Biomas brasileiros: definições e síntese ecológica
Por: Guilherme Demetrio • 20/11/2016 • Ensaio • 3.116 Palavras (13 Páginas) • 583 Visualizações
Texto para prova
Biomas Brasileiros
Os biomas brasileiros têm recebido, cada vez mais, olhares significativos da comunidade científica mundial, devido à ampla biodiversidade que abrigam, dada sua combinação de diversidade e endemismo de espécies (Aleixo et al., 2010). Ultimamente, para além da crise da biodiversidade, pode-se dizer que o planeta tem vivido uma “crise dos biomas”, porque a destruição de áreas e as mudanças no uso do solo tem extinguido não apenas as espécies, mas os habitats dos organismos (Hoekstra et al., 2005), dificultando iniciativas de preservação. Nesse panorama, a delimitação dos conceitos científico e político do termo bioma, bem como a descrição e compreensão dos principais biomas brasileiros é de extrema importância para avanços em áreas como conservação e manejo sustentável dessas áreas, já que a ciência gera jargões e essa terminologia especializada é necessária para expressarmos ideias novas e complexas de forma sucinta (Peters, 1991)
Do ponto de vista das definições acadêmicas, Schimper (1903) foi o primeiro a definir e nomear os biomas mundiais, separando-os de acordo com as formas de vida predominante das plantas, que teriam sido selecionadas de acordo com seus traços fisiológicos para lidar com o clima prevalente. É importante notar que desde essa primeira definição a proposição de que o clima seria uma das principais forças geratrizes dos biomas foi sedimentada e apareceu subsequentemente em definições posteriores. Isso se explicita, por exemplo, em trabalhos como os de Holdrige (1947), que produziu um esquema de zonas de vida no qual os grandes grupos vegetacionais podem ser traçados de acordo com a precipitação, a temperatura e a evapotranspiração potencial. Dessa forma, o clima interagiria com a biota e com o substrato, formando unidades de comunidades grandes e facilmente reconhecíveis, para formar um bioma (Odum, 1971).
A partir dessas primeiras ideias vários autores passaram a construir suas próprias definições para o termo bioma, levando em conta os mais diversos aspectos. Crawley (1989), por exemplo, evidenciou a importância da convergência fisionômica em concordância com um certo grau de divergência taxonômica, corroborando a visão de Clapham (1973) que defendia que um mesmo bioma pode se formar em diversas partes do mundo, já que a distribuição dessas estruturas era controlada por fatores abióticos, com influência predominante do clima. Os biomas, então, são a unidade basal utilizada para organizar e descrever variações complexas de larga escala, principalmente com relação à vegetação que cobre a superfície da Terra (Moncrieff et al., 2016) e poderiam ser resumidos como subdivisões biológicas que refletem as características funcionais e fisionômicas da vegetação (Oxford, 2004). Alguns autores, entretanto, afirmam que esse posicionamento aproxima o conceito de bioma ao conceito de formação vegetal (Clements, 1949), e que o bioma seria a associação entre a vegetação, os animais e os microrganismos (Box e Fujiwara, 2005).
Apesar desses pontos conflitantes, é possível dizer que cada bioma tem uma fisionomia característica, compreendendo altura e hábito de crescimento dos principais táxons vegetais, tamanho, forma e textura das folhas, proporções de plantas sempre verdes e decíduas e diversidade de espécies, por exemplo, fatores que impõem fisionomia e arquiteturas características para amplas extensões de cobertura vegetal (Tallis et a., 1991). Os biomas, então, seriam áreas do espaço geográfico, com dimensões variando de pequenas áreas até mais de um milhão de quilômetros quadrados, representadas por um tipo uniforme de ambiente, identificado e classificado de acordo com o macroclima, a fisionomia e a altitude (Walter, 1986). Definições mais recentes incluem outros fatores ambientais determinantes como a altitude, o solo, alagamentos, a ocorrência de incêndios naturais e a salinidade, por exemplo (Coutinho, 2006). O conceito de bioma, então, apresenta-se como fisionômico, porque leva em conta a aparência geral da vegetação, resultante do predomínio de certas formas de vida, funcional, porque leva-se em conta aspectos como ritmos de crescimento e reprodução e independente da florística, porque a afinidade taxonômica das espécies que aparecem em várias unidades do mesmo bioma é irrelevante (Batalha, 2011).
Entretanto, no Brasil o conceito de bioma adquiriu conotação florística (Veloso et al., 1991), e politicamente, o país reconhece seis grandes biomas: Amazônia, Caatinga, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa (IBGE, 2010; MMA, 2016), principalmente baseado na classificação de Velloso e colaboradores (1991). O maior risco deste tipo de generalização é que a homogeneização de diferentes fisionomias, que em outras escalas seriam consideradas como biomas, em grandes grupos, permite que algumas áreas fiquem mais suscetíveis à degradação ambiental. Um bom exemplo seriam os campos rupestres da cadeia do Espinhaço, que em algumas classificações são considerados biomas (Coutinho, 2006) e em outras são considerados como uma fisionomia do Cerrado (Velloso et al., 1991; IBGE, 2010). Nesse caso, se fosse criada uma legislação específica para a proteção do “bioma Cerrado”, ela não garantiria, necessariamente, a proteção dos campos rupestres, já que o Cerrado é um dos maiores biomas do Brasil e outras áreas poderiam ter maior prioridade de conservação quando suas fisionomias são homogeneizadas.
A partir desse ponto, este texto enseja descrever os biomas brasileiros com base em sua determinação política, a partir do trabalho de Veloso e colaboradores (1991) e dos manuais técnicos da vegetação brasileira, disponibilizados pelo IBGE (1992, 2012) e, posteriormente, com base em sua classificação fisionômico ecológica, definida por Coutinho (2006) e Batalha (2011), para o caso do Cerrado.
O primeiro dos grandes biomas é a Amazônia, caracterizada, principalmente, por apresentar uma vegetação com famílias botânicas de dispersão pantropical. É necessário esclarecer que a legislação brasileira reconhece diferentes formações que comporiam o Bioma Amazônia e, além da Floresta Ombrófila Densa, existem três outros tipos de vegetação dentro da região florística hileiana: a Floresta Ombrófila Aberta, a Floresta Estacional Sempre-Verde e a Campinarana.
A Floresta Ombrófila Aberta, que circunda a parte sul da Bacia Amazônica e ocorre em inúmeros agrupamentos disjuntos nas partes norte e leste da Hileia, é caracterizada por três fácies dominadas por gêneros típicos, localizados sugestivamente nas áreas menos úmidas. São eles: Attalea speciosa Mart. Ex Spreng. (babaçu) e Attalea maripa (Aubl.) Mart (inajá), que compõem a “floresta-de-palmeiras”; Guadua superba (taquara), que forma a “floresta-de-bambu”; e Phenakospermum guianensis (A. Rich.) Endl. Ex Miq.) (sororoca), que, quando gregário, constitui pequenas disjunções por toda Amazônia, integrando a “floresta-de-sororoca”. Além destas fácies típicas, observa-se mais uma, situada predominantemente nas depressões rasas e mais ou menos circulares dos terrenos pré-cambrianos arrasados, geralmente encharcados na época das grandes chuvas. Trata-se de uma fácies densamente povoada por lianas lenhosas que envolvem uns poucos macrofanerófitos sobreviventes, imprimindo-lhes o aspecto de torres folhosas desde a base. Estas disjunções da Floresta Ombrófila Aberta, mais frequentes no sul do Estado do Pará, são conhecidas como “mata-de-cipó”, existindo também nas encostas de relevo dissecado ocorrentes na Amazônia, mas aí com o aspecto de “floresta-com-cipó”. Essas lianas lenhosas, com predominância de gêneros das famílias Fabaceae e Bignoniaceae, têm larga dispersão dentro das florestas, mas às vezes são encontradas em maior número nos ambientes abertos e bem-iluminados da luxuriante floresta hileiana.
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