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O Outro Lado Da Pilula E Os Bastidores Da Industria

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Por:   •  25/3/2015  •  4.662 Palavras (19 Páginas)  •  297 Visualizações

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TEXTO: O OUTRO LADO DA PÍLULA OU OS BASTIDORES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

11º Congresso Mundial de Saúde Pública e 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Seminário luso-francófono sobre o acesso aos medicamentos e a proteção do cidadão O outro lado da pílula ou os bastidores da indústria farmacêutica- Conferência de Jean-Claude St-Onge[1]

OS BASTIDORES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Bom dia.

Infelizmente, meu português é fraco demais para continuar falando na língua de Camões.

Primeiramente, gostaria de cumprimentar todos os participantes desse Seminário, assim como os organizadores desse Congresso e de agradecer pela acolhida calorosa e pela importância do tema que escolheram: o acesso aos remédios e a proteção do público.

Na minha apresentação, irei abordar um certo número de mitos que estão sendo veiculados a respeito da indústria farmacêutica, o tema das desigualdades no acesso aos medicamentos, a questão da segurança dos remédios, e terminarei falando sobre algumas perspectivas quanto ao futuro.

Desenvolvimentos preocupantes

Porém, antes de tratar desses pontos, permitam-me falar rapidamente da mudança radical empreendida pela indústria farmacêutica nos últimos trinta anos.

No início da Segunda Guerra Mundial, George Merck, fundador daquilo que se tornou um verdadeiro império, dizia : “Os remédios não são para lucrar, são para as pessoas”. Em 1976, Henry Gadsden, seu sucessor, confidenciava ao magazine Fortune que ele queria que sua empresa ficasse igual à do fabricante de chiclete Wrigley: ele sonhava em vender a todas as pessoas, saudáveis e doentes [1]. Enquanto George Merk doava a patente da estreptomicina para uma fundação, hoje em dia, os gigantes da indústria utilizam todos os artifícios e gastam uma boa parte dos seus recursos para prorrogar o prazo de validade das patentes.

Podemos admirar o contraste. Passamos de uma indústria fragmentada para uma indústria dominada por cerca de quinze multinacionais, interessadas em aumentar as vendas dos seus produtos, como se fossem bens de consumo comuns. Mais ainda, ao mesmo tempo em que a indústria aumentava seu poder, podia-se ver o recuo do Estado como financiador da pesquisa médica e do controle da qualidade e da segurança dos remédios.

Portanto, temos de um lado uma indústria que fabrica produtos visando o interesse público, remédios que salvaram milhões de pacientes e melhoraram nossa qualidade de vida, e do outro, multinacionais que fabricam mercadorias e devem prestar contas a seus acionistas.

Nesse confronto entre o interesse público e o interesse privado, esse último prevalece na maioria dos casos. Pode-se dizer, como os professores de medicina Philippe Ewen e Bernard Debré, que, para as companhias farmacêuticas, “cuidar, curar não constitui um fim em si, mas o meio de impor seus produtos a preços sempre mais elevados”[2]. Nas palavras da presidente de uma companhia farmacêutica do Quebec: “... a indústria farmacêutica é uma indústria como qualquer outra, que obedece às leis do mercado e tenta maximizar seus lucros”[3].

A saúde não é um bem comercial mais sim um direito. Todavia, a ciência e o interesse público foram substituídos pelo marketing e pelo lucro. Hoje em dia, essa realidade está sendo admitida até pelos segmentos mais conservadores da sociedade, como comprova um artigo do magazine Forbes publicado em maio de 2006 com o título: “Pill Pushers : How the Drug Industry Abandoned Science for Salesmanship”. [“Empurrando pílulas: como a indústria farmacêutica abandonou a ciência em proveito das táticas de venda”].

ALGUNS MITOS

Permitam-me derrubar três mitos a respeito da indústria farmacêutica.

PRIMEIRO MITO. Fala-se que a indústria farmacêutica é uma indústria de risco. Entretanto, no decorrer da última década do século XX, ela se manteve no topo do ranking das empresas mais rentáveis, depois de ela ocupar o primeiro ou o segundo lugar das indústrias mais rentáveis nos vinte anos anteriores. Em 2002, os lucros das dez maiores empresas farmacêuticas na lista das 500 maiores empresas do magazine Fortune eram maiores que aqueles das demais 490, sendo que sua taxa de retorno duplicou entre os anos 1970 e 1990. Tanto é que o Congresso dos Estados-Unidos, que certamente não é adversário do livre comércio, sentiu-se forçado a denunciar o que chamou de lucros “excessivos” da indústria [4]. Em 2004, as dez maiores companhias farmacêuticas ficavam em terceiro lugar, atrás das petrolíferas e dos bancos que, por sinal, estão entre os maiores acionistas dos gigantes farmacêuticos. Em suma, os lucros ficam dentro da família.

Essa excepcional rentabilidade não é de se estranhar quando se sabe que a indústria tira proveito de um mercado cativo, que ela dispõe de um monopólio virtual para vários produtos e que ela gasta rios de dinheiro para promover os remédios, montantes bem mais elevados que aqueles que aparecem nas contas oficiais. Com efeito, a contabilidade das sociedades de produtos patenteados nos Estados-Unidos mistura as despesas de marketing e de administração, dando assim a impressão que elas desembolsam cerca de 10% do seu faturamento em marketing. Neste particular, somente a contabilidade da sociedade suíça Novartis é transparente. Na Novartis, o marketing e a distribuição representavam 36% do faturamento em 2001, enquanto que as despesas de administração representavam apenas 5%[5].

Uma grande parte daquilo que passa por ser despesas de administração está destinada ao financiamento da educação médica contínua que, muitas vezes, constitui uma mera forma de promoção camuflada. Em 2000, 314.000 eventos do gênero foram patrocinados pelos fabricantes nos Estados-Unidos [6]. Segundo o Boston Globe, a indústria gastou entre US$ 200.000 e 400.000 para organizar cada um dos 50 simpósios da American Psychiatric Association, a qual, além disso, ainda recebia US$ 60.000 para cada um desses eventos. A exemplo da Dra Márcia Angell, pode-se fazer a hipótese razoável de que o marketing aumenta em cerca de 30% o preço dos produtos farmacêuticos.

SEGUNDO MITO. Atribui-se o alto preço dos remédios aos custos exorbitantes da Pesquisa e Desenvolvimento (R&D). Recentemente, o preço de atacado do Mustargen, um dos mais antigos tratamentos contra a doença de Hodgkin, pulou em mais de 1.000% depois que sua patente foi cedida pela Merck a uma pequena companhia. Genentech (filial da Roche) informou em março que irá dobrar o preço do seu produto contra o câncer do cólon, o Avastin,

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