Apontamentos sobre a ideia de indústria cultural
Por: Alexandre Rosa • 5/2/2019 • Projeto de pesquisa • 5.825 Palavras (24 Páginas) • 176 Visualizações
Professor Ms. Alexandre Machado Rosa
Docente IFSP
3.3 Apontamentos sobre a ideia de indústria cultural
As discussões acerca do papel da cultura, considerando os seus compromissos políticos e ideológicos em uma sociedade de classes sociais antagônicas, fatores muitas vezes desconsiderados pelo pensamento hegemônico, ocupou os esforços das ciências humanas em localizar os papéis e os usos da cultura na e para a sociedade. A grosso modo, é possível situar duas visões antagônicas acerca da interpretação da cultura na sociedade da modernidade. Uma, liberal, que converteu os bens culturais em objeto de consumo ou mercadoria a partir de uma visão ancorada na técnica dissociada da abstração intelectual; e outra força que luta contra a visão mercadológica que transforma a cultura em consumo e esvazia sua natureza humana quando aliena a técnica da capacidade intelectual de produzir tecnologia para a produção.
Alfredo Bosi nos fala de culturas, a partir de duas vertentes: uma erudita e outra popular:
Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna (BOSI, A., 1992, p. 309).
Às duas vertentes gerais, o autor agrega mais duas outras que teriam origens na configuração urbano-capitalista: a cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas e intelectuais que não vivem dentro da universidade. Essa estrutura comporia um sistema cultural alto (BOSI, A., 1992, p. 309).
Em outra posição estaria a cultura de massas, que por sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo (BOSI, A., 1992, p. 309).
Bosi aponta para o fato de que fora da universidade, os bens simbólicos são produzidos e consumidos principalmente pelos meios de comunicação de massa, o que transfere para eles a interpretação da realidade.
O dono da casa liga a televisão e assiste com os filhos ao jogo de futebol. As crianças ligam a televisão e assistem aos filmes de bangue-bangue. Quase todos ouvem o repórter da noite. A música e a imagem vêm de fora e são consumidas maciçamente. Em escala menor, o jornal, ou a revista dá a notícia do crime, ou comenta as manobras da sucessão ou os horrores da seca ou a geada no Paraná (BOSI, A., 1992, p 320).
Outra vertente buscou analisar a espetacularização dos eventos culturais com o surgimento dos audiovisuais. Guy Debord em seu clássico documentário sobre A sociedade do espetáculo faz críticas à espetacularização dos bens culturais, denunciando e apontando a necessidade do resgate e dos sentidos históricos da cultura para a sociedade moderna a partir da divisão em classes sociais:
A cultura é a esfera geral do conhecimento e das representações do vivido, na sociedade histórica dividida em classes; o que equivale a dizer que ela é o poder de generalização que existe à parte, como divisão do trabalho intelectual e trabalho intelectual da divisão (DEBORD, G., 1997, pp. 180, 119)
Debord (1997) aponta para as transformações dos usos da cultura a partir dos interesses ideológicos dominantes. A separação do trabalho, força com a qual a humanidade produz a cultura, em trabalho intelectual ou produção das ideias, promovendo a alienação do trabalho material concreto que transforma a natureza e, consequentemente, da cultura como fruto deste processo de seu todo. O autor ainda auxilia na reflexão sobre a vida autônoma que as classes dominantes atribuíram à cultura, seguindo as críticas à sociedade burguesa e à sua ideologia dominante quanto ao uso de uma separação artificial do modo de produção da cultura.
A cultura se desligou da unidade típica da sociedade do mito, “quando o poder de unificação desaparece da vida do homem e os opostos perdem sua relação e sua interação vivas, ganhando autonomia...” (Différencebdes systémes de Fichte ET de Schelling). Ao ganhar independência, a cultura começa um movimento imperialista de enriquecimento, que é ao mesmo tempo o declínio de sua independência. A história, que cria a autonomia relativa da cultura e as ilusões ideológicas a respeito dessa autonomia, também se expressa como história da cultura (DEBORD, 1997, p. 120).
As reflexões que Debord (1997) propõe são parte de um movimento que questiona o uso do trabalho, ou de sua exploração, a partir da separação dos processos de produção que levam ao todo cultural, refletindo na forma de transformação da natureza, e dos modos de produção material, tendo como resultante a emancipação humana. Com a divisão social do trabalho, a cultura passa a negar seu papel transformador da condição humana. Sendo o uso da razão ou da racionalidade em favor do desenvolvimento espiritual da humanidade, deixado de lado como principal intenção contida no trabalho. Debord declara que o próprio uso da cultura e sua reificação revelam sua intenção histórica:
E toda a história de vitórias da cultura pode ser compreendida como a história da revelação de sua insuficiência, como uma marcha para sua autossupressão. A cultura é o lugar da busca da unidade perdida. Nessa busca da unidade, a cultura como esfera separada é obrigada a negar a si própria (DEBORD, 1997, p. 120).
E é justamento neste uso e nas atribuições que as classes dominantes conferem à cultura, a partir do controle dos meios de produção e da divisão mecânica do trabalho em trabalho intelectual produtivo propriamente dito, que irão impactar os significados da cultura para a sociedade. Neste devir, Mészáros faz apontamentos críticos à Escola de Frankfurt. O debate que gira entorno da arte como resultante da somatória de vários aspectos concretos e subjetivos, sob a ótica hegemônica, são alienados, prevalecendo uma sob a outra:
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