectantes para o homem.

A designação "doenças tropicais" não foi invenção da OMS, pois já constava do vocabulário médico desde o século XIX. Surgiu sem data fixa e foi se consolidando à medida que microrganismos eram reconhecidos como causadores de doenças e tinham seus mecanismos de transmissão elucidados. A expansão colonizadora da Inglaterra, da França e sócios menores, entre os quais os Estados Unidos, expandindo-se para o Caribe e o Pacífico, havia descortinado um mundo novo repleto de riquezas exploráveis, mas também de doenças desconhecidas ou quase desconhecidas. Como a maioria das novas colônias se situava nos trópicos, essas doenças curiosas e exóticas foram apelidadas de "tropicais". Para aglutinar os conhecimentos em torno da patologia dos trópicos, foram criadas sociedades médicas: The Society of Tropical Medicine of Philadelphia, depois transformada em American Society of Tropical Medicine, em 1903, e The Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, em 1909. Patrick Manson, o responsável pela "mosquito theory" de transmissão de doenças infecciosas, e que em 1899 havia fundado a London School of Hygiene and Tropical Medicine, foi o primeiro presidente da Royal Society. Essas instituições sacramentaram a designação "doenças tropicais" na terminologia médica.

Muitos cientistas, especialmente dos trópicos, contestaram desde o início a designação de "doenças tropicais", pela conotação implícita de que elas estariam vinculadas a alguma maldição ou fatalidade biogeográfica. Inflexíveis, concordavam com Afrânio Peixoto que, em seu primeiro curso como catedrático de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, poucos anos depois da criação da Royal Society, proclamaria enfaticamente que "doenças climáticas não existem". Há, nos bastidores da argumentação de Peixoto e de muitos de seus contemporâneos, uma manifesta objeção à visão de que o "clima tropical", não as precárias condições de vida e econômicas das populações tropicais, fosse o responsável pelas "doenças tropicais". A primeira metade do século XX assiste ao acirramento de posições conflitantes, médicas e leigas, sobre as raízes das "doenças tropicais". Essas posições se cristalizavam em duas visões antagônicas sobre as doenças tropicais: a) "são doenças de populações colonizadas, exploradas, miseráveis, que por acaso se concentram nos trópicos"; b) "são doenças de regiões insalubres, caniculares, sujas e propícias a todas as formas de doenças estranhas ao mundo civilizado".

Nas doenças tropicais, há certamente um forte componente de subdesenvolvimento, conseqüência tardia do colonialismo, mas há também certa fatalidade tropical, conseqüência da heterogeneidade das evoluções geológica e biológica. Propomos analisar essa dualidade, fazendo antes a ressalva de que todas as doenças humanas, em princípio, são tropicais, uma vez que a espécie humana se originou nos trópicos, e, com ela, suas doenças. São exceção aquelas doenças que a humanidade foi adquirindo, ao longo de sua história (algumas recentemente) de companheiros de jornada como cães, gatos, roedores, aves e mesmo de parentes próximos, os primatas.

A malária é um bom começo para a análise. Os microrganismos que a causam são protozoários parasitas dos glóbulos vermelhos do sangue distribuídos em quatro espécies do gênero Plasmodium. Dentre todos os animais da terra, essas quatro espécies parasitam apenas o homem, a quem são transmitidas por um mosquito que as leva de um homem doente a um homem sadio (por pouco tempo). Esse mosquito hematófago, arquiinimigo da humanidade, chama-se Anopheles, surgiu na terra milhões de anos antes das espécies humanas de plasmódio e conta com um contingente de milhares de espécies espalhadas por todo o mundo. Por sua vez, as quatro espécies de plasmódio acompanham o homem desde que, juntos, Homo sapiens e Plasmodium spp., saíram da África para povoar a Terra. Em cada canto da Terra, gélido, temperado ou tropical, a dupla contou com a cumplicidade de uma já existente espécie de Anopheles para se perpetuar e proliferar. A tríade Homem-Plasmódio-Anopheles ocupou o mundo. Nenhum recanto habitado pelo homem pôde evitar a malária, exceto as regiões polares. A malária tornou-se flagelo universal. Nenhuma nação antiga ou moderna lhe escapou. A própria Europa foi vitimada pela malária a partir de sua invasão pelo Homo sapiens há mais de 50 mil anos, e dela continuou vítima pelo século XX adentro, independentemente de religiões e regimes sociais. Uma doença universal, pandêmica, não restrita aos trópicos,

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