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ETICA IMPLICITA

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Por:   •  2/9/2013  •  991 Palavras (4 Páginas)  •  334 Visualizações

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O objetivo deste trabalho consiste em tentar explicitar a concepção de sujeito inerente às Éticas do Cuidado (Ethics of Care). Procuraremos mostrar que a especificidade desta abordagem – em contraponto, sobretudo, às chamadas "éticas da Justiça" − pode ser mais bem compreendida a partir dessa concepção. No final de nossa exposição, também procuraremos tirar algumas conclusões acerca das possíveis relações, em nível geral, entre ética e identidade pessoal.

É sabido que a obra inaugural das Éticas do Cuidado foi In a Different Voice, de Carol Gilligan. Nesse livro, a autora já estabelece o contraponto entre essa abordagem e as "éticas da Justiça", cujos principais representantes seriam Kant e o Utilitarismo. Estas últimas se concentrariam, sobretudo, em questões de igualdade, imparcialidade, direitos individuais e escolhas racionais orientadas por princípios abstratos. Segundo Gilligan, esse tipo de concepção seria o reflexo de determinadas predisposições psicológicas masculinas. A autora, de fato, aceita a tese de que homens e mulheres tendem a entender a moralidade de forma diferente,1 e considera que uma ética "feminina" se concentraria, sobretudo, nos vínculos pessoais entendidos a partir do cuidado (care). O conceito de "cuidado" é definido em função de compromissos emocionais baseados na simpatia, na compaixão, no amor, na resposta contextual à necessidade, na sensibilidade e discernimento em relação a situações particulares (Gilligan, 1997, pp. 15-43).

Como dissemos, um dos objetivos de nosso trabalho é mostrar que o contraponto entre estes dois tipos de concepção – a Ética do Cuidado e as "éticas da Justiça" – pode ser mais bem compreendido a partir de determinadas concepções de sujeito que seriam inerentes a cada uma destas propostas. Para realizar esta análise, nos basearemos em dois artigos publicados na revista Harvard Educational Review, um da própria Gilligan e outra de uma ex-aluna sua, Nona Lyons.

2. A crítica de Gilligan a Kohlberg: a importância da identidade pessoal para o desenvolvimento moral

No artigo "In a Different Voice: Womens's Conceptions of self and of Morality" (1977)2, Gilligan critica a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg3, considerando que esta reflete determinadas predisposições masculinas, e, portanto, não expressaria adequadamente as preocupações e experiências das mulheres em relação à moralidade (Gilligan, 1977, p. 481). O resultado é que nessa teoria – assim como em visões equivalentes de outros autores, como Piaget e Freud4−, o desenvolvimento moral das mulheres é considerado deficiente: o adulto moralmente desenvolvido seria um agente de pensamento autônomo, capaz de tomar decisões claras e responsáveis, e que entende a moral em termos de justiça, de forma imparcial e baseada em princípios universais5. As mulheres, devido à sua maior predisposição à sensibilidade e à preocupação com as necessidades alheias, teriam uma maior dificuldade em atingir os últimos estágios desse desenvolvimento6. Como dissemos, Gilligan aceita a tese de que o gênero afeta a maneira pela qual a moralidade é entendida, mas rejeitou a visão pela qual essas diferenças acarretariam em alguma "deficiência" da parte das mulheres. Esta seria uma falsa impressão, provocada pelo fato de que as teorias que levam a esse resultado sempre se basearam na perspectiva dos homens.

Gilligan propõe então uma teoria alternativa do desenvolvimento moral, que se aplicaria melhor à perspectiva feminina. Os detalhes dessa exposição não nos interessam aqui, mas sim a maneira pela qual Gilligan relaciona essa perspectiva a uma determinada concepção de self. A autora mantém a divisão do desenvolvimento moral em três níveis – pré-convencional (baseado nas necessidades do sujeito), convencional (baseado nos julgamentos sociais), e pós-convencional (princípios universais) −, mas os descreve de forma diferente de Kohlberg. O primeiro nível seria caracterizado pelo foco no próprio sujeito, o segundo por um conceito "maternal" de moralidade que visa à proteção dos dependentes e desiguais, e o terceiro nível por um princípio universal de não-violência e condenação à exploração e ao dano (Gilligan, 1977, p. 492). A relação com a identidade pessoal aparece, segundo Gilligan, nas transições entre os três níveis, que sempre envolvem algum tipo de reformulação da maneira pela qual a pessoa vê a si mesma, seu "self-concept": assim, a passagem do primeiro para o segundo nível – que podemos descrever, grosso modo, como a passagem do "egoísmo" para o "social" − implica em uma valorização que o indivíduo faz de si mesmo (enhancement in self-worth), na medida em que o sujeito passa a se enxergar como alguém capaz de assumir responsabilidades e fazer a "coisa certa", tendo, dessa forma, potencial para a aceitação social (Gilligan, 1977, p. 494). A "autoimagem" da mulher (reflected image) consiste então em uma pessoa que é boa e generosa (Gilligan, 1977, p. 503). Essa imagem, no entanto, geraria um conflito baseado na falta de reciprocidade do cuidado (ou seja, nos sacrifícios pessoais que essa postura exige), e no consequente sentimento de perda de conexão com os outros. Esse conflito é resolvido, nas palavras da própria Gilligan, "através de uma compreensão transformada do self e uma redefinição correspondente da moralidade" (Gilligan,1977, p. 504). Essa solução corresponde à passagem do segundo para o terceiro nível – grosseiramente, do "social" para o "universal" –, e consiste na elevação da não-violência a um princípio que governa todo julgamento e ação morais, implicando, assim, na igualdade moral entre "eu" e os "outros" (Gilligan, 1977, p. 504). A mudança na autoimagem, mais uma vez, relaciona-se ao amor-próprio: o conceito de uma "boa pessoa" é expandido de forma a incluir o poder e valor do próprio indivíduo. A responsabilidade, então, passa a se aplicar tanto a si quanto aos "outros".

No final de seu artigo, Gilligan enfatiza como as mudanças de autoimagem decorrentes desste processo sempre giram em torno da conexão entre o self e os outros, e conclui que "para as mulheres, identidade tem a ver tanto com conexão quanto com separação" (Gilligan, 1977, p. 509). Esse tipo de concepção de identidade pessoal, fortemente baseado em vínculos entre as pessoas, diferiria do "sujeito separado" (separate self) encontrado nas éticas da Justiça, em que "a separação em si mesma se torna o modelo e a medida do crescimento" (Gilligan, 1977, p. 509).7

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